Decisões difíceis

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Eu larguei a faculdade por um tempo, mas pretendia já voltar a estudar em casa mesmo. Não tinha a mínima vontade de voltar para o campus, mas ao mesmo tempo, queria ocupar a minha cabeça. Então, pedi para a minha mãe me arrumar um emprego na editora da família. Eles sempre precisam de design, capista e etc. Era a oportunidade perfeita para me tirar da rotina e parar de pensar tanto assim no Rick.

Era de manhã, como sempre a minha família estava reunida na mesa para tomar o seu café. Embora o meu pai tenha se tornado um médico menos ocupado, ele fazia uma cirurgia ou outra e era dedicado aos seus alunos no hospital. Minha mãe continuava sendo a cabeça da editora e não abria mão da sua posição, ela poderia ficar em casa se quisesse, mas dizia que isso a tornaria infeliz e eu meio que concordo com ela.
Assim que cheguei, vi todos na mesa, tomando café e conversando:

- Resolveu se juntar a nós, princesa do castelo? - Meu pai me olhou sorridente, antes de levar uma xícara de café a boca.

- Você só está falando que eu sou uma princesa, porque você se acha o rei. - Sorri rapidamente, para manter o bom humor.

- E seu pai é sim, um verdadeiro rei. - Minha mãe e ele se olharam.

- Oi, Samuel. - Dei um beijo na testa dele antes de me sentar a mesa.

- Oi, Sol. - Ele respondeu com um sorriso genuíno no rosto.

- Eu não ganho um beijo, Sol? - Dolores cruzou os braços.

- Depois que você arrumar o seu quarto que está, francamente, uma zona. A Bah não tem mais idade para ficar lavando as suas calcinhas, Dolores. - Revirei os olhos.

- Obrigada pela consideração, Sol. - Bah me serviu uma xícara de café.

- Desde quando você ficou tão chata, Sol? - Dolores fez biquinho.

- Mãe, pai, eu quero falar um coisa pra vocês - Todos pararam de comer e me olharam - Eu quero adotar o Samuel.

- Minha filha, você tem certeza disso? - Minha mãe me perguntou de boca aberta.

- Sim, eu sei que não tenho uma casa e nem emprego. Mas eu pretendo trabalhar com você na editora e quem sabe, conseguir um apartamento só pra gente. - Olhei para o Samuel e ele sorriu pra mim. Aparentemente ele gostou da ideia.

- Você é tão jovem, Sol. Tem certeza que quer ser mãe assim tão cedo? É uma grande responsabilidade.

- Mãe, a senhora também era jovem quando me adotou. Claro, você tinha o meu pai para te ajudar e eu não tenho mais o... - Suspirei fundo - Eu devo isso a ele, pelo transtorno que eu causei na vida dele.

- Você está se culpando pela morte do Ricardo, Sol? - Meu pai ficou surpreso.

Eu fiquei em silêncio e abaixei a cabeça.

- Samuel, eu estou indo até a quadra de vôlei para fazer uma aula daquelas, quer ir comigo? - Benjamin interrompeu o silêncio.

- Sim. - Samuel respondeu.

- Querido, isso é uma boa ideia. - Minha mãe sorriu, disfarçando o desconforto.

- E eu mãe, vou fazer o que? - Dolores chamou a atenção.

- Você vai arrumar o seu quarto.

- Mas, mãe!

- Mas nada, Dolores! Vá! - Minha mãe a repreendeu e ela se levantou da mesa rapidamente.

Depois que todos saíram, só restou meu pai, minha mãe e eu.

- Sol, essa é uma decisão difícil que você está querendo tomar. Pense bem, seu pai e eu podemos adotar o Samuel, não é Isaac?

- Claro. Assim você vai poder terminar a faculdade sem pressa, arrumar um emprego e apartamento, bom, a gente dá um jeito.

- Eu não queria ter que depender da ajuda de vocês o resto da vida.

