Ficamos um tempo em silêncio, enquanto a água corria em nossos corpos. Rick já estava mais calmo, porém, ainda em choque. Me levantei e desliguei o chuveiro, ele me encarou com os olhos ainda vermelhos e inchados.
- Eu já volto. Tenta se secar, tá bem? - sai do banheiro, me sequei com uma toalha, vesti um vestido qualquer e sai do quarto.
Eu precisava de algo que coubesse no Rick, então fui no "achados e perdidos" da faculdade e encontrei uma bermuda cotton preta e uma camiseta ridícula, tinha listras e sinceramente, eu não usaria aquilo nem como pano de chão, mas era isso ou o Rick ficava pelado. Depois que sai de lá, fui direto para o refeitório do campus, pedi duas sopas e avisei que iria voltar para buscá-las. Voltei para o dormitório, entrei no banheiro e vi o Rick sentado no vaso sanitário, de cabeça baixa e sem reação.
- Rick? - ele me olhou de cima a baixo e desviou o olhar - Eu peguei isso no achados e perdidos. Eu sei que são horríveis, mas é o que eu encontrei. - coloquei as roupas em cima da pia, sai do banheiro e fiquei esperando ele sair.
Para a minha infelicidade, se passou dez minutos e ele ainda não havia saído. Eu fiquei preocupada, mas resolvi ir buscar as sopas. Sai novamente do dormitório e segui para o refeitório, Michel estava lá comprando comida.
- Está linda, nunca te vi de vestido antes. - ele sorriu.
- Me poupe, Michel. - revirei os olhos e peguei as duas marmitas de sopa.
- Espera! Olha, eu quero que você me dê permissão para fazer uma exposição com as suas fotos.
- Exposição? Ficou maluco?
- São lindas e foi o melhor trabalho que eu já fiz. Depois de te fotografar, eu comecei a ver o mundo de uma maneira diferente. Acho que vou até mudar de curso, o que você acha de fotografia? - ele estava realmente empolgado.
- Eu não tenho tempo para conversar com um maluco e sobre as fotos, se me expor eu arranco fora as suas duas bolas! - o ameacei.
- Caraca, você é maluca mesmo. - Michel riu.
Eu resolvi sair dali antes de jogar "acidentalmente" a sopa quente na cara dele. Quando retornei ao quarto, Rick estava vestido com as roupas que eu deixei lá, de pé e olhando para fora, através do vidro embaçado da janela.
- Rick eu trouxe comida. - forcei um sorriso - Se você quiser que eu traga outra coisa, eu...
- Você já perdeu alguém que tanto amava? - Rick me encarou com os seus olhos verdes.
- Olha, Rick... Eu... - refleti um pouco - Quando o meu pai foi preso, eu achava que ele já estava morto. Ninguém me contou que ele só estava preso, aliás, ninguém conta para uma criança que o seu próprio pai foi preso por roubo a mão armada. Só depois que eu fui pro orfanato que a psicóloga me contou. Eu senti a dor de ter perdido o meu pai, embora ele sendo um ladrão, drogado e inconsequente, eu o amava muito.
* Rick ouviu tudo e prestou atenção em cada palavra que eu disse.
- Eu cresci em uma família que sempre tenta superar as coisa ruins da vida com uma piada, uma boa comida e com muito amor. A Sara, minha mãe, já passou por muita coisa. Dentre elas, a desgraça de cruzar com um psicopata, mas ela superou tudo e isso me dá forças para lutar, superar as dificuldades e sorrir - Fui andando em direção ao Rick - Você perdeu a pessoa que você mais amava no mundo, eu sei que dói, mas se depender de mim, Solange Campos, eu vou fazer de tudo para te ajudar a se reerguer.
- Por que você está fazendo isso? Eu não sou digno. - Rick abaixou a cabeça.
- E qual ser humano que é digno de alguma coisa, Rick? Deus nos deu esse mundo perfeito, nos deu a vida e a oportunidade de passar o nosso tempo com as pessoas que mais amamos. E o que nós damos em troca? - esfreguei a testa - Não, Rick, não estou me comparando ao todo poderoso lá em cima, só quero que você entenda que você é um ser humano horrível, desprezível mesmo, mas eu estou aqui pra te ajudar, mesmo que você não mereça - ri.
