Angela

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Angela não é o tipo de mulher que costuma desistir de lutar pelo que almeja, mesmo que a batalha esteja dada como perdida.
_ Ele não vai vir._ foi o que Genaro disse quando ouviu da mulher que compraria um peru para assar no almoço de domingo para receber o filho.
Angela não respondeu com palavras e sim com um olhar de ódio, como sempre olhava para o marido e a empregada nunca sabia o porquê de tanto ódio.
Temperou a ave com ervas verdes e manteiga derretida, deixando marinar por dois dias.
_ Quer que eu faça, dona Angela?
_ Não. Sou eu sei preparar o peru do jeito que o Leandro gosta.
Angela não se dava por vencida, mesmo tendo as ligações ignoradas e não ser recebida pelo filho quando esteve em sua casa, ela insistia em deixar recado no Whatsapp pedindo para vê-lo.
"Filho, eu preciso muito te ver. Sinto a sua falta. Venha almoçar comigo neste domingo. Vou preparar um prato que você adora. Eu te amo tanto, meu bem."  A mensagem nunca foi respondida.
A ave foi posta á mesa, sobre uma toalha branca e o aparelho de porcelana em volta. Seria servido com legumes assados, salada de alface, tomates secos e molho parmesão e arroz branco. Para a sobremesa, salada de frutas. Para ela o importante era não só o sabor dos pratos, mas também a importância nutricional.
Com o cigarro entre os dedos, Angela olhava para a entrada do quintal, triste pela ausência do filho.
Genaro entrou na sala vestindo uma bermuda de moletom, camiseta e chinelos. Em casa, ele se sentia livre, sem precisar usar o terno preto que sua função de advogado o obrigou a usar durante mais de trinta anos.
_ Olha só! Caprichou na mesa, minha querida._ Genaro disse, se aproximando da mulher e segurando o seu queixo, com a intenção de beijá-la. Enojada, ela se afastou.
_ Que cara é essa, mulher?
Genaro recebeu um olhar carregado de ódio, dor e mágoa.
_ Estou com saudades do meu filho.
_ Eu te disse que ele não viria. Mas, você foi teimosa.
O advogado sentou á mesa despreocupado, se servindo.
_ A ausência do Leandro não te incomoda?
Ele a olhou sem dizer e expressar nada. Ao mastigar, gemeu com o bom sabor do peru.
_ Está delicioso! Leandro não sabe o que perdeu.
_ Eu não aguento mais essa situação.  A sua frieza me dá asco.
O toque do interfone fez com que Genaro interrompesse o almoço para atender.
_ Não sei o porquê empregada doméstica tem que ter folga no domingo. Nem almoçar em paz , eu posso... Alô! Júlio, meu genro! Eu vou liberar o portão para que você possa entrar.
Angela sorriu acreditando que Leandro estava junto do marido. Mas, para a sua decepção, Júlio entrou só em sua casa, com o rosto coberto por hematomas e uma expressão de mau humor.
_ Meu deus! O que aconteceu com você?
_ Agora não tenho tempo e nem vontade de te explicar nada,Genaro. O Leandro saiu de casa e vocês têm que me ajudar a trazê-lo de volta.
_ Como assim saiu de casa? Cadê o meu filho?_ Angela perguntou, aflita.
_ Viajou com a puta da Valéria! Foram para Maceió! Ele passou por cima das minhas ordens e foi.
_ Ultimamente, Leandro só está me arrumando problemas. _ Genaro disse servindo uma taça de vinho e entregando a Júlio, que andava de um lado para o outro, nervoso.
_ Ele nunca me desobedeceu. Sempre foi correto! Agora está cheio de si. Me ignora! Me trata como se eu fosse um estranho. Agora essa viagem. Ele tá querendo me deixar.
_ Não se preocupe, meu genro. Assim que Leandro voltar de viagem, eu mesmo vou ter uma conversa franca com ele. De homem para homem. Vou botar juízo na cabeça do meu filho.
_ Você não. É muito frouxo para isso. Ela fará._ Júlio disse apontando para Angela._ Angela tem mais domínio sobre o  meu marido. Você vai convencer o Leandro a não me deixar.
Angela se aproximou de Júlio, com a cabeça erguida. Mirou em seus olhos e sorriu.
_ Você não sabe o quanto eu torci para que o meu filho se libertasse de você.
Genaro a olhou de um jeito repreensivo.
_ Angela!
Júlio a encarava com ódio.
