Irene

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Para matar o tédio do tempo ocioso, Vanessa passeava pelos corredores da livraria, deslizando o dedo indicador pelos livros. Parou diante de um que chamou a sua atenção. Era um exemplar de capa preta com letras douradas escrito Bíblia sagrada.
Pegou-a e a levou até o balcão, onde Leandro terminava de catalogar os livros. Ele estava sentado em   frente ao computador, compenetrado.
_ Pai.
_ Fala, meu amor._ Leandro disse, sem tirar os olhos  do monitor.
_ Por que você está vendendo a Bíblia?!
_ Porque a bíblia é um livro, e aqui é uma livraria.
_ Mas aqui não é uma loja cristã. Você deveria vender livros úteis.
_ A bíblia também é útil, meu amor. Ela nos ajuda a compreender a mentalidade da nossa sociedade. E além disso, muitos grandes clássicos fazem referência á ela.
_ Eu não vejo utilidade nenhuma nela. Concordo com o meu pai Júlio, quando ele diz que a bíblia é um livro de mitologias idiotas, onde absurdos acontecem: virgens engravidam, cobra fala e homem permanece vivo dentro da barriga de uma baleia. Sem contar que o deus descrito nela é  um personagem tirano e psicopata, criado por mentes afins para manter o povo sob cabresto.
_ Júlio disse isso?
_ Ele sempre diz.
_ De psicopatia e tirania o Júlio entende muito bem. Mas você não deve repetir isso na frente dos clientes. São argumentos muito desrespeitosos. Os clientes cristãos podem se sentir ofendidos.
_ Eu também fico ofendida quando dizem que gays vão para o inferno e mulheres devem ser submissas aos maridos.
_ Então, peça para que eles não compartilhem as opiniões deles contigo e você faça o mesmo com eles. Assim evitamos tumultos desnecessários, meu bem. O importante é que todos se respeitem.
_ Você disse que meu pai entende de tirania e psicopatia. Eu entendi o que você quis dizer. Mas não gosto de vocês se desentendendo. Sinto falta de quando éramos uma família.
Leandro respirou fundo. Não estava com vontade de seguir com aquela conversa.
_ Filha, vamos combinar de não tocar nesse assunto?
_ Por quê? Você acha que tudo isso está sendo fácil pra mim?! Aquele miserável do Abner está aqui em frente, o pulha do Ezequiel vive correndo atrás de você. O meu pai está tendo um casinho com aquele tal de Luciano. Ele nega, mas eu sei que é verdade. Eu não quero ter padrastos! Não aceito isso.
Leandro se aborreceu com a fala da filha. Perguntou-se como deixou que Vanessa se tornasse essa menina tão mimada.
_ Mas vai ter que aceitar. As coisas mudaram, Vanessa! Você vive reclamando que detesta ser tratada como criança, mas sempre  age como uma! O meu casamento com o Júlio acabou! Se ele quiser continuar a vida namorando esse tal de Luciano ou qualquer outro é direito dele. Assim como eu tenho direito de namorar quem eu quiser.
_ Nossa! Você nunca falou assim comigo!
_ Foi nisso que errei. Agora me deixe trabalhar.
_ Tudo bem...grosso!