*Por incrível que pareça, consegui tirar um micro sorriso do rosto dele.
- A sopa do refeitório não é das melhores, mas ajuda a fortalecer a nossa alma. - coloquei as marmitas na escrivaninha.
- De onde você tirou essas palavras? De algum comercial de tv? - Rick sorriu.
- Eu tenho estudado muito sobre publicidade. - sorri de volta.
Nós comemos e fomos conversando sobre a vida. Lembramos de um episódio do nosso passado que nos fez rir....
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*Flashback
Era aula de educação física no orfanato. Os meninos estavam jogando futebol, as meninas pulavam amarelinha. Eu estava quase chegando ao céu, quando ouvi alguém gritar:
- Ei, Joaninha fedida! Pensa rápido!
* Quando me virei, uma bola de futebol bateu no meio da minha fuça.
Eu tive vontade de chorar, mas eu aguentei firme. O Rick chegou perto do menino que tacou a bola em mim e disse:
- Ai, qual é a sua?
- Que foi, Rick? - o menino respondeu sem entender.
- Sou eu quem zoa com ela! - Rick empurrou o garoto.
- Vai cagar! - o garoto virou as costas e saiu.
*Uma coleguinha que também estava na brincadeira de amarelinha se aproximou de mim.
- Sol? Você está bem? Está doendo muito?
- Não, eu tô bem. - esfreguei o rosto.
- Joaninha, você está viva? - Rick tentou chegar perto de mim.
- Não chega perto de mim, seu moleque imbecil! - gritei.
- Calma ai, Joaninha. Não se mexe, tem uma abelha no seu cabelo! - Rick apontou.
* Eu surtei, sai correndo pela quadra e batendo as mãos na cabeça.
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- Sabe o que eu acho, Rick? Que você tinha algum sentimento por mim, desde aquela época. - o provoquei.
- Você está errada, totalmente errada. - ele disfarçou.
- Por que você empurrou o garoto?
- Sou eu quem zoa com você, Joaninha. Eu posso te zuar, te irritar e até te constranger, mas eu jamais te machucaria.
Essas palavras me deixaram de boca aberta e me fez duvidar de muita coisa.
- Você jamais me machucaria? Essa palavra, jamais, é uma palavra que nunca deveria ser dita por um mero mortal. - me deitei na cama e me virei de costas - Se quiser descansar, a beliche de cima está vaga.
* Senti o corpo do Rick se encostar em mim. Ele havia se deitado do meu lado, ficamos de conchinha.
- Você dúvida do meu jamais? - Rick disse baixinho em meu ouvido.
- Meu pai disse que jamais me abandonaria e me abandonou. - fechei os olhos - Você disse que jamais me machucaria, seria quase que uma mentira e eu não gosto disso.
- Eu também não gosto, Sol. - Rick disse bem baixinho, sua voz mal saiu de sua garganta - Ela também disse que jamais me abandonaria, hoje eu estou sem ela, sem perspectiva de vida e sem senso de direção. Eu fazia tudo por ela e agora, por quem eu vou fazer?
* Me virei para olhar pra ele.
- Faça por você mesmo. Seja o homem que você prometeu que seria, de algum lugar ela vai estar olhando e vendo se você cumpriu com a sua promessa. - Toquei no rosto dele e acariciei sua barba.
- Não sei se eu sou capaz de ver as coisas desse jeito. - Rick não parava de olhar para o meu rosto.
- Amanhã você vê isso - fechei os meus olhos - Dorme, Rick.
Fiquei acariciando o rosto dele e acabei pegando no sono.
(Continua)
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PAIXÃO INDOMÁVEL 🔥
RomansSINOPSE: Solange Campos é uma garota de 19 anos que está cursando desing gráfico em uma das faculdades mais renomadas do país. Sol foi adotada por uma família rica após passar anos em um orfanato, mas isso não a livrou dos perrengues de ser uma calo...