XXIX

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Acordei com a cabeça latejando e com os gritos do meu povo ainda ecoando em meus ouvidos, tentei levar as mãos até meu rosto, mas percebi que estavam amarradas. Pisquei várias vezes para poder me acostumar com a claridade do local onde eu estava. Me dei conta que estava em um quarto, pequeno e sujo, mas possuía uma mesa com um jarra de água e um copo em cima, uma janela que estava entreaberta e um banheiro.

Eu estava em cima de uma cama, deitada. Me sentei com dificuldade e engoli seco, minha boca estava completamente seca. Não ousei chamar por ninguém, mas não passei muito tempo sozinha, a porta se abriu cinco minutos depois que eu me sentei e Malcon entrou pela porta.

- Traidor. - Cuspi as palavras nele.

- Alteza, a senhora precisa me ouvir.

- Quanto vale a palavra de um traidor? - Eu o olhei com desprezo.

- Eu não podia deixar o reino tomar o rumo que a senhora planejou, é contra tudo que se acredita.

- Contra tudo que quem acredita, Malcon?

- Todos os que moram longe do seu reino. Todos os nove reis.

- Você quis dizer todos que estão contra mim. - Ele não se atreveu a me olhar.

- É assim que deve ser feito.

- Você trabalhou a vida toda com a minha família, é assim que vai terminar?

- Eu sinto muito, mas não havia outra maneira de lhe parar.

- Me parar, Malcon? Por que você ia querer me parar? Eu não sou uma tirana, eles são.

- Os reinos mantém tradições e é assim que se mantém um reino, Eldarya logo iria afundar em suas mãos.

- Você não viu o quanto Eldarya prosperou nesses anos sob meu comando? - O olhei quase cega de raiva.

- De maneira errada. - Ele me olhou sério.

- Quem está com você, Malcon? - Eu sei que há pelo menos um rei por trás disso.

- Os reis Pedro e Leraz. - Ele disse em tom baixo.

- Mais um ataque duplo. Covardes.

- Não vamos lhe fazer mal, majestade. Depois que um homem assumir o trono, a senhora poderá retornar em segurança para Eldarya.

- E você acha que isso me deixa feliz?

- Foi a única opção que a mantinha viva. - Ele falou em um tom de medo. - Eu sei que irá me odiar para todo sempre, mas eu me importo com a senhora e nunca deixaria que lhe fizessem mal.

- Você já está me fazendo mal. - O olhei com decepção. - É o pior covarde dentre todos eles, traiu alguém que confiava em você com a própria vida.

- Me desculpe, majestade, mas é isso que vai acontecer. A senhora será bem tratada aqui.

- Onde exatamente é aqui?

- Não estamos no reino de Midas, nem em Efrir, se é o que a senhora quer saber. É apenas uma casa muito bem escondida, quando as coisas se resolverem, um mensageiro virá avisar.

- Vou mandar cortarem a sua cabeça assim que me acharem.

- Sim senhora. - Ele baixou a cabeça. - Como quiser. - Ele se levantou e saiu do quarto, trancando a porta atrás de si.

A única coisa que eu podia fazer, era continuar sentada, minhas mãos amarradas não me deixavam muitas opções. Passado algum tempo, Malcon voltou, carregando uma bandeja com comida e dois cobertores grossos em baixo do braço.

- É melhor comer. - Ele não me olhou nos olhos. - Faz quase um dia que não come nada.

- Não quero.

- Em todo caso, vou deixar em cima da mesa. - Ele suspirou. - Trouxe essas duas cobertas, faz muito frio a noite. Tem um banheiro, com água quente e roupas, se quiser.

- Não posso tomar banho com as mãos atadas.

- Oh, sim. - Ele veio até mim e tirou uma faca do bolso, cortou as cordas e se afastou.

Sem dizer mais nenhuma palavra ele virou as costas e saiu.

Acaricei meus pulsos, notando que estavam um pouco marcados e avermelhados, andei até a mesa onde estavam as comidas na esperança de que houvesse alguma faca, mas tudo já estava partido e só havia uma colher. E por que haveria de ter uma faca? Malcon me conhece, eu me viro muito bem com uma.

