No dia em que decidiu passar o resto da vida ao lado de Júlio, Leandro estava tão feliz. Recebia do marido um olhar tão terno e amoroso, que amou sentir a sensação de segurança e conforto que aquele olhar o proporcionava, acreditando que era um bem aventurado por saber que em todos os dias da sua vida receberia aquele olhar reconfortante.
O que ele não imaginava é que toda aquela sensação de segurança, afeto e amor anos depois se transformaria num pavor aterrorizante. Ver Júlio caminhando em sua direção, olhando-o com fúria, franzido o cenho, como uma fera presta a devora-lo, o fez sentir as pernas bambas e as batidas do coração dispararem disritmadas. Sentiu-se paralisado e uma torturante sensação de fim cada vez que os passos brutos de Júlio se aproximavam dele.
No entanto, Júlio desviou da sua direção, indo direto para a livraria. Ele estava totalmente imerso ao ódio, que nada via ao seu redor, as imagens não eram nítidas, tudo era como borrões insignificantes. O seu foco era Abner, o homem que ele julgava ter roubado o que jamais se conformou em perder: Leandro.
Em fração de segundo, Júlio estava dentro da livraria e o seu punho fechado atingia o rosto de Abner com tanta força, que o fez cair ao chão.
Do lado de fora, Leandro temia pela vida do ex amante, e sem pensar, correu para dentro da livraria gritando pelo nome de Júlio. Vanessa fez o mesmo.
Patrícia saia da confeitaria com o pacote de açúcar na mão. Ela desconhecia o que estava acontecendo dentro da livraria, mas ao ouvir o patrão chamando por Júlio, chegou a conclusão que algo ruim estava preste a acontecer. E também correu para lá.
Ao entrar, Patrícia se assustou com a cena de violência que presenciava. Os dois homens trocavam socos e os seus rostos sangravam.
Leandro tentou apartar a briga, pondo-se como obstáculo entre os dois.
Patrícia tentou segurar Abner, mas não tinha força física o suficiente para isso.
O clima era de tensão. Os corações batendo aflitos e acelerados, gritos de trocas injúrias pelos rivais e pedidos de ajuda de Patrícia. Estantes indo ao chão, devido ao impacto dos corpos dos homens que se devoravam numa violência feroz.
Júlio puxou Abner pelos cabelos e acertava a sua cabeça pelos corredores das estantes. Em uma das pancadas, Abner aproveitou para tomar posse de um livro de capa dura. Em seguida, Júlio sentiu um forte chute entre as suas pernas que o fez perder as forças, interrompendo as agressões ao rival, o que Abner viu como uma oportunidade para dar, com força, por muitas vezes, com o livro no rosto machucado de Júlio, despejando naqueles golpes todo o ódio que sentia.
_ Solte o meu pai, seu filho da puta!_ ao terminar de gritar essas palavras, Vanessa partiu em direção a Abner, mas foi detida por Leandro, que a segurou pela cintura e a levou para fora da loja, temendo que a filha fosse atingida por algum golpe.
_ Você fique aqui!_ Leandro ordenou nervoso, com a voz rouca e trêmula.
Ele voltou correndo para a livraria, segurou Abner envolvendo os seus braços nas axilas do jovem, o arrastando para trás, para que se afastasse de Júlio, que estava caído no chão.
_ Seu merdaaaaaaaa! Lixo, desgraçado!_ gritou Júlio, se levantando e partindo em direção a Abner com o punho cerrado, mirando em direção ao rosto do rival._ Você não tinha o direito de se aproximar da minha família! Não deveria ter tocado no meu marido! Você vai se afastar dele!
Antes que Júlio se aproximasse, mesmo com os braços presos por Leandro, Abner levantou uma das pernas e chutou o peito de Júlio.
_ Eu não vou me afastar de ninguém, mau caráter! Você fala como se o Leandro fosse uma da suas propriedades! Ele não é! Você não teve competência para manter o seu casamento, então aceite que já acabou!
_ Não acabou não! Nunca vai acabar! Você vai pagar por tudo que me fez, seu michezinho de bosta! Vai se arrepender do dia que me conheceu.
_ Disso já estou mais do que arrependimento. Você acabou com a minha vida.
_ Isso não foi nada. Não sabe o que te espera.
_ Vai me matar, covarde? Porque você só é homem com uma arma na mão.
_ Eu vou te dar algo muito pior do que a morte.
_ Já chega vocês dois!_ Gritou Leandro arrastando Abner para fora da livraria, o atirou ao chão. Apavorado, a imagem de Abner recebendo um tiro de Júlio o atormentava e temia que aquilo pudesse acontecer novamente. Trancou a porta da livraria, para impedir que Abner entrasse.
Abner temeu deixar Leandro sozinho com Júlio na loja trancada. Tentava arrombar a porta com chutes, mas foi segurado por um dos homens que foram acionados por Patricia.
Em meio as brigas, a mulher saiu correndo para fora da livraria, gritando por ajuda.
_ Me solta! Eu não vou deixar o Leandro sozinho com aquele monstro.
Temeroso, Leandro arrastou o sofá em direção a porta, para servir como barreira, impedindo a entrada.
Ele e Júlio trocavam olhares distintos. Enquanto Leandro olhava temeroso, quase implorando para que aquela situação chegasse ao fim, Júlio o olhava com ódio. Tinhas os olhos avermelhados e úmidos, pupilas dilatadas, as veias pareciam que saltariam do pescoço e o peito subia e descia numa respiração ofegante.
_ Júlio, pelo amor de Deus, me deixe em paz! É só isso que te peço, por favor! Você já está namorando.
_ Mas é você quem eu amooooo!_ Júlio gritou com uma voz estrondosa e rouca, como se da sua garganta emitisse o som do inferno.
