Capítulo 26

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Ana jogou a jaqueta leve nos ombros e inspirou o ar fresco e puro de uma noite de céu límpido devido a um dia de chuva.

O som familiar da voz da senhora Guillot chegou até ela trazido pela brisa, e Ana sorriu de alegria enquanto aquela canção a envolvia.

Meu espírito há muito tempo aprisionado
Fortemente ligado ao pecado e à noite na natureza
Vossos olhos lançaram um raio que dá vida
Acordei com o calabouço ardendo em chamas.

Ana atravessou o portão, passando pelo gato tigrado que tomava seu banho no piso de
pedras.

A senhora Guillot parou de cantar e abriu um sorriso caloroso ao avistá-la.

– Ah, Ana, querida, como você está? Faz tempo que não a vejo.

– Estou bem. Procurei pela senhora, mas não a vi sentada na varanda ultimamente. Como vai?

– Estou ótima. Tenho feito companhia a Harry – ela disse, e Ana poderia jurar que o rosado
em suas bochechas ficou mais intenso. – E, obviamente, agora que esfriou um pouco, tenho passado mais tempo dentro de casa à noite.

– Ah, sim – Ana concordou. – O tempo mais fresco é um alívio.

– Não é? Eu ia fazer um café. Quer me acompanhar? Comprei alguns cremes de outono para pôr na bebida. Tenho de calda de abóbora com especiarias, menta e o que mais...? – Ela colocou um dedo no queixo ao se levantar da cadeira. – Ah, sim! Crème brûlée.

Ana sorriu.

– Como sabia que sou louca por cremes de outono no café?

A senhora Guillot riu ao abrir a porta de entrada e a segurar aberta para que Ana entrasse atrás dela.

– E quem não é, querida?

– Ninguém que eu queira conhecer.

A senhora Guillot riu enquanto Ana fechava a porta atrás de si, e então as duas entraram na
sala aconchegante. Os móveis eram antigos, mas obviamente bem cuidados, com mantas quentinhas nos encostos das poltronas e almofadas de pelúcia nas extremidades dos dois sofás. No canto, havia uma TV ligada com o som tão baixo que mal dava para ouvir.

– Sente-se que vou preparar o café. Vejo que virou freguesa do senhor Baptiste.

Ana assentiu, colocando a sacola que continha abobrinhas verdes e amarelas sobre a mesinha de centro da senhora Guillot.

– Sim. Ele vai fechar a barraca dentro de algumas semanas, quando mudar a estação. Tenho ido lá sempre que posso. É um homem tão gentil. Sentirei falta dele quando a barraca estiver fechada.

– Ele é mesmo. Também sentirei falta dele. Fique à vontade que já volto. Que creme você quer?

– Calda de abóbora com especiarias, por favor – Ana disse enquanto se sentava no sofá, olhando à sua volta para os diversos bibelôs da senhora Guillot.

Ela olhou para todas as fotografias sobre as mesinhas de canto e sobre o console onde ficava a televisão, para todas as pessoas que a senhora Guillot tinha amado e perdido.
Ouviu a senhora Guillot cantarolando a melodia que cantava quando Ana chegou ao portão.

– É uma bonita canção, senhora Guillot – Ana disse erguendo a voz.

– É mesmo, querida – a senhora Guillot respondeu, sua voz chegando nítida da cozinha,localizada ao lado da sala de estar. – Chama "And Can It Be". Minha mãe, que Deus a tenha, não sabia ler, mas cantava como ninguém. Como um anjo. Ela me ensinou todos os hinos de louvor que conhecia.

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