XI

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Todo o transtorno tomou conta da manhã inteira, quando sai no grande salão, a mesa para o almoço já estava sendo posta. Pretendia ir até o jardim quando cruzei com Ezarel no meio do salão principal.

- Alteza. - Ele fez uma reverência.

- Na verdade você devia me prestar uma continência, como todos os guardas. - Sorri para ele.

- A guarda da sombra não existe, majestade. - Ele piscou para mim.

- Muito bem, Ezarel, parece já estar se familiarizando com seu novo posto.

- Sim senhora. - Ele riu. - Ember, você poderia me acompanhar em um passeio curto antes do almoço? Gostaria de conversar com você.

- Eu estava indo caminhar no jardim, se quiser me acompanhar.

- Perfeito. - Ele me estendeu o braço. Nesse momento Nevra passou por nós com uma cara nada boa e Ezarel sorriu. - Ele não gostou de saber que eu estou servindo a guarda da sombra.

- Por quê? - Saimos no jardim.

- Ora, majestade.- Ele inclinou a cabeça para mim. - Você é inteligente o suficiente para entender que o Lorde Nevra está completamente apaixonado por você. - Ezarel soltou uma risada e se abaixou para apanhar uma flor para mim.

- Ezarel, você tem uma imaginação fértil. - Aceitei a flor e sorri.

- Você quer negar, que seja. - Ele deu de ombros. - Não é minha intenção falar disso.

- Sobre o que quer falar?

- Eu gostaria de lhe agradecer por ter permitido minha entrada na guarda da sombra. Nunca me senti tão útil na vida.

- Bem, eu nunca tive um alquimista. - Lhe dei um beliscão no braço.

- Eu espero ser útil, de verdade. Para agradecer por essa oportunidade. - Ele me olhou com sinceridade.

- Você vai. - Sorri para ele. - Vamos almoçar, estou com muita fome.

- Vamos.

Passamos pelo grande portal e já estavam todos ao redor da mesa, inclusive Nevra, que ao notar a flor em minha mão, me lançou um olhar inquisitivo. Ele parecia tenso.

- Eu falei. - Ezarel sussurrou em meu ouvido.

- Cale a boca. - Resmunguei para ele, que apenas riu.

Nos sentamos a mesa sob os olhares de todos. Octavia e Deidra estavam sentadas nos lugares de sempre, uma de cada lado meu, Nevra ao lado de Deidra e Ezarel sentou-se ao lado de Octavia. Os olhos de Nevra não saiam de mim e de Ezarel que mantinha no rosto uma expressão de graça, ele realmente estava adorando a situação.

- Parece que seus pretendentes não se deram muito bem. - Deidra sussurrou em meu ouvido.

- Eu não tenho pretendentes.

- Você tem sim. - Octavia entrou na conversa. - Não pense que Ezarel não tem interesse em você, ele apenas sabe que não tem chance.

- Eu não estou interessada em ninguém. - Tentei convencer a mim mesma.

- Sabemos. - Deidra me olhou com um sorrisinho cínico.

Decidi me concentrar em meu prato de comida e esquecer que Nevra repousava seu olhar insistentemente sobre mim. Hoje nos foi servido ganso ao molho de laranja, confesso que a cozinha de meu castelo foi o maior acerto de meu reinado até agora. Fui a primeira a me retirar, sai apressada para não deixar tempo de ninguém me acompanhar, me tranquei em meu quarto e não pretendo sair tão cedo, tenho planos para pensar e pessoas para fugir.

Acabei por ficar deitada em minha cama olhando para o nada, me pergunto por que diabos Octavia pôs Nevra em minha frente naquela noite, seus olhos foram como imãs para os meus e agora não consigo parar de pensar em sua imagem em minha cama, seu abraço e seus lindos olhos repousados em mim. Não consigo o tirar de meus pensamentos e até em meus mais loucos devaneios ele está presente.

Seu cheiro ainda está em minhas cobertas e as marcas que ele deixou em meu corpo ainda estão vivas, tudo que eu quero é que ele faça isso de novo. Que se deite em baixo dos meus lençóis e me puxe para seu peito, que acaricie meus cabelos e me beije como ele fez hoje de manhã. Quero acordar com seu sorriso todas as manhãs. Mais uma vez me pego pensando em algo impossível para mim, acordar todos os dias ao lado da mesma pessoa implica em um matrimônio, mas eu não cederia meu reino nem a Nevra, ou estaria traindo a mim mesma.

