Ember Lothebrook, 3 anos depois
O baile de verão é amanhã, gosto bastante em particular dessa estação do ano, embora a Noruega não possua uma verão tão quente, o modo como o calor do sol faz as coisas crepitarem é extasiante, o calor do sol e não o próprio sol. Esse calor é capaz de secar rios e causar incêndios gigantescos ao mesmo tempo em que faz os girassóis desabrocharem e os relógios nos dizerem as horas, é admirável.
Esse é o terceiro baile que organizo sozinha, sem meu irmão, mas em memória dele, já que foi uma criação de seu reinado. A estátua de Bjorn Ironside ainda guarda o portão principal do castelo e sempre será assim, meu querido irmão jamais será esquecido.
O dia amanheceu calmo, Srta. Lestrange, minha comandante de guarda ainda não bateu nas portas de meus aposentos, nem meu mordomo Malcon, então eu vou me manter aqui até algum dos dois vir pertubar a vista de minha varanda. Daqui eu posso ver toda a vila, depois que mandei derrubar os muros que separavam o castelo da vila ganhei muito mais visibilidade do que acontece com meus aldeões, a única muralha permitida é a que protege todos nós juntos, por que somos um só.
- Majestade? - Ouvi as três batidas na porta típicas de Malcon.
- Pode entrar, Malcon. - Me virei em direção a porta ainda sentada no parapeito da varanda.
- Bom dia, majestade. - Ele me fez uma reverência. - Vim busca-la para o café da manhã.
- Bom dia querido Malcon! - Me levantei e lhe dei um breve abraço, vi as bochechas de meu mordomo se ruborizarem, ele odeia quando faço isso e eu sempre faço. - Já disse que não precisa de reverência, vou precisar emitir um decreto te proibindo?
- São regras do meu trabalho, majestade. - Ele deu um breve sorriso e eu revirei os olhos para ele.
- Certo. Vamos descer.
Saimos dos meus aposentos em direção a escadaria dupla típica de todo castelo, não entendo a necessidade de tanto espaço, mas meu pai fez questão de construir um castelo a altura de todos os outros reis, acredito que até melhor. O corredor de pedra comprido estava sempre decorado com um grande tapete verde e dourado, as cores de nossa bandeira, com quadros de nossos antepassados velhos e carrancudos pendurados nas paredes de um lado e armas empoleiradas do outro, com espaço para as tochas que quebram a noite sombria. Eis outro motivo para gostar do verão, os dias são mais longos e as noites mais curtas, menos tempo de escuridão.
Cumprimentei meus serviçais e após eu me sentar, eles também se sentaram. Não era costume da família real fazer refeições na mesma mesa que aqueles que nos servem, mas a mesa é muito grande, eu gosto das pessoas que trabalham pra mim e também gosto de estar sempre de olho naqueles que passeiam livremente em meu castelo.
- Onde está Deidra? - Minha chefe de guarda, única que não está sentada a mesa.
- Ela saiu cedo, majestade. - Cila me respondeu enquanto me servia suco de amora.
- Sabe me dizer para onde? - Deidra não me avisou nada, eu dou liberdade a meus serviçais, mas não tanta.
- Não senhora. - Cila se sentou. - Ela não saiu de uniforme, creio que deve ter ido até a vila.
- Tudo bem. - Lhe dei um meio sorriso e me concentrei em meu prato de ovos de pata com carne seca.
Assim que terminei de comer, me levantei e segui para a sala onde faço minhas funções de realeza com Malcon em meu encalço.
- Quando a Srta. Lestrange chegar, diga para ela vir diretamente até mim. - Falei para Malcon e me virei para me servir um copo de Licor de uva.
- Sim senhora. - Ele assentiu e se direcionou a um monte de papéis que repousavam na estante. - Majestade, essas são as autorizações que a senhora precisa assinar para o baile de amanhã.
- Todos os reis confirmaram a presença de suas cortes? - Me sentei confortavelmente em minha cadeira que na verdade havia sido feita para meu irmão, portanto era bem maior que eu.
- Sim, majestade. - Malcon deu um breve sorriso. - Creio que a senhora receberá muitos cortejos este ano, os filhos dos reis atingiram a maior idade. A maior idade em nossos reinos é de vinte anos.
