Capítulo 25

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Agosto de 1861

Homer se encolheu quando a mãe de Angelina esfregou o unguento nas palmas de suas mãos feridas, e em seu rosto surgiu uma expressão mais relaxada, de alívio, quase imediatamente.

– Melhor? – Mama Loreaux perguntou, enquanto esfregava o unguento de ervas na pele em carne viva e ensanguentada de Homer.

– Sim, senhora – Homer disse quando ela colocou em suas mãos luvas de algodão que Angelina havia costurado para ele.

– Durma com elas esta noite e, de manhã, suas mãos já estarão boas.

– Você é uma joia, Mama – Homer disse, dando seu característico sorriso com dentes faltando que nunca deixava de arrancar um sorriso de Angelina. Ele olhou timidamente para ela, seu sorriso diminuindo um pouco.
Cumprimentou-a com um movimento de cabeça. – Senhorita Angelina – disse. – Durma bem.

– Você também, Homer. Venha nos ver amanhã se precisar de uma nova sessão de tratamento.

– Venho, sim. – Com mais um gesto de cabeça, deixou a cabana delas, e a porta de tela se fechou suavemente às suas costas. Angelina ficou parada do lado de dentro da porta, observando o homem sumir na escuridão e desejando que houvesse uma brisa, nem que fosse leve. Mas era uma noite quente e abafada, e Angelina encarava o escuro, a desolação que havia deixado de lado quando Homer estava ali agora a invadia novamente.

Noite após noite eles vinham procurar a sua mãe, buscando alívio para lacerações e mãos ensanguentadas, para músculos doloridos e dores de todo tipo. Mas essas eram as visitas fáceis. Essas eram as que ela conseguia resolver com unguentos ou ervas, com os óleos especiais da Mama ou tinturas de cheiro forte.

Era a dor que não podia ser aliviada que perturbava a alma de Angelina – a dor da perda, a dor de amor, a imensa tristeza.
Em algum lugar distante, sob a mesma lua cujos raios se infiltravam discretamente por entre as copas das árvores, John lutava em uma guerra. Ele lutava contra o lado que poria um fim às injustiças que ela testemunhava todos os dias, um fim à tristeza e ao sofrimento, um fim às ameaças feitas por mulheres como Delphia Grey, que controlavam e arruinavam vidas.

Ela o amava e não queria culpá-lo por coisas que estavam além do seu controle, mas quanto mais se sentia solitária, quanto mais se sentia temerosa e desesperançada, mais se ressentia.

Sua mãe lhe lançou um olhar enquanto colocava os saquinhos de ervas de volta no estojo de couro em que os guardava.

– Você pensa demais. Vai acabar com dor de cabeça.

Angelina riu, mas seu riso não era bem-humorado.

– Bem que eu queria não pensar tanto, Mama. Se tiver um unguento para isso, pode aplicá-lo
imediatamente.

A mãe lhe lançou um olhar duro e retesou os lábios.

– Só cabe a você fazer isso, garota. Tantos pensamentos e sonhos... isso não vai acabar bem.

Sua mãe tinha razão, é claro. Já tinha dado errado. Ela estava apaixonada por um homem que tornara sua vida perigosa e incerta. As ameaças de Delphia Grey pesavam sobre seus ombros, ameaças que incluíam não apenas ela mesma, mas também a sua mãe.

Angelina vinha mantendo a cabeça baixa desde aquele dia terrível na sala de estar. Passava os dias abatida e desesperançada, embotada de medo. Não fazia a mínima ideia de como aquilo tudo poderia dar certo.

Angelina lançou um olhar para o estojo da mãe.

– Mama, como se amaldiçoa uma pessoa?

A mãe a havia ensinado como misturar ervas para fazer remédios, como preparar tinturas e
óleos que acalmavam e limpavam, e como aplicar unguentos que aliviavam e cicatrizavam, mas nunca lhe mostrara os outros rituais que realizava quando Angelina não estava na cabana, os rituais que Angelina sabia que eram passados de uma geração para a outra antes de sua mãe ter sido enfiada em um navio do outro lado do oceano e enviada para Louisiana.

– Às vezes sinto cheiro de fumaça quando volto para a cabana. Sei que você pratica a velha religião.

A mãe não olhou para ela e suas mãos continuaram colocando os itens de volta no estojo.

– Você não precisa saber de nada disso. Me chamam de bruxa, dizem que faço magia negra. Eu nunca quis nada disso para você. Não posso ignorar o que já sei, mas certamente posso evitar que você aprenda essas coisas. É mais seguro assim.

Mais seguro.

Mas nada em suas vidas era seguro. Era assim que uma pessoa segura deveria se sentir? Sua mãe se sentia segura? Algum escravo da fazenda se sentia seguro, independentemente de agir da maneira correta, do quanto trabalhasse duro, de quantas regras seguisse? Angelina achava que não.

– E de todo modo – a mãe prosseguiu – as maldições só dão certo se houver paixão por trás delas. Não funcionam só porque você quer que funcionem.

– Há paixão por trás do que desejo – Angelina insistiu. Ela desejava que Delphia Grey tivesse mil mortes dolorosas. Ela merecia cada uma delas.

– E para cada grama de ódio envolvido numa maldição, deve haver a mesma quantidade de amor.

Angelina observava a mãe, a exaustão a dominando. Aquilo tudo parecia confuso e complicado, e com poucas chances de dar certo.

Talvez ela odiasse Delphia Grey tanto quanto amava John, contudo, não fazia ideia de como medir aquilo. Mas não devia ser apenas sobre amor e ódio. Certamente havia palavras envolvidas, os cantos sussurrados que ela ouvia a mãe entoar quando passava diante da vidraça da cabana às vezes, a delicada fumaça do que quer que fosse que ela queimava e que era levada até o parapeito da janela.

Mas a mãe nunca compartilhara aquilo com ela, e Angelina duvidava que pudesse convencer a mãe a fazê-lo agora. De todo modo, ela não tinha certeza se acreditava naquelas coisas.

Se a mãe sabia como amaldiçoar pessoas, por que não tinha lançado uma maldição em seu pai antes que ele a engravidasse a contragosto no chão de terra do porão? Por que não havia amaldiçoado os homens que a colocaram em grilhões e a enfiaram no casco de um navio negreiro que cheirava a vômito? Por que não tinha amaldiçoado o grupo que enforcou Elijah e deixou seu corpo apodrecer ao sol?

Para cada grama de ódio envolvido numa maldição, deve haver a mesma quantidade de
amor.

Sabe-se lá o que aquilo queria dizer.

Angelina se sentou pesadamente na cama.

– Foi aquele homem que começou tudo isso – sua mãe afirmou, com a expressão dura, os
olhos cheios de preocupação ao olhar para a filha infeliz. – Se ele realmente a amasse, não colocaria a sua vida em perigo.

Mas como poderia amá-la sem colocar a vida dela em perigo? A guerra de fato libertaria os escravos? Parecia tão improvável e inimaginável. Absurdo. Será que o mundo algum dia mudaria tanto assim?

A dúvida fazia sua pele arrepiar. Ela queria insistir que John a amava, sim, que as promessas dele eram sinceras e verdadeiras. Mas o via em sua mente, a forma como ele desviara o olhar quando eles falaram sobre o fato de ele lutar pelo lado que jamais a libertaria. Havia algo que ele se recusara a lhe contar, e lembrar aquilo só fazia suas dúvidas a respeito do amor dele por ela aumentarem ainda mais.

– Sim – a mãe murmurou, um brilho intenso em seus olhos. – Ele é um perigo. Perigo e nada mais.

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