Junho de 1861–Angelina, venha comigo até a sala de estar, por favor – disse a senhora Grey, sua voz cortada, parada no vão da porta da cozinha antes de se virar e começar a andar de imediato.
Angelina enxugou devagar as mãos no avental, sentindo o medo crescer. Ela não fizera outra coisa a não ser tentar não chamar a atenção nos últimos três meses, como John lhe dissera para fazer. Ela mal tinha ânimo para fazer muito mais que isso, na verdade – a tristeza que sentia por causa da ausência dele a deixava fraca, como se uma camada de névoa invisível a envolvesse continuamente.
Angelina lançou um olhar rápido para a mãe, que cortava cebolas na bancada, a faca se movendo suave, mas firme em suas mãos habilidosas. A mãe franziu a testa, os olhos inquiridores. Angelina forçou um sorriso, dando de ombros despreocupadamente quando saiu da cozinha, indo atrás da senhora Grey.
As janelas da sala de estar estavam abertas, uma rara brisa de verão fazia as cortinas leves esvoaçarem, e trazia com ela o perfume de rosas do jardim. Rosas do jardim.
A lembrança da primeira vez que vira John voltou à sua mente e lhe deu forças.
A senhora Grey estava parada perto da lareira, de costas para Angelina.– Pois não, senhora Grey? – ela disse com delicadeza, e então seu olhar pousou em
Astrid, sentada do outro lado da sala, branca feito um fantasma, de olhos baixos.– Algo me incomodava desde aquela festa em que você trouxe uma máscara para Astrid. Eu não conseguia descobrir o que era, até uns dias atrás. Mas então descobri. Naquele dia, você usava sua roupa de domingo, Angelina. – A senhora Grey se virou devagar para ela, com
um livro nas mãos. – Por que vestia aquela roupa se tinha ido só buscar uma coisa para Astrid?Angelina uniu as mãos, sua mente girando depressa.
– Eu... – ela engoliu em seco – não queria envergonhá-la, senhora Grey. Era uma
festa.A senhora Grey ergueu as sobrancelhas devagar.
– Aquilo não fazia sentido – ela disse, como se Angelina não tivesse dito nada.
Ela ergueu as mãos e gesticulou ainda segurando o livro, erguendo o nariz como se o objeto tivesse um cheiro ruim.
– Nunca entendi a necessidade de ter um diário – ela disse. – Em especial quando se tem
tantos segredos sujos.Angelina olhou para Astrid quando a senhora Grey virou de costas outra vez, e o olhar de Astrid encontrou o seu, o semblante arrasado da meia-irmã acabando com qualquer esperança de Angelina e fazendo-a perceber que a senhora Grey não precisava, de fato, de uma resposta para a sua pergunta. Ela já sabia a resposta.
– Sinto muito. – As palavras foram sussurradas e saíram pesadas de sua boca, revelando surpresa e um medo terrível.
A senhora Grey se virou de novo para Angelina.
– Segredos sujos, imundos – a mulher falou, olhando o corpo de Angelina com nojo.
– Senhora Grey– ela disse, a voz falhando, a mente tentando encontrar um jeito de
explicar o que Astrid já tinha revelado em seu diário. Mas talvez ela não tivesse revelado tudo. Talvez ainda houvesse uma chance. – Desculpe, não estou entendendo.A senhora Grey riu, um som horrível cheio de desdém.
– Não? Bem, deixe-me fazer umas perguntas. Entende o que acontece com escravos velhos e acabados como a sua mãe quando seus donos não precisam mais deles e os jogam fora feito o lixo que são? Entende o que acontece com vagabundas negras que seduzem homens brancos de famílias ricas com seu vodu maligno? Foi isso o que você fez, Angelina? Enfeitiçou John Whitfield? Fez com que ele erroneamente acreditasse que você valia alguma coisa?
O horror tomou conta de Angelina, tão subitamente e com tanta intensidade que ela esticou a mão e se apoiou na parede para não cair.
– Mama – Astrid implorou.
– Cale a boca, sua ingrata! Sua mentirosa imunda! Como ousa me dirigir a palavra? – O rosto da senhora Grey se contorcia de raiva enquanto ela gritava aquelas palavras, sua pele quase roxa de tanta ira.
Astrid afundou de volta na poltrona, o rosto cheio de tristeza, as mãos tão apertadas no colo que os nós dos dedos estavam brancos.
– Então – a senhora Grey prosseguiu –, vou dizer o que vai acontecer. Quando John voltar, você não agirá mais feito uma vagabunda e deixará de lado sua sedução animal, permitindo que John e Astrid tenham um relacionamento apropriado. Fui clara?
O sangue pulsava na cabeça de Angelina e seus joelhos vacilavam. Angelina não conseguia falar, seus lábios frouxos e inúteis não conseguiam formar palavras. Mais uma vez, a senhora Grey não parecia precisar de resposta, e se virou para Astrid.
– Fui clara, Astrid? – ela praticamente sibilou.
– Sim, mãe – Astrid concordou.
Os olhos de Angelina se voltaram para Astrid devagar. A garota continuava olhando para
baixo e tinha o semblante vazio. Ela os havia ajudado, sim, quando acreditara que o segredo deles não seria descoberto. Mas Astrid não era páreo para a mãe. Nunca tinha sido.– Então é isso – a senhora Grey disse, pegando um fósforo que estava sobre o aparador e o riscando imediatamente. Ela segurou o diário por cima da grade da lareira e aproximou o fósforo do objeto. As páginas pegaram fogo no mesmo instante, as chamas crescendo tanto que a senhora Grey foi obrigada a largar o diário. Ele caiu dentro da lareira, onde continuou a queimar até virar cinzas.
Um soluço subiu pela garganta de Angelina, suas mãos tremendo enquanto ela dizia a si mesma para ficar calma. Aquele era um aviso. Um aviso de gelar a espinha sobre o que estava por vir.
A guerra que John lutava havia chegado à Fazenda Windisle. A tempestade se aproximava. E Angelina estava no olho do furacão. Indefesa.
Feliz Ano Novo 🥂
Que seu ano novo seja preenchido com novas aventuras, realizações e aprendizados!
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Meu apanhador de Desejos
RomancePouco depois de se mudar para Nova Orleans em busca de alavancar sua carreira de bailarina,Anastasia Steele se encontra mergulhada em solidão e incertezas, tendo na companhia de uma vizinha idosa seu único alívio para a melancolia que ameaça dominá...