XIX

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Na manhã seguinte a batalha, já não haviam mais corpos na praia, o mar já estava sendo limpo e os cidadãos observavam os soldados retirando os inimigos que boiavam no mar.

- Estão os retirando antes que atraiam tubarões. - Nevra apareceu do nada e atrás de mim em minha sala.

- O que faz aqui, sub comandante Nevra?

- Ordenaram que eu lhe informasse que os cidadãos querem saber se podem montar a feira novamente.

- O que você acha? - Me virei para ele, mas não esperava que estivesse tão perto.

- Eu...- Ele prendeu seus olhos nos meus, mas logo se afastou. - Eu acho que eles precisam guardar mais mantimentos, não sabemos quando será o próximo ataque.

- As guardas já estocaram os materiais para montar acampamentos?

- Sim senhora. Os aldeões também estão guardando provisões em sacos de couro, tem tudo pronto para sair de casa se for preciso. - Ele baixou a cabeça e ergueu os olhos para mim, sempre achei essa sua mania muito sexy.

- Certo. - Olhei para os lados, nervosa com a presença dele. - Então pode permitir que eles montem a feira, mas  diminua o tempo.

- Sim, majestade. - Ele se virou para sair.

- Nevra. - Ele me olhou.

- Como está a Anne, e a família dela?

- Bem. - Ele respirou fundo. - Daemon faleceu semana passada. - Meu coração foi no chão.

- Por que só estou sabendo disso agora?

- Você não me olhava nos olhos, como poderia falar com você? - Engoli em seco.

- Como ela está?

- Esteve triste por um tempo, mas agora parece estar melhor. Está trabalhando definitivamente na fazenda e largou a feira.

- E o pai dela?

- Ainda acamado, ela divide o tempo entre a fazenda e ele. - De repente me vi em Anne, tantas obrigações sendo tão jovem.

- Sinto muito por ela, são muitas obrigações para uma menina tão jovem. - Me sentei em minha cadeira.

- Eu dei um cavalo a ela, para que não se cansasse tanto.

- Fez bem. Ofereça a ela e seu pai uma casa mais próxima ao castelo, posso prestar mais assistência a ela.

- Eu ofereci a casinha que meu pai construiu nos fundos da fazenda, ela servia para o trabalhador antigo. Desde que ele morreu está vazia, mas ela não aceitou.

- Você pode, por favor, checar se está tudo bem com eles, de vez em quando, em nome da rainha.

- Sim, majestade.

- Obrigada. - Ele apenas baixou a cabeça e saiu da sala.

Suspirei e afundei na cadeira. Conversar com Nevra tão formalmente, mesmo estando sozinhos, era algo estranho de se fazer, quero dizer, agir como se não tivéssemos visto o maior nível de intimidade um do outro, como se jamais tivéssemos acordado juntos em uma manhã ensolarada, é algo que minha mente tem se recusado a aceitar. Eu tento disfarçar e fingir que não sinto nada, mas a verdade é que estou muito preocupada com as batalhas que estão por vir, preocupada com ele.

Nevra nunca fugiu de uma boa luta, sempre fez questão de estar na linha de frente, sendo o primeiro a pôr o pé no campo de batalha e o último a sair, eu tenho medo de que em algum desses embates, ele não saia. Essa ideia passou a girar em minha cabeça desde minha conversa com Deidra e a vontade de correr até ele e me jogar em seus braços antes que tudo isso acabe em fracasso cresce mais a cada dia, mas o meu lado independente me diz que eu preciso travar essa guerra sozinha, governar o meu reino sozinha e que esse é o peso de ser uma grande mulher.

Sai de minha sala em direção ao grande salão, o almoço seria servido em breve e eu estava realmente faminta, pela manhã bem cedo, fui ao enterro dos soldados mortos na batalha dessa madrugada. Deidra estava triste e desapontada enquanto discursava sobre cada soldado, ela se sentia culpada pelas vidas perdidas.