Fui até o banheiro, bem simples, apenas um chuveiro e um vaso sanitário velho, atrás da porta um cabide onde haviam roupas penduradas, calças e camisas, nenhum vestido. Provavelmente, essas roupas foram obras de Malcon, nenhum rei se importaria o bastante para pensar em me trazer roupas, me surpreende eu ainda estar viva.
Me despi de meu vestido que estava todo sujo e rasgado, entrei em baixo da água fria e a vi percorrer meu corpo adquirindo uma cor marrom.

- Por acaso esses brutamontes me rolaram na terra? - Perguntei a mim mesma.

Retirei toda a sujeira de mim e me vesti, pela primeira vez em muito tempo, com roupas comuns. Uma calça de tecido simples, uma camisa do mesmo tecido, mas de cor vermelha e botas de couro simples.
Sai do banho e decidi comer, meu estômago ja roncava. Na bandeja de comida haviam queijos, frutas, uma tigela de sopa e um jarra de leite que ainda estava morno. Não sei se deveria confiar em comer algo que ele me dê, mas não tenho nenhuma opção, tomei a sopa e comi alguns pedaços de queijo.

Na fronha do travesseiro, escondi duas maçãs, caso me deixassem sem comida por algum motivo. Prestei atenção na janela, preciso saber em que tipo de lugar me encontro, caminhei até ela e abri, haviam barras de metal presas por fora da casa, transformando minha janela em linhas. Lá fora a tarde já caia, até onde pude ver, estamos no meio de uma floresta e já que não estamos em nenhum reino, devemos estar na floresta de Eel, uma enorme faixa verde que divide os reinos de Midas e Efrir, não foi uma decisão inteligente, minhas guardas pensam fora da caixa, vão me encontrar.

Pude ver uma trilha de terra batida que serpenteava entre as árvores e algumas tochas acesas um pouco mais ao longe, provavelmente para espantar os lobos, se eu estiver certa do local onde estamos, a noite será dos coiotes e lobos. Eu preciso sair daqui antes que Malcon perceba. Fui ao banheiro e peguei o vestido sujo, rasguei a parte do busto, onde haviam detalhes dourados, e amarrei o tecido verde em uma das barras de ferro que bloqueavam a janela, se alguém de minha guarda passar por aqui, vai reconhecer.

Ouvi passos se aproximado da porta, fechei rapidamente a janela e me sentei novamente, peguei um pedaço de queijo e mordi.

- Que bom que está comendo. - Malcon esboçou um sorriso e fechou a porta.

- O que você quer? - Pus outro pedaço de queijo na boca.

- Só vim ver se você estava bem. - Ele recolheu a tigela vazia e pôs leite em um copo. - Devia beber, precisa recuperar suas forças. - Dei um gole no leite sem dizer nada, precisava desse lado dele que se importa comigo.

- Sabe que vou sair daqui com ou sem ajuda, não sabe? - Dei uma risadinha. - Você sabe que não é uma decisão muito inteligente.

- Eu sei sim. - Ele sorriu. - Há uma esquadra de guardas escondidos na floresta, você só sai daqui se deixarmos.

- Apenas uma esquadra? - O olhei com desdém. - Não vai ser o bastante. - Vi ele engolir seco.

- Bem, eles não vão te achar. - Ele se levantou rapidamente a abriu a porta. - Antes de dormir, feche bem as janelas, vai esfriar. - Dito isso, ele fechou a porta e se foi.

A noite caiu rapidamente e junto com ela, a temperatura. Malcon não me deu sequer um castiçal para iluminar o breu, então tratei de fechar bem a janela e colocar o lençol que forrava a cama pendurado nela, numa tentativa de manter o ar frio fora. Tomei mais um copo do leite, que agora já não estava mais tão morno. Me deitei e embaixo das duas cobertas me pus a chorar, não por mim, meus pensamentos estavam em Ezarel e na cena que presenciei antes de ser levada, espero, com toda a minha alma, que ele esteja vivo e se recuperando nesse momento.

Eu vou te achar, Ember!

Não sei o que vai ser de mim depois dessa reviravolta, mas espero que tudo esteja bem em Eldarya, espero que as pessoas estejam bem.

Realm of EmberOnde histórias criam vida. Descubra agora