A hora da verdade

97 11 2
                                    

Luciano é um rapaz alto, ombros largos, porém relaxados. O corpo era sexy, com músculos bem definidos, mas não exagerados como os outros rapazes da mesma academia que ele frequentava. A pele bronzeada realçava os seus olhos cor de mel e a sua boca carnuda e avermelhada.
Os cabelos escuros e curtos estavam muito bem alinhados com gel. Vestia um terno azul escuro e uma gravata de mesma cor.
Admirava-se no espelho do elevador, se sentindo elegante como os advogados da firma. Luciano não estava habituado a se vestir daquele jeito, mas adorava se admirar tendo naquele espelho como o lago de Narciso.
Saiu do elevador com uma expressão serena. Era o seu primeiro emprego e os seus vinte e quatro anos não o permitiam não se sentir tenso toda vez que era requisitado a executar uma tarefa.
Caminhou pelo corredor tentando forjar tranquilidade.
Tocou a campanhia.
Pelo olho mágico, Abner avistou um jovem homem vestido de terno e gravata portando uma maleta preta de couro.
Estranhou o porteiro não ter anunciado a chegada do rapaz. Teve medo, já que há quatro dias recebeu alta da sua internação de um mês do hospital. Ainda estava abatido e com olheiras. Perdeu alguns quilos, deixando os ossos da face salientes.
Os cabelos optou por cortar, quando foi fazer a barba e o bigode. Depois daqueles dias turbulentos de recuperação, o que mais queria era praticidade.
_ Quem?_perguntou assustado. Não estava disposto a abrir a porta. Ainda temia pela sua vida. Ele viu, há dois dias, no noticiário que Júlio havia saído da prisão, que responderia em liberdade  o processo por tentativa de homicidio.
_ Boa tarde, senhor Abner. Eu me chamo Luciano Neto, sou um representante do escritório de advocacia Vanessa Medeiros.
_ Vá embora! Antes que eu chame a polícia.
_ Por acaso é crime trazer um comunicado, senhor? Mas, se o senhor quiser incomodar os policiais tudo bem. Eu não me oponho.
_ Ele te mandou aqui para me matar?
Luciano deu um sorriso no canto da boca e respondeu:
_ Eu tenho cara de assassino?
_ Tem.
Luciano não esperava essa resposta.
_ Eu só vim fazer o meu trabalho de trazer um comunicado do escritório.
_ O que você tem dentro dessa mala?
_ Ah! Quer que eu abra para o senhor se certificar que não é uma arma?
_ Claro.
O jovem abriu a mala mostrando pelo olho mágico o conteúdo interno. Havia um tablet e alguns papéis.
_ Agora retire o paletó e gire.
Luciano obedeceu. Estava começando a deixar de achar graça daquela situação.
_ Agora posso entrar?
Abner foi para o quarto, retornando com um revólver escondido no cós da calça, e coberto com o casaco de moletom amarelo. Abriu a porta, sinalizando com a cabeça a autorização para Luciano entrar.
O rapaz já foi logo se sentando, sem perguntar se podia, pôs a maleta no colo e a abriu.
Abner sentou na poltrona em frente, com um olhar desconfiado.
_ Você é um advogado?
_ Não. Eu sou o novo assistente do doutor Júlio Medeiros.
_ Ah, é o novo secretário. Substituto da vaca do Lorena. O que você quer?
_ Eu vim anunciar que o meu patrão está requerendo o imóvel. Nós temos uma autorização para pedir que se retire do imóvel o mais depressa possível...e deixe a mobília dentro, como o senhor recebeu._ Luciano disse o entregando um documento.
Abner deu um sorrisinho debochado.
_Agora o traste quer que eu saia do meu apartamento? Nunca! Ouviu bem?
_ Se me permite fazer uma pequena correção, o apartamento não pertence ao senhor.
_ Ah, não?_Abner perguntou com ironia, cruzando os braços._ O Júlio comprou para mim. Me deu de papel passado. Ninguém mandou ele ser otário. Perdeu.
Luciano achou sorriso de Abner era de uma ironia irritante.
_ Bom, eu vou informá-lo que corre um processo judicial contra o senhor, requerendo os alugueis nunca pagos pelo imóvel, que pertence a senhorita Vanessa Medeiros Toledo, que é uma menor de idade e está sob a tutela de seu pai, o doutor Júlio Medeiros Garcia. Logo, ele é o responsável pelo imóvel, respondendo pela menor.
_ Você acha que eu sou otário? Eu tenho a escritura deste apartamento em meu nome. Posso provar que essa bodega é minha. Se a intenção do Júlio foi me assustar, falhou com sucesso.
Luciano retirou o tablet da maleta e fez uma chamada de vídeo. Virou o aparelho em direção a Abner, que ficou assustado ao ver Júlio do outro lado da tela.