" A missão de nossos soldados é manter um ao outro vivos, se não conseguimos fazer isso, significa que precisamos rever como lutamos e pelo quê lutamos, antes que o ódio e a sede de sangue inimigo nos consuma até a alma." 

Foi assim que ela terminou seu discurso de despedida, logo saiu da atenção de todos e foi se desculpar com as famílias e assumir a culpa pela morte de cada um, é o que ser uma Wanheda significa, assumir as mortes, sejam elas de inimigos ou aliados. Deidra garantiu as famílias que receberiam uma quantia em dinheiro para melhorar a vida e que os filhos dos homens mortos já tem vagas na guarda reluzente, se quiserem, após isso ela se retirou e eu não a vi pelo resto da manhã.

Normalmente eu iria atrás dela, sei bem onde ela está, mas eu creio que seja necessário para ela passar um tempo só depois de todos os acontecimentos da madrugada. Saí o mais rápido que pude do cemitério e voltei ao castelo, desde que enterrei meu irmão, não havia pisado naquele lugar, nem no enterro de Elsa, mas de onde eu estava era possível ver o mausoléu do meu irmão se erguer e o ouro brilhar sob o sol, Bjorn nunca gostou dessas coisas, sempre dizia que somente no cemitério é onde todas as desigualdades acabam, mas as pessoas deram um jeito de leva-la para lá também.

Túmulos enormes, feitos de mármore e ouro, diferenciavam os nobres do povo e Elsa havia feito questão de contruir um mausoléu que pudesse ser visto do ponto mais alto do castelo, de ouro, mármore e pedras preciosas, um desperdício de recursos, na minha opinião. Bjorn deve ter odiado. No entanto, nunca tive coragem de entrar lá e retirar seus ossos para enterrar no jardim, em baixo da cerejeira que plantamos, como ele sempre quis, mais um dia eu tomarei coragem, quando superar.

- Majestade. - Ezarel foi o primeiro a chegar no grande salão, se sentou ao meu lado.

- Olá, Ezarel. - Sorri para ele. A verdade é que Ezarel tem se tornado muito presente em minha vida desde que afastei Nevra. Ele conversa comigo sobre várias coisas e me faz companhia quase sempre.

- Como está se sentindo hoje?

- Estou triste pelos soldados que enterramos mais cedo.

- Eu não tive a chance de os conhecer, mas a comoção foi tão grande que imagino serem bons homens.

- Eram sim, todos eles são.

- Temos uma batalha a menos agora, acredite que pode, assim já vamos estar no meio do caminho.

- Sei que podemos vencer essas batalhas, e provavelmente vamos. Mas qual será o custo? Dez vidas já é muito caro. - Baixei minha cabeça e prendi a respiração. Saber que esses homens morreram para defender a mim e a meu reino me corrói por dentro, por que se eu não tivesse comprado briga eles estariam em casa com suas famílias.

- Amber. - Ezarel escorregou sua mão pela mesa e segurou a minha. - Sempre vamos ter baixas, é a sentença de toda guerra, mas se perdermos, as baixas serão maiores. Acredite em mim, nós temos que vencer. - Levantei minha cabeça e seus olhos estavam focados em mim.

- Você tem razão. - Tentei sorrir. - Vamos vencer essa guerra.

- Sim, nós vamos. - Ele sorriu de volta.

Nesse momento as portas do grande salão se abriram e Octavia entrou acompanhada de Nevra. Este focou seu olhar nas mãos de Ezarel que ainda não haviam soltado as minhas, ao perceber, o príncipe imediatamente soltou minha mão e se endireitou na cadeira.

- Boa tarde. - Octavia se sentou ao lado de Ezarel e lhe lançou um olhar fatal.

- Boa tarde. - Ele se limitou a responder.

Nevra sentou-se na outra ponta da mesa, em frente a mim. Não me olhou em mais nenhum momento, conversava com as pessoas e desviava sua vista de mim, eu apenas comi calada e me retirei assim que terminei. Essa tensão está me matando, a expectativa de todos está em mim e eu não sei se sou capaz de atender a esse nível de precisão. Estou com medo de desabar antes que o reino se finque novamente.

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