Feliz Páscoa

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Era o seu primeiro dia de trabalho como assistente de Valéria. Leandro pode retornar a usar a mesa que havia sido dele outrora.
Antes de começar o expediente, estava tenso e envergonhado pensando que os colegas lembrariam do vexame que Vanessa deu na última vez que esteve lá. Não comentou com Valéria sobre o seu receio. Sabia que a amiga diria que era bobagem da cabeça dele.
Reagiu com um sorriso ao ser recebido com flores na mesa e uma faixa de boas vindas. Os colegas o recebeu com um abraço e palavras gentis.
Valéria havia encomendado um kit festa com torta de chocolate, salgadinhos sortidos, brigadeiros e refrigerante.
Leandro não era um desconhecido na empresa. Por anos, frequentou o local como amigo da patroa e sempre foi muito gentil com todos, o que o fez conquistar a simpatia dos funcionários.
_ Leandro, você já conhece a minha secretária e braço direito Roberta. Então, ela vai te dá uma luz nos primeiros dias do que você deve fazer. Depois é contigo, porque a Ro é tão atarefada quanto eu.
_ Pode deixar, Roberta. Prometo ser um bom aprendiz e não tomar o seu tempo.
_ Imagina, Leandro. Será um prazer te ajudar.

Aos poucos, Leandro foi se habituando a uma rotina de trabalho. O despertador foi um grande aliado na sua organização. A cada hora que tinha algo a fazer, o alarme não o deixava esquecer.
Os primeiros dias foram cansativos. Apesar do trabalho não ser braçal, o seu corpo não estava acostumado a passar tantas horas sentado na frente de um computador. Chegava em casa morto, buscando banho, comida e cama.
No entanto, ao passar dos dias, foi se adaptando como tudo na vida.
A convivência com novas pessoas o fez um pouco bem. No momento em que estava com os colegas tomando a cerveja do fim do expediente, num bar próximo, conseguia esquecer um pouco dos seus problemas e interagir com as pessoas, ouvir suas histórias, rir de suas piadas e respirar novos ares.
As sextas-feiras Valéria o arrastava para um bar com karaokê. Depois de algumas bebidas, perdia a timidez e cantava junto com os amigos gargalhando, sem se importar que não tinha dom para o canto.
De tanto Júlio e Abner insistirem em liga-lo, trocou o chip do celular para não precisar manter o aparelho desligado.
De Júlio tomou asco. De Abner sentia saudades. Contudo, temia que o detetive particular contratado por Júlio descobrisse e registrasse o seu caso extra conjugal. Seu medo não era que a ira do ex marido caísse sobre ele. Pensava em Abner. Não achava justo que sofresse uma vingança de Júlio por sua causa.
Aguentava a dor da saudade por amor.
_ Sabe o que eu acho? Que você deveria ligar o foda-se e se encontrar com ele. Você tá doido pra dar mesmo.
_ Não acho uma boa ideia, Val. Como você mesma disse, não quero que o Júlio tenha nenhuma prova contra mim.
_ Prova de quê? Vocês estão separados há quase um mês. Não é mais adultério. E é injusto você ficar aqui nessa secura, sem macho nenhum, enquanto ele tá fodendo horrores com o tal do Abner e deus e o mundo.
_ Eu tenho medo que ele faça mal ao Dimitri. Sei lá... Júlio é tão estranho.
_ E você vai viver a vida toda com medo dele?
_ É bizarro saber que tem alguém na minha cola e eu não faço ideia quem seja. Além disso, eu tô  com tanta saudade da minha filha!
_ Liga pra ela.
_ Já liguei várias vezes do telefone lá da empresa, mas ela não me atende. Criei uma conta no Instagram para falar com ela e a mesma me bloqueou.
_ Ela está com ódio de você. Júlio tá fazendo a sua caveira pra ela.
_ Isso é que mais me dói.