Diferente dele, Júlio não parecia nada abatido. Estava mais corado, pele fresca, olhar brilhante e um sorriso largo. Estava em seu escritório de casa. Por trás, era possível ver pela parede de vidro o mar azul do Leblon. Estava sentado com as pernas cruzadas e as pontas dos dedos apoiando a cabeça, inclinada para o lado. Tinha em mãos, um copo de whisky.
_ Olá, talarico! Como tem passado depois de ver a morte de perto?
_ Que palhaçada é essa?
_ Nós precisávamos conversar, aí como tenho uma ordem de restrição para me manter a 500 metros de distancia, resolvi fazer essa ligação para esclarecer algumas coisinhas.
_ Que advogadozinho de merda você é. A restrição também vale para ligações e mensagens, você está violando uma ordem judicial.
_ Ah, é? E vai fazer o quê? Me denunciar? Nossa! Eu vou ser preso!_ Júlio sorriu._ O negócio é o seguinte, desgraçado. Você tem  uns dois dias para sair do apartamento da minha filha. Isso eu tô sendo bonzinho. Mas se você quiser esperar o oficial de justiça bater aí como uma ordem de despejo, aí é contigo.
_ Você me deu este apartamento. Inclusive me entregou a escritura.
Júlio ergueu a cabeça para cima, gargalhando.
_ Aquele documento fake? O que você tem de gostoso, tem de burrinho...e de filho da puta também.
_ Falso?
_ Sim. Tão falso, quanto você. Luciano.
_ Pois não, doutor.
_ Mostre a ele o nosso contrato de aluguel.
Luciano retirou o documento da maleta e entregou a Abner, que leu estupefato.
_Você me deve meses de aluguel no valor de quatro mil reais mensais. Como nunca me pagou, terá que fazer isso quando for condenado. Vou mover os meus pauzinhos para agilizar a audiência. Não teve jeito, seu merda! Vai ter que me devolver todo o dinheiro que me roubou.
_ Eu não roubei porra nenhuma! Você me comprou! E outra, eu não assinei essa merda!
_ Assinou sim. Aí está a sua assinatura autêntica e com testemunhas.
_ Isso é falsificado!
_ Não reconhece o seu próprio garrancho?
_ Eu reconheço que é uma letra muito parecida com a minha, mas não é. Eu não me lembro de ter assinado.
_ Você assinou sim, coisa rica. Ambicioso como sempre, assinou em meio há muitos papéis. Lembra quando eu te dei alguns presentinhos e te pedia para assinar algumas coisinhas? O contrato foi no meio.
_ Filho da puta!
_ Não. A minha mãe não era a sua colega de profissão. Ela optou por ganhar a vida com meios honestos. Você poderia ter tido uma vida maravilhosa, Abner. Podia ter se dado bem até eu me cansar de você e te dispensar. Coisa que não ia demorar para acontecer, pois você estava perdendo a graça. Mas, não, foi querer meter o pau no que era meu!
"Eu lamento muito que você não morreu naquele dia. Bem que tia Dirce sempre diz que vaso ruim não quebra. Mas o que você me fez não vai ficar barato. Agora saia do meu apartamento."
_ Iiiih que chato! Eu saio deste moquifo hoje mesmo. Enfia está merda no seu cu. E nem venha me dizer que eu coloquei o pau no que era seu, porque o Leandro não é propriedade de ninguém. Eu não tenho culpa se você não teve competência para segurar o seu marido. Eu só dei a ele o que você não foi capaz de dar: tesão.
_ Isso é só o começo, Abner. Só o começo._ Júlio encerrou a chamada de vídeo sorrindo.
_ Então, senhor Abner, eu já vou indo. Obrigado por me receber. O senhor deve deixar as chaves na portaria. Dentro de dois dias o doutor Júlio virá para requerer o imóvel. E já aviso que não deve retirar nada daqui, a não ser os seus objetos pessoais.
Luciano ajeitou tudo na maleta, levantou e caminhou em direção á porta.
_ Você tá dando pra ele né?
Luciano parou e virou para trás. Viu que Abner continuava com o sorriso que lhe dava nos nervos.
_ Desde que entrou aqui todo tenso e vestido como um advogadozinho logo percebi que é uma passiva enrustida, que por sentar na pica do chefe, se acha importante.
_ Eu nem vou me dá o trabalho de descer o mesmo nível que você.
_ Você já desceu quando começou a foder com o seu patrão. Na certa, é pobre e está deslumbrado por se deitar com um ricasso mais velho. Júlio é bom de cama e de lábia também. Deve estar te iludindo, dizendo que te ama, que você é único...se duvidar deve estar fazendo várias promessas como fez comigo.
"Só te digo uma coisa: ele vai te usar até se cansar e depois vai te descartar como uma camisinha usada. Ele não tem responsabilidade afetiva com ninguém. Só pensa em satisfazer o próprio pau."
_ Ridículo.
_ Ele gosta que senta por cima. Fica doidinho. Aproveita enquanto pode_ Abner sorriu piscando o olho.
Luciano saiu batendo a porta.
_ Bicha abusada! _ disse Luciano com ar de nojo. Entrou no elevador.

O outro Onde histórias criam vida. Descubra agora