_ Isso não é amor! Você tá doente!
_ Não é amor? Você vai mesmo me dizer que não é amor? Você não tem noção de tudo que passei e ainda passo por amor a você. Eu estou sendo atormentado por pessoas que tive que me envolver, porque você chorava por causa do fato de o seu papai não aprovava o nosso casamento! Ou você acha que eles nos deixaram em paz só por vontade própria? Eu pouco me fodia para a opinião deles, mas você sempre me atormentou com as suas lamúrias! Tudo o que está acontecendo é culpa sua! Eu sempre fiz tudo por você! Eu suportei aquele velho desgraçado do Procópio para poder sustentar o playboyzinho mimado, eu batalhei para ter tudo o que tenho para te dar o melhor! E como você me agradece? Me abandona! Me troca por um Zé ninguém qualquer! Eu sujei as minhas mãos de sangue por sua causa! Eu me afoguei num monte de merdas por sua causa!
_ Eu nunca te pedi nada disso._ Leandro disse com calma. Estava tão triste, que não conseguia deter as lágrimas._ Eu nunca quis o seu dinheiro. Você nunca pensou no meu bem, só o enriqueceu para usar o seu dinheiro para me fazer o seu refém. Você sempre me machucou, enquanto me fazia acreditar que estava me acariciando. Enúmeras vezes, me fez duvidar da minha própria sanidade mental...como isso dói, Júlio! Dói pra caralho!
Leandro apoiou as mãos no balcão, tentando recuperar o fôlego e desabava em lágrimas, ignorando os gritos que vinham de fora.
_ Eu não sei o que você quer dizer com "sujou as mãos de sangue por mim"...e tenho medo de saber. Mas eu nunca te pedi isso...eu nunca quis isso...eu só queria que você me amasse como eu te amei...eu só queria que você me respeitasse...
_ Mas eu te amo, porra! Te amo muito. E não me arrependo de nada do que fiz. Faria tudo novamente. Eu te amo.
_ Mas eu não te amo! Eu não te amo! Aceite isso de uma vez por todas!_ Leandro gritou.
_ Pai, pelo amor de deus! Abra essa porta! Abra._ implorava Vanessa, batendo no vidro da porta.
_ Olha o que você fez, Júlio. Eu não quero que a Vanessa passe por isso. Isso é muito doloroso pra ela!
_ Você não está preocupado com a Vanessa, Leandro. Se estivesse, não teria colocado aquele merda aqui dentro.
_ Eu não estou preocupado com a Vanessa?_ Leandro gritou revoltado._ Como se atreve a dizer isso? É com ela que me preocupo! Sempre me preocupei!
_ Veja a forma como a Vanessa está agindo desde que você saiu de casa. Mas é claro, pra que vai se preocupar com a sua filha, se a sua vida sexual vem em primeiro lugar? Afinal a sua família estava te atrapalhando de trepar com aquele imundo do Abner. Você é um egoísta, Leandro!
_ Por que você é tão cruel, Júlio? É por isso que eu deixei te amar!
_ Não. Você não deixou de amar! Sabe por quê? Porque você não é nada sem mim.
_ Mentira! Eu não vou mais acreditar nisso! Eu tenho competência sim! Eu conquistei muitas coisas.
Júlio soltou uma gargalhada irônica.
_ Você conquistou? Você conquistou o quê? Leandro, você saiu da minha casa para se encostar nas costas da Valéria, nem se importou de ser um peso pra ela. Depois, quis pagar de fodão independente comprando um apartamento com o dinheiro da venda de um dos carros que eu comprei pra você, ou seja, com o meu dinheiro. E esta merda de livraria? Você não conquistou nada! Ganhou de presente do Papai, que adquiriu dinheiro trabalhando pra mim! Percebeu que sem mim, você não teria nada? Você é só um peso pra as pessoas, meu amor. Foi um peso pra Valéria, apesar de ter trinta e dois anos depende do dinheiro de papai, mamãe e do marido.
"Aceite a sua posição de incompetência natural, você não tem direito ao orgulho. Coisa que nem o seu pai sente por você. Agradeça por ter a mim, para te garantir sobrevivência. Eu deveria abrir mão de você diante de tanta ingratidão, mas como eu te amo, apesar de tudo, sempre vou estar disposto a pôr o mundo sob os seus pés. Só quero que seja grato e se comporte com lealdade e obediência... você não passa de uma criança burra e vulnerável, que precisa muito de um protetor."
Cada palavra dita por Júlio atingia como lâminas, dilacerando a sua alma. Sentia-se pequeno, inútil e desesperado. Não tinha mais forças para dizer nada. Apenas chorava, sentindo a angústia mastigar o seu coração.
Júlio afastou o sofá da porta e saiu.
Vanessa entrou na livraria e correu para abraça-lo. Ao ser tomado pelos braços da filha, Leandro perdeu as forças e desabou no chão, arrastando Vanessa junto.
Permaneceram abraçados, ele a apertava, chorando alto.
_ Calma, pai! Calma! O que aconteceu?
Leandro estava em choque, não conseguia emitir um som que não fosse o choro.
_ Maldito! Olha o que esse cara causou._ Vanessa dizia, se referindo a Abner.
Patrícia se compadeceu do amigo. Relembrou as inúmeras vezes em que o viu naquele estado por culpa de Júlio e sentiu muita raiva.
_ A culpa é toda daquele demônio do Júlio! Ele não tinha nada que fazer aqui.
Ela correu para pegar um copo com água com açúcar para dar ao amigo.
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O outro
RomanceJúlio e Leandro formam um belo casal de classe média alta. Casados há 10 anos, eles aparentam ter uma vida perfeita. No entanto, quando não estão diante dos famaliares e amigos as suas vidas são completamente diferentes do que demonstram. Quando Ab...