Capítulo 18

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Abril de 1861

Angelina tirou o capuz que escondia seu rosto, fechou a porta atrás de si e se virou para John com um sorriso que murchou no mesmo instante.

– O que foi? Que cara é essa, John? Alguma coisa errada?

Ele caminhou até ela, seus passos pesados no piso de madeira da garagem de barcos da enorme propriedade de sua família.

Eles vinham se encontrando ali desde que Astrid começara a dar cobertura para Angelina e a mandar à cidade para que realizasse várias tarefas fictícias para ela. Na verdade, Angelina seguia para a pequena estrutura às margens do Mississippi, onde ela e John passariam algumas horas juntos em um lugar em que não precisavam se preocupar em serem pegos. Ainda havia equipamentos e ferramentas ali, mas ninguém vinha à garagem de barcos de Whitfield desde que o pai de John morrera meses antes.

Ao se aproximar dela, a expressão de John era tão solene que fez Angelina sentir um aperto no peito e um frio na barriga.

Ele segurou o rosto da garota entre suas mãos grandes e, por um instante, ficou apenas olhando para ela. Angelina olhava para ele, sondando seus olhos e encontrando o amor que sempre estivera presente ali.

Ela soltou um suspiro contido. O que quer que fosse, tudo ficaria bem. Contanto que ele ainda a amasse, ela aguentaria qualquer coisa.

– Estou indo para a guerra, Angelina.

Angelina sentiu um nó se formar imediatamente em sua garganta e virou o rosto, as mãos dele deixando escapar a face dela enquanto se apoiava na parede.

– Quando? – ela perguntou num engasgo.

– Parto depois de amanhã.

Seu coração ficou pequenininho de tanta dor e ela levou a mão ao peito.

– Depois de amanhã? Por quê, John?

Ele virou de costas para ela, andando enquanto passava a mão pelos cabelos.

– A Confederação precisa de mim – ele falou depressa, seu tom de voz deixando os pelos da
nuca de Angelina arrepiados. Havia um tom diferente na voz dele, um que ela nunca ouvira antes. Tinha a vaga noção de que ele estava mentindo para ela, ou pelo menos deixando de lhe dizer algo, e não sabia por que sentia aquilo, mas sentia mesmo assim.

Ele se voltou de novo para ela.

– Esta guerra, Angelina, pode mudar tudo. Pode libertar você. – A frase foi dita num só fôlego, depois a boca dele se fechou, tensa, enquanto um músculo pulsava em seu maxilar.

Angelina o encarou por um instante. Aquela guerra sobre a qual John vinha falando fazia meses sempre lhe havia parecido irreal, tão distante e sem relação nenhuma com o seu mundo. Mas de repente ela se deu conta de que não era bem assim.

– Mas, John, você lutará pelo Sul. – Lutará contra aqueles que queriam libertá-la, que queriam libertar a mãe dela e todos aqueles homens e mulheres e crianças que voltavam das plantações suados e sujos e sem esperança, dia após dia.

John deixou escapar um gemido de frustração.

– Eu sei. Mas é assim que tem que ser.

Ele fechou os olhos e inspirou fundo enquanto agarrava os braços dela, segurando-a como se
fosse desaparecer a qualquer instante se ele não a agarrasse com força.

– Parece errado. Maldição, Angelina, parece errado. Mas eu... eu tenho que fazer isso. Sinto
muito.

A dor a invadiu. Ela não tinha como evitar. Sabia que não era culpa dele, sabia que ele só
estava cumprindo a sua obrigação de soldado, seguindo ordens dadas por outros homens que pensavam diferente. Era assim que a coisa funcionava, não era?

Mas saber que ele estaria lutando contra a sua liberdade era como ter a alma atingida por uma flecha. Apesar de não ter escolha, saber que a arma dele estaria apontando para o peito de homens que a libertariam se pudessem a devastava num nível além da lógica e da razão.

– Eu sei – ela disse num suspiro. Porque sabia, ainda que não conseguisse sentir tal coisa.

– Escute o que digo, Angelina. Mantenha a cabeça baixa. Não corra nenhum risco. Só faça o que deve fazer até esta guerra terminar.

Ela queria rir, ou chorar, ou as duas coisas ao mesmo tempo. O que ele sabia sobre manter a cabeça baixa? Ela havia sido criada para manter a cabeça baixa – tinha nascido para agir assim talvez, embora aquele fosse um pensamento desanimador demais para se ter – e para agir de acordo com essa postura. Era tudo o que ela sabia ser. Tudo o que ela tinha feito a vida toda... até ele aparecer.

E agora era ele quem lhe dizia para não correr riscos. Seria fácil, não, agora que ele estava indo embora? O pensamento devia tê-la deixado mais aliviada – ela não teria mais que se esconder nem disfarçar.

E talvez a ideia de tê-lo dizendo a ela que mantivesse a cabeça baixa devesse tê-la irritado. Mas seus sentimentos estavam todos misturados, e o único que ela conseguia identificar era a angústia.

Angelina não queria que ele partisse. Não queria uma guerra – em especial uma que o Sul pudesse vencer. Só queria amá-lo e ser amada. Era demais pedir tal coisa? Por que a cor da pele de uma pessoa deveria determinar o destino dela? Causar guerras. Separação. Como a cor da pele de uma pessoa podia gerar tantas diferenças se ninguém pedia para nascer como nascia? Sem dúvida não tinha sido aquela a intenção do Senhor do Céu. Ou tinha?

– Me beije, John.

O olhar dele percorreu o rosto dela ansioso, quente, intenso, como se estivesse memorizando cada um dos seus traços. Então a boca dele estava sobre a dela, exigente, urgente, e Angelina sentiu que corriam contra o tempo... porque, de fato, corriam.

John a deitou no chão e ela sentiu as mãos dele se movendo por baixo do vestido e algo pontudo espetando suas costas. Não importava. Contanto que ele estivesse ao seu lado, ela dormiria no chão de terra ou sobre pedras ou espinhos de centenas de roseiras.

Ele a penetrou sem dificuldade com um único movimento.

Amo você. Voltarei para você, está me ouvindo? – ele sussurrou, as palavras pontuadas pelos movimentos de seus quadris.

– Prometa – ela arquejou, enterrando as unhas na pele suada das costas dele.

– Eu prometo, Angelina.

Ela guardou a promessa dentro de si, trancada num lugar seguro. Era a única coisa que tinha no mundo que era total e exclusivamente sua. Nada mais pertencia a ela – nem o seu futuro, nem a sua felicidade – nem ao menos ela mesma.

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