Capítulo 23

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–Liguei pra você ontem à noite – Marco disse. – Você não me ligou de volta.

Ana fez uma careta e se virou para ele. Ela se sentia mal de verdade por ter basicamente ignorado as tentativas dele de falar com ela na última semana.

– Desculpe, Marco. Quando vi sua mensagem, já era tarde. – O fato era que ela estava falando com Christian quando Marco ligou. Foi uma escolha fácil deixar a ligação cair na caixa de mensagens.

– E sabia que o veria hoje. A propósito, você foi incrível. Vai arrasar na apresentação.

– Obrigado – ele se aproximou mais, inclinando a cabeça para examinar o ponto em que ela ainda tinha um hematoma na testa. Ana havia aplicado maquiagem de palco antes de ir para o trabalho, mas aparentemente a cobertura havia saído com o suor. – O que aconteceu?

Ana levou os dedos ao ponto dolorido da testa.

– Bati numa porta.

Marco ergueu a sobrancelha, parecendo desconfiado.

– Você? A pessoa que tem o andar mais gracioso e confiante que eu conheço bateu a cara na porta?

Ana riu, desconfortável com a evidente mentira – ela nunca fora boa em inventar desculpas
plausíveis, mas não estava a fim de explicar como havia conseguido de fato o hematoma.

– Até as pessoas mais graciosas tropeçam e trombam nas coisas às vezes. – Às vezes, pessoas graciosas escorregam de cercas e caem de cara, na verdade, ela pensou com uma pontada de vergonha.

– É, acho que sim. Enfim, eu...

– Ei, Marco! – Roxanne disse, surgindo atrás dele com um sorriso sedutor. Ele se virou para
ela. – Eu estava pensando se você teria tempo esta noite para repassar a cena...

Ana aproveitou a oportunidade para se afastar e ir em direção à porta. Ela não queria que Marco lhe oferecesse uma carona. Não queria ficar de papo furado com ninguém. Queria pegar o ônibus e se perder nos próprios pensamentos, o ronco do motor do veículo fazendo-a deixar o mundo à sua volta e voltar à época de Angelina. E talvez, se deixasse a mente vagar, algumas peças daquele quebra-cabeça difícil de montar começassem a se encaixar.

Ela também queria passar mais um tempo vasculhando a pasta de Elliot, que agora mantinha em segurança na bolsa.

Felizmente, o ônibus dobrou a esquina enquanto Ana se dirigia ao ponto de parada no fim do quarteirão. Ela correu e chegou bem quando portas se abriam, e então pegou o celular enquanto sorria cumprimentando o motorista.

Toda vez que subia em um ônibus, ela se lembrava do pai, do quanto ele havia trabalhado duro, dia após dia, por ela. Como ele chegava em casa sorrindo, embora devesse estar exausto. Pensar nisso sempre lhe causava uma onda de amor e um aperto no peito. Já fazia muito tempo que eles não se sentavam e falavam sobre seus dias, sobre as coisas engraçadas que haviam acontecido no trabalho, sobre as prima-donas que ela tinha que aguentar na companhia de dança.

Ela sentia tanto a falta dele. Profundamente.

Ana escolheu um assento no ônibus quase vazio, inclinando a cabeça para trás e desfrutando do ruído branco do motor e, pela primeira vez naquele dia, parou e deu um descanso aos seus músculos.

Fisicamente, gostou da imobilidade, mas aqueles dez minutos não serviram para ajudá-la a montar o quebra-cabeça em sua mente. Ana soltou um suspiro de frustração, arrumou a postura e tirou a pasta da família Grey da bolsa.

Inspecionou a pasta, lendo com atenção alguns documentos que já havia lido por cima, e então abriu um envelope marrom que estava no fundo e que continha várias cartas antigas endereçadas a Herbert Davies e que pareciam ser correspondência comercial, mas que ela já sabia que eram cartas de sua esposa, Astrid.

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