- Bem, todos eles serão rejeitados com bastante delicadeza. - Também sorri para ele. O que eu não comentei antes é que eu nasci no solstício de verão, então o início dessa estação também marca meu aniversário e é costume receber cortejos em tal data. Um martírio.
- Mas, minha senhora precisa de um companheiro, precisa de herdeiros, precisa de alguém que lhe defenda perante os outros reis.
- Caro Malcon, você mais do que ninguém deveria saber que eu não preciso de nenhum homem para manter meu reinado. - Dei um grande gole em meu licor por que sei muito bem o discurso que está por vir.
- Majestade, a senhora recebe muita pressão dos outros reis, por que é a única que não é casada. Um casamento resolveria o problema, pretendentes não faltam.
- O que você ainda não entendeu, Malcon, é que eu não sou pressionada por não ter me casado, eu sou pressionada por ser mulher e não ter me casado com nenhum deles. - Enchi novamente meu cálice de licor.
- A senhora precisa de herdeiros para consolidar o seu império, precisa fazer alianças.
- Não farei nenhuma aliança com nenhum dos nove reinos, achei que já havia deixado isso bem claro. - Me sentei ereta na cadeira, estressada.
- Sem alianças a majestade não consolidará seu império e após sua morte perderá seu reino para outro sangue.
- Malcon, você acha mesmo que algum dos nove reis irá honrar o meu reinado após a minha morte? - Soltei uma risada amarga.
- Não se a senhora não formar alianças.
- Mesmo se eu me casar com um deles e ceder a ordem majoritária para meu marido, mesmo que eu faça alianças com cada um dos nove, eles jamais me considerarão digna. Sabe por que, Malcon?
- Não, majestade.
- Por que eu sou mulher e uma mulher no poder é inconcebível para eles, por que suas mulheres são mais um enfeite em suas coroas e suas camas. Eu prefiro perder o meu reino depois de morta do que entrega-lo a um deles através do casamento.
- Minha senhora tem que ter herdeiros, para que seu povo esteja a salvo mesmo sem a sua presença. - Malcon suspirou.
- Eu não vou me casar, Malcon.
- Mas é o que todo soberano faz, majestade. - Malcon tinha um tom preocupado, ele serve em minha família a muito tempo e eu venho quebrando todos os padrões conhecidos por ele.
- Mesmo se eu me casar com algum deles, sabe o que farão quando eu cair ou morrer? - Ele negou com a cabeça. - Vão invadir minhas terras, tomar conta do meu reino, apagar cada traço da minha existência, retirar minhas comandantes e transformar meu reino na zona que é o reino deles. Eu não vou ser honrada mesmo tendo o maior império de todos eles, por que eles não aceitam terem perdido batalhas para mim e minhas comandantes mulheres, não aceitam que uma mulher seja mais poderosa que todos eles juntos. Não aceitam que uma mulher sozinha seja soberana sobre tudo. Eu não vou abrir mão de minha soberania única por um casamento, homem nenhum comandará meu reino por que o único homem digno depois de meu pai foi meu irmão e todos eles estão mortos. Esse é o meu reino, Malcon, e eles só entram aqui sob minha permissão. Eu derramei do meu sangue para estar nessa cadeira hoje, portanto, o sangue que me substituir, sou eu quem vou escolher. Eu não vou me casar.
- Sim senhora. - Malcon assentiu e se levantou. - Irei terminar os preparativos de amanhã. Com licença, majestade. - Prestou reverência e saiu.
- Diga a senhorita Lestrange vir até mim! - Gritei enquanto ele saia.
Jamais entregarei meu reino a homens tão preconceituosos e arcaicos, eu lutei muito para derrubar os muros que semparavam o castelo do povo e lutei ainda mais para criar a relação de confiança que tenho com meus aldeões. Aqui é o meu território e qualquer um deles que tentar tombar minha coroa, se perderá em meio ao meu povo e jamais encontrará o caminho de volta. Eles não sabem, mas meu campo é minado para visitantes, somente meu povo e eu sabemos onde pisar.