- Querida, ninguém cresce sem ajuda. Se eu não tivesse a ajuda do seu avô, do seu pai, eu não estaria aqui - Minha mãe se levantou, sentou do meu lado e pegou na minha mão - Vamos te ajudar em tudo o que for preciso, então não se preocupe. Vamos dar para o Samuel a mesma criação que damos aos gêmeos e demos a você.

- Havia distinção entre você e os gêmeos? - Meu pai me perguntou.

- Não.

- O Samuel já é da família. Quando você resolver toda a sua vida e ele quiser ficar com você, mandamos ele para morar com você. Mas concentre-se apenas em arrumar a sua vida e cuidar da sua saúde mental, primeiramente. - Minha mãe me abraçou após isso. Eu decidi deixar eles fazerem o que estavam propondo, já que eu não tinha cabeça para nada, naquele momento.

Mas tarde, naquele mesmo dia, fui buscar minhas coisas que ficaram no campus. Foi muito doloroso passar mais de duas horas na estrada, para voltar a um lugar que me lembrava ele. Cada corredor, cada sala, meu dormitório e o refeitório, onde o reencontrei depois de tantos anos. Assim que cheguei, já estava de noite. Entrei, respirei fundo e mantive a minha cabeça erguida, enquanto passava pelos corredores. Na área de dormitórios, havia algumas meninas passando, elas me olharam e cochicharam entre si, mas ninguém veio falar nada e eu agradeço a Deus por isso.
Entrei no dormitório, Brenda e Duda estavam lá, ambas ficaram de olhos arregalados quando me viram.

- Sol? Você por aqui? - Brenda chegou mais perto.

- Não se preocupem, eu já estou indo embora. -  Abri os armários e comecei a colocar todas as minhas coisas dentro de uma mala de mão.

- Você vai embora? Como vai ficar os seus estudos? - Duda também se aproximou.

- Eu vou dar um jeito de estudar em casa e me virar. Não quero dar as caras nessa faculdade nunca mais.

- Você vai abandonar tudo? - Duda ficou inconformada.

- Você quer que eu faça o que? Fique aqui aguentando a cara de pena das pessoas? Olhando cada canto desse lugar e lembrar dele? Passar perto daquela academia e saber que naquela calçada, o sangue dele foi derramado? Olhar para o desgraçado do Lorenzo e fingir saber de coisas que eu não sei? - Eu surtei e disse essas palavras voz alta.

- Então é mesmo verdade, o Lorenzo é o seu pai? - Brenda tocou no meu ombro e fez uma cara de pena.

- Está todo mundo sabendo, não é? Por causa da confusão na biblioteca - Suspirei fundo - Mais um motivo para não querer estar aqui.

- Por que você não nos disse que ele é o seu pai? - Brenda indagou.

- Eu precisava dizer? Ia mudar alguma coisa na vida de vocês? - Ambas abaixaram a cabeça e ficaram em silêncio, enquanto eu continuava a guardar as coisas - Eu estou cansada dessa faculdade, dessa vida, dessas pessoas e estou a ponto de mandar tudo para os ares! - Bati a porta do armário com força.

- Sol, tudo bem, desabafa. - Brenda pegou na minha mão e segurou com força.

- Eu não posso chorar em casa porque o Samuel está o tempo todo comigo. Meus pais tentam me ajudar, mas sempre acabam me deixando pior. E todos os dias eu tenho que aguentar essa dor, essa maldita dor. Tiraram ele de mim e eu não sei mais o que fazer. - Me escorei no armário e me sentei no chão, perdi as forças e chorei mais do que no dia em que enterram o Rick.

As duas me abraçaram e choraram comigo, nunca pensei que isso um dia ia acontecer. As duas sempre faziam piadas, riam e se divertiam e agora, estão em prantos, bem do meu lado. Se um dia eu duvidei da amizade das duas, foi nesse momento que eu percebi que eu estava completamente enganada.

(Continua)

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