O domingo chegava ao fim, e com dó no coração, Leandro levou Vanessa de volta para a casa de Júlio.
Partiram para a cobertura depois de irem ao cinema e lancharem numa lanchonete de sanduíches naturais. Vanessa desejava ir a um fast food, mas Leandro por não achar saudável, fez questão de negar o pedido a filha.
_ Meu amor, os sanduíches de lá são uma delícia. Dê uma chance, tenho certeza que você vai gostar.
Vanessa revirou os olhos para cima, aceitando a contra gosto. Mas também fez sua exigência.
_ Tudo bem. Eu como o sanduíche que você quer e bebo o suco natural, mas quero um sorvete como sobremesa.
_ Trato feito._ Leandro concordou sorrindo, puxando Vanessa para si e a beijando no rosto.
Quando o carro se aproximou do prédio da cobertura. Leandro sentiu uma aflição. As lembranças ruins das brigas com Júlio o atormentaram. Desejou sair o mais rápido possível daquele lugar.
Vanessa mandou uma mensagem para Júlio avisando que estava chegando no prédio, e ele desceu alegre para espera-la.
Os motivos da sua alegria eram dois: matar a saudade de Vanessa e rever Leandro.
Pelos stories de Vanessa, Júlio acompanhou o passeio dos dois. Desejou estar com eles. Sentiu falta dos programas em família que faziam juntos.
Leandro se manteve sério ao ver Júlio sentado no sofá da portaria. Vanessa correu para abraçá-lo. A raiva tinha passado e matou a saudade naquele momento.
Ela lamentava muito a situação em que estava vivendo. Durante a semana, quando estava sob a guarda de Júlio, sentia muitas saudades de Leandro. Nos fins de semana, ela matava a saudade de Leandro, mas sentia de Júlio.
"Que saudade de quando ficavamos todos juntos." Era o que pensava, quando estava só.
_ Eu estava com saudades. Como foi o fim de semana, meu anjo?
_ Foi ótimo, pai. Nós fomos ao cinema ver o novo filme da DC._ Vanessa disse sorrindo, encostando a cabeça no peito de Júlio.
_ Gostou, meu amor?
_ Adorei! É muito bom! Pena que você não estava lá conosco.
_ Não seja por isso. Podemos marcar os três juntos para ir ao cinema. É só o Leandro dizer o melhor dia para ele.
Leandro se viu irritado com a audácia de Júlio de fazer tal proposta.
_ Vamos sim, Júlio. A data escolhida é dia 32 de junho. Tá bom pra você?
_ É incrível como o sarcasmo fica lindo nos seus deliciosos  lábios, coração.
Leandro o olhou com ódio. Detestava aquele sorriso e as cantadas baratas. "Como eu pude gostar disso um dia?"
_ Tchau, filha. Até semana que vem._ Leandro abriu os braços para abraçar Vanessa, que correu para eles.
_ Eu odeio ter que me despedir de vocês.
_ Não se preocupe, meu amor. Uma semana passa rápido.
_ Antes de ir, precisamos conversar.
_ Eu não tenho nada para conversar contigo, Júlio._ disse Leandro com entonação de irritação.
_ Como não? A festa de aniversário da sua filha não é importante para você?
_ Eu nem vou me dar ao trabalho de te responder.
_ A festa será na boate Matrix. Aqui está o convite._ Júlio retirou um cartão de convite e entregou a Leandro.
_ Sério, pai! A minha festa será na Matrix?!_ Vanessa perguntou empolgada, dando pulinhos.
_ Enlouqueceu, Júlio?! Você quer comemorar a festa de aniversário de uma menina de  d3z3s3is anos numa boate?! Lá não é ambiente para ela.
_ Não se preocupe. Eu aluguei a boate. Só entrarão os convidados da Vanessa.
_ Aaaaaah! Vou surtaaaaar! Eu te amooo, pai.
Vanessa encheu o rosto de Júlio de beijos.
Leandro se sentiu mal. Tinha planejado dar uma festa surpresa para a filha em seu apartamento. Não seria nada de estravagante, apenas um kit festa com alguns docinhos, salgadinhos e bolo de chocolate. Era o que podía pagar no momento. A livraria estava no início e não podia se dar o luxo de desperdiçar dinheiro. Percebeu que isso não agradaria Vanessa. A proposta de Júlio era mil vezes melhor. Não tinha como competir com ela.
_ Tudo bem! Eu estarei lá com certeza.
_ Sua presença é muito importante, meu amor. Ah, já ia esquecendo. Me faça o favor de entregar estes convites aos seus pais. Eu me desentendi com o Genaro, e não quero ter contato direto com ele.
Júlio entregou mais dois convites a Leandro.
_ Pai, diga ao vovô para não levar a puta da Lorena.
_ Eu já vou indo. Tchau.
_ Tchau, paizinho.
Eles se despediram com um beijo no rosto.
_ Até logo, Leandro.
Leandro não respondeu a Júlio. Saiu o mais depressa que pode daquela desagradável presença. Vanessa e Júlio o observaram ir embora.
_ Pai, quero convidar a Valéria e a Patrícia.
_ Você quem sabe, princesa.
Júlio fingiu que concordou, mas interiormente detestou o pedido da filha.

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