XXXIX

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O sol já não estava no centro do céu quando chegamos a faixa de areia. Tirei meus sapatos e Finan apenas repetia meus passos, peguei as botas de suas mãos e acomodei nossos sapatos em cima de uma pedra, levantei a barra do vestido para não molhar e pus os pés na água. O homem ao meu lado deu um pulinho com o contato com a água gelada, mas logo ficou quieto, observando o movimento da areia sendo levada pelas ondas e seus pés afundando aos poucos.

- Você sabe nadar? - Perguntei.

- Sei. - Assentiu.

- Pode entrar na água, é só não ir muito longe. - Eke me olhou feliz.

Finan correu até a pedra sob a qual estavam nossos sapatos, tirou o colete de couro que usava e a camisa de tecido, depois veio correndo e entrou com tudo no mar. Não havia medo naquele homem, somente o interesse pelo que era novo.

- Ember! - Gritou de dentro do mar. - A água é salgada!

- Eu sei! - Não contive a risada quando ele literalmente colocou a boca dentro da água e deu um gole enorme.

- Não faz isso! - Gritei quando ele tossiu com o sal que irritou sua garganta.

- É muito ruim! - Ele também riu e continuou nadando.

Me sentei na parte seca da areia e fiquei observando a alegria de Finan com uma coisa tão simples. Uma coisa que eu poderia fazer todos os dias se quisesse e por isso não dava valor algum, a felicidade genuína em estar verdadeiramente livre, ele estava experimentando pela primeira vez, mas eu, nunca soube como era. Ao contrário do que muitos imaginam, os reis e rainhas são as pessoas mais aprisionadas de um reino, até mais do que os ladrões nos calabouços. Somos presos por algemas invisíveis, presos pelo peso das responsabilidades infinitas. Presos por cada pessoa que somos responsáveis por manter segura.

- Ember, você não vem? - Ele perguntou.

- Estou bem aqui. - Respondi.

- Não está não. - Ele começou a vir em minha direção e eu me levantei.

- Estou sim, não ouse! - Dei alguns passos para trás quando entendi sua intenção.

- Está quente, Ember! - Ele sorriu. - E estamos livres!

- Pare com isso! - Corri, tentando me livrar de suas mãos.

- Deixe de besteiras! - Ele deu uma risada. - Vem cá!

- Pare de me irritar, Finan! - Falei quando ele agarrou meu braço. - Eu vou mandar cortarem suas mãos!

- Você não vai não, por quê eu fiz você andar! - Ele soltou uma risada estridente e saiu me puxando em direção ao mar.

- Finan, vou dizer que você tentou me matar afogada!

- E quem vai acreditar que eu conseguiria matar você, Ember? - Nem eu consegui segurar a risada.

- Pare! - Tentei fincar meus pés na areia, mas ele agarrou minha cintura e me jogou em cima dos ombros como um saco de batatas.

- Água para lavar as coisas ruins, Ember! - Ele me largou no mar e a água gelada me envolveu, deixando meu vestido pesado.

- Eu vou mandar te prenderem! - Me levantei, tirando a água salgada dos olhos.

- Não se sente melhor aqui dentro? - Ele me olhou sorrindo. - Aqui nós parecemos tão pequenos, pequenos demais par termos obrigação com algo.

- O jeito que você pensa, é diferente. - Admiti. - Sua mente é livre de prisões.

- Todas as mentes são. - Ele me olhou estranho. - As prisões são coisas engraçadas, por quê prendem o corpo, mas deixam a mente livre para vagar. E tudo começa pela nossa mente.

- Você é surpreendente. - Sorri e uma onda me empurrou para mais perto dele.

- Obrigado, Ember. - Finan segurou minhas mãos com força.

- Pelo quê?

- Por ter sido atingida por uma flecha envenenada, por sua bondade preceder a sua pessoa, por ter se recuperado, por ter me trazido junto com você.

- Nesse caso, obrigada por ter feito pernas para mim, por ter me feito companhia e mantido minha lucidez. - Ele sorriu para mim.

- Eu não tenho uma espada para pôr a seu dispor, mas, ofereço eu mesmo.

- Já é o bastante pra mim, meu amigo. - Apertei sua mão também.

Acabei me rendendo e ficando horas dentro da água com Finan, mas cansei quando meu vestido pesou demais. Retornamos aos tropeços para o castelo, de verdade, nunca me senti tão livre como no dia de hoje.

- O que aconteceu com vocês? - Deidra nos encontrou no meio do caminho.

- Tomamos banho de mar. - Finan respondeu feliz da vida. Deidra franziu o cenho, estranhando a desenvoltura do rapaz, quando ela mesma era quadrada demais.

- Você devia experimentar, comandante. - Eu sorri.

- E encharcar os tapetes? - Ela me encarou. - Não, obrigada. - Deidra saiu andando, mas não me ofendi com sua atitude. Ela costumava ser grossa quando estava envergonhada.

- Da próxima vez, vou jogar ela na água. - Finan comentou enquanto acompanhava os passos dela.

- Ela sim vai mandar cortar sua cabeça. - Brinquei e ele soltou uma risada.

Fomos para nossos quartos, deixando uma trilha de água salgada por onde passamos. Eu não me lembro de uma única vez que eu tenha me lançado ao mar desse jeito, que tenha passado o dia sorrindo e sem nenhuma preocupação. Sempre tive muito receio em ser eu mesma diante de todos, nunca me permiti ser livre assim, uma rainha precisava dar um exemplo. Mas, acredito que, eu mesma me prendi. Depois de perder tantas pessoas, depois de fazer tudo que precisei fazer para estar onde estou, para erguer um reinado justo, fiquei temerosa em me deixar livre novamente. Uma coisa importante que aprendi passando o tempo que passei com Finan, é que, ser você mesmo é inevitável, não importa o tempo que você consiga se esconder por trás de roupas e jóias, no fundo, você sempre vai estar lá. A sua cabeça não vai mudar e uma hora ou outra, sua verdadeira versão vai se sobrepor.

A maior parte da sua vida será vivida dentro da sua cabeça, Ember. Faça da sua mente um lugar agradável de estar.

Finan me disse isso uma única vez e eu nunca fui capaz de esquecer. As coisas em Eldarya vão mudar a partir de agora, sempre me mantive presa pelas leis reais, mas a grande maioria delas não foram criadas por mim, por que eu deveria segui-las? Meu irmão sempre me disse que o destino somos nós que fazemos quando decidimos seguir o caminho para aquilo que nós queremos, independente das visões dos sábios ou dos dizeres dos padres. Independente do Deus em que se acredita, todos eles seguem o mesmo preceito, abençoam aqueles que estão dispostos a lutar pelo que querem. Eles limpam nossos caminhos, nos tornam mais fortes, nos protegem nas batalhas, desde que tenhamos coragem suficiente para enfrentar o que for preciso pelo nosso destino.

Os seus feitos são seus monumentos.

Realm of EmberOnde histórias criam vida. Descubra agora