Acerto de contas

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_Doutor, Júlio, o senhor vem agora?_perguntou um dos advogados. Eles tinham uma audiência marcada para dali a uma hora. No entanto, Júlio estava tão nervoso com a ligação de Lorena, que não pensava em mais nada.
_ Não vou em porra de audiência nenhuma! Chame o Genaro ou o Rubens para ir no meu lugar.
_ Mas...
Júlio saiu com tanto ódio, que ignorou qualquer coisa que o funcionário disse.
Foi direto para a casa. Entrou como um furacão, não retribuindo o "bom dia" de Patrícia.
Passou pelo quarto, indo para o closet, onde estava o seu cofre. Abriu com os dedos trêmulos. Bufava de raiva e tinha os olhos vermelhos.  No local havia algumas notas de dólares e reais, alguns relógios caros entre outras coisas.
Júlio ignorou tudo de valor e pôs a mão no seu objetivo, um revólver. Ao lado dele, havia uma caixinha de chumbo com as munições. Recarregou o tambor, a deixando ao ponto para realizar o seu desejo. Estava tão sedento por sangue, que sorria lembrando do gosto dele.
Respirava ofegante olhando a arma. As lágrimas desciam intensas. A dor da traição o perturbava. Ela era cruel com o seu coração.
Pôs a arma na parte de trás da calça, por baixo do paletó. Saiu no mesmo instante, decido a castigar os traidores.
Patrícia estranhou o estado do patrão. Nunca o viu nervoso daquele jeito, muito menos o viu chorando. Ela sentiu que algo muito ruim estava preste a acontecer.

...