Valéria se comoveu vendo a expressão de tristeza do amigo. Ele retornou ao trabalho para evitar pensar em tudo aquilo e não se sentir ainda mais machucado.
_ Quer saber de uma coisa? Vamos agora mesmo falar com a minha advogada._ disse Valéria levantando da mesa e pondo a alça da bolsa no ombro.
_ Como assim? Eu tenho que organizar a sua agenda e...
_ Esqueça. Vamos logo.

O escritório da doutora Jaqueline Ramos ficava numa rua próxima á empresa de Valéria. Ocupava todo um andar de um prédio comercial simples, portas de vidro, ar condicionado, paredes pintadas de branco, ambiente limpo e confortável. Não chegava nem perto do luxo do prédio da empresa de Júlio, mas era um lugar agradável.
Por ser um dia útil de segunda-feira pela manhã, havia poucos clientes. Por isso, Leandro e Valéria não demoraram muito para serem atendidos.
Doutora Jaqueline Ramos é uma mulher de pele escura, cabelos negros e enroladinhos presos num coque. Usava pouca maquiagem para aparentar requinte e discrição. Vestia um terninho azul marinho listrado de preto e saltos pretos não muito altos.
_ Valéria! Que bom te ver!
Ambas se abraçaram e trocaram três beijos no rosto.
_ Esse é o meu amigo Leandro. Aquele que te falei.
_ O companheiro do meu colega Júlio Medeiros? É um prazer conhecê-lo.
_ Igualmente, doutora._ Leandro respondeu, dando um aperto de mão.
_ Sentem-se. Vocês aceitam um café?
_ Só se tiver álcool e duas pedras de gelo servidos num copo quadrado.
_ Valéria!_ Leandro a repreendeu envergonhado.
_ Você sempre espirituosa, Val._ Naquele comentou  sorrindo.
_ O negócio é o seguinte, o Leandro quer dar entrada no divórcio e pedir a guarda da chatinha da filha dele._ Valéria dizia acendendo um cigarro. Envergonhado pela atitude da amiga em burlar a lei e fumar em lugar fechado, ele retirou o cigarro de sua boca.
_ Que merda, hein! Não se pode nem fumar em paz.
_ Isso ainda vai te matar aos poucos.
_ Pode ser aos poucos mesmo, Bijuzinho. Não tenho pressa nenhuma pra morrer.
Leandro a olhava balançando a cabeça negativamente.
_ Voltando ao assunto, Jaque, como nós fazemos para fazer tudo isso que o Bijuzinho deseja?
_ Sobre o divórcio, primeiro você terá que me fornecer os documentos necessários para que eu possa dar entrada. Como a Valéria havia me dito, você pretende requerer a guarda da sua filha, logo ela é menor de idade certo? Então vamos precisar da certidão de nascimento da menor e, se for o caso, o documento da adoção. Vocês possuem algum contrato pré nupcial? O casamento é comunhão de bens?
_ Aí que tá, Jaque. O pai do Leandro é tão ambicioso, que na época em que ele se casou com o Júlio, o safado não tinha nem onde cair morto e a família do Léo tinha um pouco de grana e um escritório de advocacia tipo esse seu, que o cara deixou falir.
_ Valéria não precisa escancarar a minha vida.
_ Eu estou explicando a sua situação. É Manterrupting interromper a fala de mulher! Voltando, o pai do Léo o fez casar com o Júlio com total separação de bens e ainda fez os dois assinarem um contrato pré nupcial que em caso de divórcio nenhum terá acesso aos bens do outro.
_ Hum. Entendi. O senhor tem o contrato em mãos?
_ Sim. Quando saí de casa eu levei comigo o contrato.
_ Mas há algum bem em que esteja no seu nome ou do casal? Essa separação de bens só é válida se for pessoal.
_ Não, doutora. Tudo que o Júlio adquiriu durante todos esses anos ele pôs em seu nome. Nem conta conjunta tínhamos. Eu só recebi um cartão de crédito como dependente do Júlio para que pudesse fazer algumas compras. As únicas coisas que Júlio comprou em meu nome foram os meus carros.
