Capítulo 2

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KIM BALDRICK

Meus pés estão me matando. O café hoje estava movimentado. Abro a porta de casa – ou melhor, a garagem que meu irmão e eu chamamos de casa agora – e acendo as luzes. Coloco as chaves na mesinha perto da entrada estranhando o silêncio. De primeiro momento pensei que Sean estivesse dormindo, mas então o som de papel amaçado sob meu pé ecoa pelo pequeno lugar e me abaixo para pegá-lo.

Solto um praguejo e tranco a porta antes de atravessar a rua correndo para a casa do senhor Malkin. Sean fala muito sobre ele desde que se encontraram a primeira vez depois que nos mudamos. Aparentemente o homem é um dos grandes heróis de Sean que, pode-se dizer, é um fanático de hóquei.

Toco a campainha e bato à porta, puxando as mangas do meu casaco fino na tentativa de me acalentar um pouco, me abraçando e me mexendo para espantar o frio. Com a demora, toco novamente e assopro entre meus dedos. Tudo o que quero no momento é fazer algo para Sean comer, colocá-lo na cama e tomar um banho antes de revisar as contas do mês.

A porta finalmente se abre e uma figura imponente toma o lugar da entrada. A casa está escura, salvo pelo brilho da televisão ligada em algum filme de ação. Eu não consigo ver bem o homem, mas ele me parece jovem, alto e muito atlético.

- Uh... O senhor Malkin está? Eu vim buscar o Sean. – Meu queixo treme um pouco pelo frio e minha voz não soou tão confiante quanto eu esperava. O outono em Montana pode ser cruel e nem estamos no inverno ainda.

- Você é a Kim? – A voz grossa e baixa flutua até mim.

- S-sim. O senhor Malkin está?

- Imagino que eu seja o senhor Malkin. – Posso ouvir o leve riso em sua voz quando ele abre espaço – Entre. Sean dormiu no sofá.

- Sinto muito por isso. Ele não deveria... – Balanço a cabeça em negação e o sigo para dentro – Eu pedi que ele ficasse em casa. A senhora Brown estava vigiando-o.

- A senhora Brown não é exatamente a melhor responsável do bairro. Talvez você queira saber disso.

Uma luz suave toma de conta da sala e finalmente consigo ver além das figuras enegrecidas. Sean está encolhido no sofá com uma manta o cobrindo, parece está em um sono profundo e relaxado. Dada a aparência confortável do sofá acolchoado, eu não o julgo. Com um pequeno sorriso, escovo seus cabelos rebeldes para longe do rosto. Precisam de um corte, mas não temos dinheiro para isso e preciso conseguir um tempo para aparar os fios.

A casa está bem aquecida e Sean parece tão familiarizado com o lugar. Meu irmão é tudo o que eu tenho e pensar no incômodo que causou ao senhor Malkin. Deus sabe por quanto tempo ele esteve aqui enquanto eu estava no trabalho. Conhecendo meu garoto, não duvido que ele veio mostrar seu kit de hóquei.

Precisei economizar por cinco meses inteiros para comprar os equipamentos. Estão longe de serem os mais caros ou de alta qualidade, mas será o suficiente para que ele comece os treinos em algum projeto local. Não temos dinheiro para mantê-lo nos treinos da escola, mas ele deseja tanto jogar...

- Sinto muito pelo incômodo. Poderia me desculpar com o senhor Malkin por mim?

- Eu sou Malkin e não sou um senhor. – O homem volta a falar e finalmente tirar os olhos do meu irmão para fitá-lo.

O homem tem cabelos curtos loiro-escuro, olhos azuis acinzentados, uma mandíbula forte e lábios carnudos. Seu nariz é um pouquinho torto, como se houvesse sido quebrado antes. Ele não é do estilo clássico de beleza, mas há algo no homem que prende a atenção e... Oh, não podemos esquecer, o senhor Malkin definitivamente não tem nada de senhor. O homem parece estar no auge da vida. Talvez na casa dos trinta ou algo próximo.

- Sinto muito por Sean tê-lo perturbado. – Acaricio o cabelo do meu irmão outra vez – Ele é um grande fã.

- Sim, pude perceber isso. – O homem sorriu. Maldição, ninguém deveria ter esse sorriso. Seu rosto pareceu se transformar, iluminar e sinto que eu não poderia soar mais clichê se tentasse – Seu irmão é um bom garoto. Ele está empolgado com o início dos treinos.

- Ainda não encontramos um lugar para ele treinar. – Forço um sorriso, não querendo me aprofundar no assunto – Obrigado por sua gentileza de ficar com o meu irmão, senhor Malkin. É hora de levá-lo para casa.

- Está frio lá fora e ele está dormindo. Deixe-o descansar.

- Sean precisa ir para casa. Ele tem aula amanhã e deve se preparar.

- Qual o seu horário de trabalho?

- Das nove às dez. Eu sei que parece muito, mas eu garanto que... – Tento me apressar em justificar nossa situação – Que... Eu não sou irresponsável. Eu cuido do meu irmão, eu apenas... Eu só... É complicado.

- Eu não estou julgando-a por trabalhar, Kim. Todos temos que pagar as contas. – Malkin lança um olhar carinhoso para o meu irmão, do tipo de quem se importa de verdade – Sean é muito sortudo por tê-la.

Foi algo simples de se dizer, bobo talvez, mas seu comentário aqueceu meu peito. É tão trabalhoso cuidar do meu irmão e nos manter sozinha que ter um pouco de reconhecimento é em bálsamo para minha alma aflita. Tenho me esforçado em manter tudo sozinha, em ser o sustento que o manterá firme. Posso ter apenas o diploma do ensino médio e nem de longe um glorioso histórico acadêmico, mas quero garantir que Sean conquiste tudo o que ele sonha. Não sei como farei, mas vou conseguir isso.

- Eu gostaria de poder ficar mais com ele, eu apenas... Não tenho tempo. Preciso trabalhar.

- Posso ficar com ele quando chegar da escola. Ele pode ficar aqui até você chegar do trabalho.

Desconfiança toma conta de mim. Em todos esses anos as pessoas não se incomodaram em nos ajudar e não gosto da ideia do meu irmão estando na casa de um estranho, não importa que seja o grande ídolo dele e o vizinho gato.

- Não sei se gosto dessa ideia, senhor Malkin. Eu não o conheço.

- Eu garanto que Sean estará seguro aqui e se a senhorita estiver mais confortável com a ideia, posso chamar uma babá para me ajudar com ele.

- Eu não posso pagar por uma babá, senhor Malkin. Por isso Sean estava sozinho hoje e eu pensei que ao menos a senhora Brown ficaria de olho.

- Tudo bem, eu posso pedir alguns favores e ter uma garota aqui para assegurar que tudo estará bem.

- Eu não sei...

- Estou apenas tentando ajudar. – Malkin ergue as mãos em sinal de rendição com aquele sorriso brilhante no rosto.

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