_ Pode parecer estranho, mas é a verdade. Por todo esse tempo eu menti pra você. Eu tenho total consciência de que fiz uma coisa horrível e gostaria muito que você me perdoasse.
_ Que palhaçada é essa?
_ Leandro, meu amor, eu tive um caso com o Júlio...ele era um dos meus clientes, mas os nossos encontros foram ficando mais frequentes até que fomos nos envolvendo e... aconteceu de eu me apaixonar por ele.
Leandro estava tão assustado, que respirava fundo, esfregando o peito. Estava pálido e sério. Abner ficou preocupado. Quanto mais falava, mais aumentavam os seus batimentos cardíacos.
_ Júlio mentia que também gostava de mim, que ia se separar de você para se casar comigo. Diversas vezes, Júlio me disse que tentava falar com você a respeito do divórcio, mas você fazia chantagem emocional, chegando até a ameaçar a se matar.
_ O quê?!_Leandro gritou, revoltado.
_ Meu bem, na época eu acreditei nele, mas hoje eu sei que é mentira daquele crápula! Hoje eu te conheço, meu amor. Mas naquela época, Júlio era tão dissimulado, que até chorava, dizendo que você era abusivo.
_ Agora eu sou o abusivo?!_ Leandro deu passo para trás, penetrando os dedos entre os cabelos.
_ Eu fiquei revoltado. Tive ódio de você, porque acreditava que era o meu impedimento de ficar com o Júlio.
Abner se assustou com os gritos que Leandro deu.
_ Aí, você resolveu brincar de Dimitri só para tirar onda com a minha cara?
_ Não! Eu te amo!_Abner tinha mais coisas para dizer naquela frase, mas foi interrompido pelo soco que levou de Leandro, que o acertou com tanta força, o  fazendo cair no chão.
_ Não se atreva a falar que me ama depois de todas as canalhices que você fez! Já não basta o tanto que me fez de palhaço?! O que que você tá armando, hein? É alguma emboscada? Saiba que tem gente que sabe que eu estou aqui. Se eu sumir a polícia vai direto em cima de você!
Abner levantou, segurando o nariz sangrando.
_ Eu jamais faria qualquer mal a você. Eu não minto quando digo que te amo! Eu não esperava que acontecesse, mas aconteceu! Eu me apaixonei por você.
_ Cala a boca, pilantra._ as lágrimas começaram a cair dos olhos de Leandro._ Eu já tô começando a entender tudo, você quer ficar com o Júlio, aí me seduziu para acabar com o meu casamento e deixar o caminho livre pra você.
_ Não! Não é nada disso, Leandro!
_ Parabéns! Você venceu! O Júlio é todo seu! Vocês se merecem!
_ Eu já falei que não quero o Júlio, porra! Eu quero você!
_ Acho melhor você calar a boca, antes que eu perca o pouquinho da paciência que me resta e quebro a sua cara. O seu cinismo está me enojando.
Leandro entrou na casa, subiu as escadas correndo com a intenção de se arrumar, pegar as suas malas e sair dali.
Abner foi atrás. Precisava se explicar.
Entrou no quarto fechando a porta. Leandro estava nu, retirando a sunga molhada.
_ Amor, nós precisamos conversar._ Abner chorava desesperado._ Por favor!
_ Saia daqui!
Leandro se vestiu rápido. Queria se adiantar ao máximo para sair da presença de Abner. Após vestir a bermuda e uma blusa, parou e olhou para Abner.
_ Você me espionava?
_ Não!
_ E como sabia que eu estaria na festa de Ivan Matarazzo? Aliás...o próprio Ivan me apresentou a você como amigo dele...que merda é essa?
Abner não queria contar essa parte para Leandro, não queria que ele sofresse ainda mais. No entanto, deveria aproveitar aquele momento para acabar com todas as mentiras.
_ É uma longa história.
_ Eu estou com tempo para ouvir. Já que me machucou, desaba tudo de uma vez.
Leandro sentou na beira da cama, com os braços cruzados. Olhava para Abner com a cabeça erguida e um olhar de decepção, o que fez Abner desabar em choro, sentando ao seu lado.
_ Quando eu liguei para o Júlio, na noite da véspera de Natal, você atendeu.
Leandro fechou os olhos, espremendo as palbebras. As lembranças daquela noite eram como dar uma tropeçada num dedo ferido.
_ Você atendeu e isso deixou o Júlio furioso. Nós discutimos muito no dia seguinte e Júlio rompeu comigo. Eu fiquei com ódio...durante o nosso relacionamento eu...
_ "nossa putaria." você quer dizer? Isso não pode ser chamado de relacionamento, já que ele era casado comigo e eu estava sofrendo por conta disso.
Abner apoiou as mãos nos joelhos e abaixou a cabeça para chorar.
_ Eu sinto muito, meu amor...eu sinto muito por todo o sofrimento que te causei.
_ Conta logo!_gritou Leandro, impaciente.
_ Depois que comecei ficar com o Júlio, parei de fazer programa. Ele havia conseguido emprego pra mim num restaurante e pagou a minha faculdade de gastronomia. Mas com a nossa briga no natal, ele sumiu e eu resolvi voltar a fazer programa. O Ivan, que era um cliente antigo, me contratou. Disse que tinha um amigo que estava carente e com problemas conjugais...me pediu para que se aproximasse de você, te seduzisse sem dizer que era um GP.
_ Puta que pariu! Puta que pariu! Quem esse merda do Ivan pensa que é para fazer isso comigo? É claro! Valéria! Ele é amigo dela. É óbvio que a ideia foi dela! Por isso me pediu para não dar o meu nome verdadeiro.
_ Eu não sabia que você era o marido do Júlio.
_ E eu tão otário acreditando que aquela noite foi especial...era tudo por dinheiro!
_ Foi especial! Eu me envolvi contigo naquela noite, mesmo sendo por dinheiro. Tanto que te procurei uns dias depois.
_ O que você foi fazer na minha casa na noite de réveillon? Foi zombar de mim sob o meu próprio teto?
_ Eu fui te falar a verdade e desmascarar o Júlio. Eu descobri pela Lorena que o Júlio mentiu pra mim, que nunca teve a intenção de se separar de você. Eu me senti enganado e quis me vingar!
_ Você conhece a Lorena?_ Leandro perguntou espantado.
_ Ela é a filha do meu padrasto. Foi ela que me apresentou ao Júlio.
_ Você é filho da Lurdes?! Caralho! O Júlio colocou os pais do amante para trabalhar no nosso sítio?! Que filho da puta! Todo mundo sabia e eu fazendo papel de palhaço duas vezes! Aaaaaah! Que ódioooooo! Vocês tem que pagar por toda essa maldade que estão fazendo comigo!
_ Me perdoe, meu amor? Eu tô tão arrependido.
_ E por que não me contou tudo naquele dia, desgraçado?
_ Porque eu vi que você era o cara que eu havia me apaixonado. Tive medo de te perder.
_ Aaaah que lindo! Que nobre e sentimental! Vai tomar no cu, seu merda! Porra, Abner! Porraaaaa!
Eles ficaram em silêncio de palavras por alguns segundos. Os únicos sons emitidos no quarto eram o barulho dos seus choros.
_ E você ainda tá se esfregando com ele?
_ Não. Eu tomei nojo do Júlio e só queria você. Mas ele me chantageava, ameaçando me entregar para o Franklin, aquele que eu te falei.
_ Esse tal de Franklin deveria ter metido uma bala na sua cara pra você parar de brincar com os sentimentos das pessoas. Primeiro a mulher dele, depois o Júlio e agora eu. Você adoro um casado, né? Eu só queria entender como vocês, putinhas, conseguem separar sentimentos de sexo... Como você consegue fingir que ama alguém? E como você conseguiu conter o riso quando eu dizia que te amava?
_ Eu menti pra você de muitas coisas: meu nome, escondi o meu caso com o Júlio, mas toda vez que te disse que te amo foi verdade. Como eu disse, a última coisa que eu esperava era me apaixonar pelo marido do meu amante. Mas aconteceu. Com você é amor, coisa que nunca senti por ninguém.
_ Por que você continua mentindo? Já não riu o bastante da minha cara, palhaço? O Júlio tá livre. Eu prefiro morrer do que voltar para aquele sem vergonha. Você pode ficar com ele e o seu maldito dinheiro.
_ Eu não tô mentindo. Você tem toda razão de me odiar e duvidar de mim.
_ Tenho mesmo. Agora saia daqui. Eu preciso acabar de me arrumar e ajeitar a mala. Nunca mais quero te ver.
_ Espere se acalmar um pouco. Você está nervoso demais para dirigir.
_ Saia daqui, por favor, Abner...que horror ter que pronunciar o seu nome...sabe eu sempre imaginei que um dia estaria cara a cara contigo? Ensaiei milhões de coisas para te dizer. Agora só consigo sentir uma coisa estranha...um misto de raiva, nojo e medo. Me deixe sozinho, por favor.
_ Tá bom.
O que Abner mais desejava era abraçar Leandro. Mas se conteve e saiu por respeito, indo chorar no outro quarto.
Leandro deitou na cama e chorou também. Gritava, se sentindo angustiado e sufocado. O seu sofrimento era ouvido por Abner e isso o deixava com mais remorso.

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