_ Eu sempre soube que na vida profissional o meu colega fosse esperto, mas pelo visto é na vida pessoal também.
_ É um mau caráter isso sim, Jaque. Um nojento. Acabou com a vida do meu amigo e só encheu o rabo de dinheiro.
_ Valéria, olha a boca!_ Leandro a reprimiu.
_ O senhor está empregado?
_ Sim. Ele trabalha comigo.
_ Se não tivesse, o senhor teria direito a receber  uma pensão por um ano.
_ Não seja por isso. Eu demito o Leandro, mantenho trabalhando na ilegalidade e pedimos pensão ao safado.
_ Valéria, eu não acredito que você está dizendo na frente de uma advogada que vai contratar um funcionário por meios ilegais. Cara,  você não existe. Doutora, não dê ouvidos a ela.
_ Isso seria vantajoso para você. Com o patrimônio do seu marido, creio que o valor da pensão será maior que o salário que a Val te paga.
Leandro a olhou espantado. Não esperava aquela atitude de uma advogada.
_ Não. Eu prefiro viver do meu trabalho. Deus me livre o Júlio me controlando de alguma forma. Eu vivi anos dependendo do dinheiro dele e tendo que comer nos seus pés por causa disso. Agora que conquistei a minha liberdade, não abro mão dela. Eu só quero o divórcio, doutora. Como vim de surpresa, não trouxe nenhum documento. Quais são os necessário para dar entrada no divórcio?
_ Eu vou te mandar uma lista via whatsapp ou e-mail.
_ Ótimo.
_ Eu vou precisar analisar o contrato pré nupcial, quem sabe acho algum furo para conseguir alguma coisa?
_ Ah, impossível. Meu pai também é advogado. Ele cuidou direitinho para que nada saísse dos trilhos.
_ Seu pai fez merda isso sim. Depois de dar entrada no divórcio, será marcada uma audiência de conciliação? Uma audiência para tentar fazer os ficarem juntos como nas novelas?
_ Não, Valéria. Essa audiência é para  ter certeza que o casal mantém a vontade de prosseguir com o divórcio e discutir acordos. Há casais que mudam de ideia.
_ Há mas esse não é o caso do Leandro. Se ele dar pra trás, eu dou na cara dele.
_ E sobre a minha filha?
_ Peraí, antes de falar da chatinha, o Júlio não quer o divórcio, ele pode se recusar a assinar?
_ Sim.
_ Então o Leandro fica preso a ele?
_ Não. O doutor  Júlio não é obrigado a assinar o  divórcio. Caso isso aconteça, podemos dar entrada no divórcio letigioso.
_Ah, tá! Ufa!_Valeria exclamou com a mão no peito._ Então para dar entrada só precisa dos documentos?
_ Documentos e o pagamento de uma taxa.
_ Sem problemas. Pro Leandro ficar livre do Júlio eu pago o quanto for necessário.
_ E sobre a minha filha?
_ O senhor deseja a guarda unilateral ou compartilhada?
_ Sendo realista, doutora, eu sei que o Júlio não vai querer abrir mão da Vanessa. Eu acho que seria menos estressante  uma guarda compartilhada.
_ No caso, com os documentos em mãos eu darei entrada no pedido guarda compartilhada. Um assistente social será enviado as residências dos pais para avaliar como é o padrão de vida de cada um, se é adequado para  atender as necessidades da menor.
Mas eu vou ser realista também. Eu vou fazer o possível para que o senhor consiga a guarda da sua filha. Mas, temos que levar em conta que não será uma disputa fácil. O doutor Júlio é um dos melhores advogados do Brasil e a sua equipe está no mesmo patamar. E ainda acrescento que o padrão de vida que ele tem a oferecer a menor é muito maior que a do senhor.