Sempre soube que reis teriam que lidar com dilemas constantemente, mas sempre tive facilidade para resolve-los friamente, porém, o dilema Nevra não me sai da cabeça. Eu o quero com todas as minhas forças, nunca quis tanto algo ou alguém em minha vida, mas não posso tê-lo. Uma pena, por que ele já tem meu coração.

Ouvi batidas na porta e me sentei, enxuguei algumas lágrimas teimosas e me levantei para abrir a porta. Nevra estava do outro lado.

- Sim? - O olhei curiosa.

- Já faz horas que está nesse quarto, só vim ver se estava tudo bem. - Ele me olhou relutante.

- Está sim, obrigada. - Me limitei na resposta.

- Certo. - Ele me deu um meio sorriso e se virou para sair. Eu ia fechar a porta. - Amber! - Ele enfiou o braço pela porta e impediu que eu a fechasse.

- Nevra. - O olhei surpresa.

- Você aceita dar uma volta na vila comigo? - Seus olhos refletiam esperança, os meus, dúvida.
Mas no segundo momento eu já estava de braços dados com ele me dirigindo ao estábulo. É incrível como eu mesma não sou capaz de comandar meu corpo e minhas ações junto a ele.

Após sairmos do Estábulo, cada um em seu cavalo, um silêncio se instaurou entre nós. Era um silêncio que indicava que haviam muitas coisas a serem ditas, mas os dois preferiam não dizer. Na metade do caminho eu já podia sentir o cheiro dos pães e das sopas, já ouvia as risadas das crianças e o cacarejar das galinhas fugindo das pequenas mãos que as atordoam. Isso me fez sorrir.

- Rindo sozinha, majestade? - Nevra finalmente virou sua cabeça para mim.

- Não consegue ouvi-los?

- As crianças? - Eu assenti e ele riu. - Esses pestinhas vivem roubando minhas amoras.

- Faz muito tempo que não venho até a vila. Lembro-me que da última vez tomei uma sopa deliciosa em uma pequena hospedaria. O pão de lá é o melhor que já comi.

- Uma parte ruim de ser da realeza é ter que deixar de visitar frequentemente esses lugares tão acolhedores. - Ele me olhou complacente.

- Te fizeram sair de sua casa?

- Eles tentaram. - Nevra sorriu. - Eu moro sozinho, meus pais me deixaram uma pequena fazenda mais ao sul da vila. Lá eu posso produzir vinhos e geleias, que meu ajudante, Daemon, vende na vila aos sábados.

- Eu não sabia disso. - Sorri ao imaginar a imagem de um Nevra colhendo uvas.

- Não é costume da realeza saber muito sobre a vida de seus serviçais. - O olhei com dúvida. Era a segunda vez que ele falava comigo como se eu fosse uma rainha fútil. Da primeira vez ele estava com ciúmes, então apenas respirei fundo e decidi relevar.

- Mas você pode me falar, se quiser. - Avancei um pouco mais meu cavalo, pois já podia ver a entrada da vila.

Amarrei meu cavalo junto ao de Nevra e prendi meu cabelo. As ruas estavam movimentadas, para todo lado que eu olhava haviam barracas de venda e crianças correndo. Galinhas e porcos faziam barulho ao serem o tempo todo tocados pelos pequenos que riam do som dos animias. Das barracas os aldeões me reverenciavam e sorriam para mim, me oferencendo o que eu quisesse pegar. O costume de dar festas para o povo nos jardins do castelo foi uma ideia inteligente de meu irmão, desse modo, os reis e rainhas não seriam vistos como deuses ou deusas, os aldeões teriam contato direto e isso permitiria aos reis andar pelas vilas sem serem perseguidos por multidões, como eu estou fazendo agora. Apenas as crianças me cercam e correm para onde eu vou, mas Nevra está constantemente as afastando do caminho.

- Bem vinda de volta a vila de Eldarya, rainha Ember. - Nevra me ofereceu o braço como apoio e iniciamos nossa caminhada.

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