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Normalmente é comum ouvir das pessoas que ela teve chance de fugir. Eles dizem que poderia ter lutado mais, fugido para algum lugar, buscado por ajuda em alguma delegacia, gritado até que fosse ouvida. Sua amiga disse que era comum gritos antes de dormir, e que talvez o problema seja algo que estivesse fazendo. Atena acreditou que o erro vinha dela. Fazia sentido.

Sua mãe não havia sido boa. Ela gostava de cocaína, e muito sexo. As paredes finas faziam Atena ouvir os gemidos, e todos os pedidos obscenos. Contudo, nem sempre ela fora assim. Até os seis, Atena vivia com seus pais em uma casa comum no Canadá. Naquela época, sua mãe não havia descoberto a cocaína, porém se divertia com a nicotina durante o dia. Eles frequentavam a igreja todo domingo, e a pequena Atena ficava assustada com todos os sermões, sempre direcionados a mulheres.

Um dia, Atena não conseguiu dormir pensando nas palavras do padre. Ele havia dito que as mulheres sangravam e sofriam, porque cometeram um erro, e agora toda a humanidade padecia. Ela sentiu medo por todos, e nojo de si. Infelizmente, foi naquele dia que ela ouviu o choramingo da mãe. Com os pés descalços e suados, caminhou pelo corredor do segundo andar e desceu as escadas sem fazer barulho. Escondida na escuridão, viu pela primeira vez a mãe sendo espancada.

Foram seis anos de surra, até Tiffany pegar a filha e fugir.

Depois daquilo, nunca mais houve um momento de paz na vida de Atena. Ela via homens entrando e saindo de sua vida, gemidos no quarto ao lado, e então, sua mãe mudava de cidade apavorada. Elas estiveram em todos os estados do Canadá, e passaram uma temporada longa no Alaska. Atena não criou laços, não poderia.

Contudo, sempre retornavam para o ponto central do problema, Montreal.

A antiga casa em que viveu pertencia a outra família agora, porém sabia que seu pai ainda vivia no mesmo bairro. Sua mãe não gostava de pessoas, então morava em uma cabana entre árvores assustadoras e bastante neve.

Atena não amava aquela cidade. Ela sentia medo todos os dias. O sentimento de insegurança fez com que buscasse por aquilo em outra pessoa. Grande erro. Tentou inutilmente seguir o coração, mesmo que soubesse da dor. O grande amor de Atena era pura violência, ele derrubava os oponentes, usava os punhos com frequência e deslizava pelo gelo como um vingador. Naturalmente odiava violência, então afastou a necessidade de ser mais uma de suas vitimas.

A opção mais rápida para Atena foi Matheo. Ele era bom, gentil, e nunca viu sangue em suas mãos. Ela viu-se vivendo no apartamento de seu namorado, até se tornar real. Era uma construção simples, tendo paredes finas como do passado, armário de cozinha que precisava de concerto e televisão com muitos canais.

Nos primeiros meses foi fácil, tranquilo, suave. Até que um dia algo bom aconteceu. Ela estava grávida. Era o auge do inverno. Ninguém se arriscava a passear pelas ruas, pois sabia que seria um erro. Atena esperou que Matheo chegasse para contar a grande surpresa, mas ele não parecia feliz com a notícia.

Os gritos a assustaram, transbordaram o coração de medo, e as mãos de Matheo cobriram seu pescoço. As pessoas dizem que devemos lutar quando a violência começa, porém Atena viveu a base da violência, por isso a odiava. Naquela noite ele a empurrou para fora de casa, trancando a porta para que não voltasse. Ela tentou fazê-lo mudar de ideia, batendo na porta desesperada, mas não recebeu ajuda.

Para onde se vai quando se tem uma mãe viciada e um pai violento?

Atena saíra do prédio envergonhada, com receio que os vizinhos tivessem ouvido e pensassem o pior dela.

Andou pelas ruas cheias de neve, sem um casaco apropriado, chinelos e lágrimas congeladas no rosto. Ninguém a viu, pois todos se protegiam em suas casas. Estava sozinha mais uma vez, vitima da violência. Ela não saberia dizer por quanto tempo andou, mas seus pés estavam vermelhos e tremia involuntariamente. Contudo, algo a parou por um instante. Virou-se na direção dos gemidos de dor, e sentiu o coração esquentar.

Lance Stroll estava ajoelhado perto de um corpo, usando os punhos mais uma vez. Ele fazia com frequência no hockey. Tinha dias ruins em que o nariz dele sangrava, enquanto observava o oponente ser levado ao hospital.

O frio foi esquecido por Atena, por algo pior.

Ele levantou, limpando a mão suja de sangue no casaco do sujeito no chão. Ele tinha força suficiente para acabar com a vida dela, deixa-la em cacos. Um dia o ouviu rir da ironia de Atena e sua irmã, Persephone, carregarem nomes gregos. As duas eram diferentes o suficiente para ser uma piada, Atena jamais chegaria a um fio de cabelo de Percy Stroll. Apenas uma delas conhecia o fracasso.

Lance virou-se para ir embora, encontrando Atena. Ele não tentou esconder o que havia feito, mas passou a mão no rosto, tentando limpar o sangue. Talvez para o mundo fosse preciso ofuscar sua violência, mas todos em Montreal conheciam as histórias.

— Não é verão. – ele disse olhando ao redor.

Atena não lhe respondeu.

— Vou te levar para casa.

Ele bateu na porta por ela, sorriu para Matheo e comentou que só queria ajudar. Atena voltou para casa com os pés congelando.

Naquela noite, Matheo lhe fez acreditar que a gravidez era um risco. Pediu muitas desculpas, colocou a culpa nos problemas no trabalho, e prometeu nunca mais cometer aquele erro. Atena aceitou passar pelo procedimento perigoso, matando a vida dentro de si, porque Matheo achava certo. Ela passou a conhecer outro tipo de violência, uma mais mortal.

Um dia parou de trabalhar, porque Matheo não gostava dos homens que sorriam para ela. Alguns meses depois, levou um tapa por conversar com o vizinho. No outro mês disse que caiu no banheiro. Abafou o choro, porque Matheo odiava o som. Ela não gritava de volta. Não lutava. Apesar do silêncio, ainda havia mãos ao redor de seu pescoço. Ás vezes culpava Lance Stroll por ter a levado para casa naquela noite fria.

Em uma noite quis visitar Matheo, e o viu flertando com uma das garçonetes. Atena gritou pela primeira vez quando finalmente chegou do trabalho. Ele a espancou, ameaçando-a com uma faca no pescoço.

Entendeu porque a mãe fumava, e sua preferência por cocaína.

Atena continuou deitada no chão, sentindo dor a cada respiração. Esperou até que Matheo dormisse, para levantar e sair. Fez o que todos diziam ser o certo em anúncios. Pediu por ajuda e proteção.

Ela se escondeu em um lugar seguro, prometendo para si que jamais voltaria para o mundo. Não queria mais conhecer a violência, fosse ela assustadora como Matheo, ou quente como de Lance. 

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