_ Então, eu não tenho chances?
_ Nesse caso, eu recomendo tentarmos um acordo com o seu companheiro.
_ Por mim tudo bem. O difícil será Júlio querer fazer algum acordo.
_ Doutora, aproveitando o embalo, hoje você tá com sorte, porque tem serviços pra ti. O safado do Júlio está fazendo a cabeça da chatinha contra o Bijuzinho, nós queremos processar o safado por isso.
_ No caso o Bijuzinho é o Leandro?
_ Sim.
_ Vocês têm alguma testemunha?
_ Temos. É a Patrícia, empregada da casa.
_ Assim que entrarmos com o processo, a acusação será muito bem apurada por um juiz. E a menor passará por uma avaliação psicólogica para comprovar se a acusação procede.
_ E se tudo der certo? O que acontece com o Júlio?
_ Podemos pedir uma medida protetiva de afastamento, o que contaria como ponto positivo para o pedido de guarda.
_ A pena é que o palhaço não vai pra cadeia.
_ É difícil que isso aconteça, Valéria. Mas eu só quero que a justiça seja feita. Me dói saber que a minha filha me rejeita. Ele me pintou para ela como se eu fosse um monstro. E pior que não posso fazer nada para me defender. Estou com as mãos atadas.
_ Leandro, este é o meu cartão de vista, contendo os meus contatos. Você poderia me entregar todos os documentos o mais depressa possível? Assim faço uma análise de tudo e marcamos uma reunião par discutimos tudo sobre os processos. Seria bom se a sua testemunha puder vir também.
_ Ela virá._ garantiu Valéria.
_ Mais alguma dúvida?
_ Até agora não, mas tenho certeza que terei ao longo dos dias.
_ Quando isso acontecer, pode me mandar mensagem que responderei com todo prazer.
_ Obrigado, doutora.
_ E os seus honorários e os gastos com os processos? Preciso de um orçamento.
_ A minha secretária vai te passar tudo.
Eles se despediram. Leandro saiu do escritório desesperançoso. Sentia um mau pressentimento. Como se não tivesse chances de recuperar a filha.
Valéria sugeriu que parassem numa lanchonete. Pediu um sanduíche de frango defumado e um suco de uva. Leandro nada quis comer, apenas pediu um café expresso.
_ O ruim é que ela me odeia. Júlio tá acabando com a cabecinha da menina.
_ Deixe de ser pessimista, Leo. Nós vamos conseguir provar a alienação parental do Júlio e ele vai se foder nessa.
_ A própria doutora Jaqueline nos disse que será uma disputa difícil, visto que Júlio é peixe grande.
_ Peixe do tipo piranha né? Temos que ser mais espertos, Bijuzinho. Virar o jogo. Eu vou descobrir quem é esse tal de Abner, provar o adultério do Júlio para a chatinha. Aí ela vai descobrir que ele é o mentiroso e ele não terá mais o poder de fazer a cabeça dela contra você.
Leandro sorriu.
_ Agora mesmo que quero descobrir quem é esse tal de Abner. Vou mover céus e Terra para desmascarar o Júlio. Mas como você pretende, descobri, Val?
_ Se fosse esperto, já teria descoberto há muito tempo. As provas do "crime" de um adúltero sempre estão no celular dele.
_ Na verdade eu tinha medo de confrontar esse Abner.
_ Medo de quê?
_ Eu nem sei explicar. Mas agora vou passar por cima de tudo, do meu orgulho ferido,dos meus medos e do que for preciso para descobrir quem é esse safado. Pretende contratar um detetive?
_ Que nada. Vou fazer melhor. Vou pagar a secretária dele para que descubra  e abre o jogo.
_ Você acha que a Lorena vai arriscar o próprio emprego só pra me ajudar? É óbvio que não.
_ Eu vou oferecer dinheiro pra ela. Aquilo ali tem cara de puta interesseira. Duvido que vá recusar.

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