_ Júlio, não liga para o que ela diz. Esta mulher está louca.
_ Eu sempre estou louca, não é? Sempre sou a louca quando digo a verdade que não agrada a vocês. Eu tô de saco cheio de ver o meu filho ser humilhado e sofrer nas mãos desse cafajeste! O meu Leandro não merece isso. Eu não vou mais compactuar com essa patifaria.  Eu nunca gostei de você, Júlio. Você nunca foi homem para o meu filho. Você só o fez sofrer por todos esses anos. Assumo que ajudei nisso. Mas, já chega! Eu quero que o meu filho tenha a vida que merece e longe de você.
_ Angela, pare de dizer besteiras! Júlio, ignore o que a minha mulher está dizendo. Ela só está nervosa porque Leandro está a ignorando.
_ Genaro, me dê licença para falar a sós com a minha "querida" sogrinha?
_Eu acho melhor vocês não conversarem agora. Ela está nervosa.
_ Genaro, saia!_ Júlio ordenou sem retirar os olhos dos de Angela.
_ Tudo bem. Qualquer coisa, estou no jardim._ Genaro respondeu antes de se retirar.
_ Angela, esta é uma péssima hora para você ter uma crise de consciência. Tá querendo o quê? O prêmio de mãe do ano?
_ Eu quero que o meu filho seja feliz. E isso não vai acontecer enquanto ele estiver vivendo sob o mesmo teto que você. Naquele dia, Leandro chegou aqui em casa em estado de desespero, tinha manchas roxas pelo corpo... você acha que foi fácil pra mim ter que empurrá-lo para os seus braços? Eu fiz com muita dó no coração._ Angela se controlava para não chorar. Não queria demonstrar fraqueza para Júlio.
_ Você sempre foi muito bem paga por todas as vezes que me ajudou. Se não fosse por mim, não teria uma casa como esta, uma vida confortável e uma reputação respeitável. Angela, não me faça perder a paciência contigo. Você sabe que eu posso te tirar tudo que te dei.
_ Tire. Pegue todo o seu dinheiro e enfie no olho do seu cu!
_ Não me provoque, ou eu acabo com você! Acabo com o seu casamento revelando o seu caso com um homem que tem a metade da sua idade. O que você acha que o Leandro vai pensar quando souber que a mamãezinha dele é uma puta? E pior... além de puta, ela é uma assassina! Você ficaria tão bonitinha de uniforme de presidiária...isso se você sobreviver na cadeia. Porque pela gravidade do seu crime, seria linchada na mesma hora.
_ Eu já tô farta das suas ameaças.
_ Então, não me ajude a reconquistar o Leandro, que nunca mais vou te ameaçar. Vou te mandar direto para a cadeia. Vou transformar a sua  vida num inferno. Nem mesmo o Leandro vai mais querer te ver. Você acha que ele vai te perdoar, sogrinha?
Angela se afastou, dando uma tragada no cigarro.
_ A decisão é sua. Vai me ajudar ou não?
_ Vou._ ela respondeu entre os dentes e de cabeça abaixada.
_ Perfeito. Eu vou dar um jantar de boas vindas ao meu marido. Fui rude com ele, antes de viajar, exigindo que me entregasse os cartões de crédito e débito. Eu achei que fazendo isso o impediria de sair, mas ele foi mesmo assim. Eu sou péssimo para organizar jantares. Quero que você faça isso. E que esteja lá junto com o paspalho do seu marido. Depois, você vai dar um jeito de convencer o Leandro a ficar comigo como você sempre fez.
_ Leandro não quer falar comigo. Não será fácil convencê-lo.
_ Dê o seu jeito. Se vira!
_ Já acabou o que tinha para me dizer em segredo? Você me autoriza a chamar o dono da casa para entrar e continuar a almoçar, senhor meu genro?
Júlio a olhava com raiva, sem responder nada. Odiava deboches quando estava de mau humor.
Genaro entrou e convidou Júlio para se juntar á mesa com eles, mas o convite foi recusado. Ainda de pé, contou ao sogro sobre o jantar que pretende dar para receber o marido.
_ Pode contar conosco. Eu também posso conversar com o Leandro. Posso não ser tão bom em persuasão como a minha esposa, mas ele há de me ouvir. Afinal, sou o pai dele.
_ Espero que vocês sejam muito convincentes.
Alguns minutos depois, Júlio se despediu, partindo. Genaro o acompanhou até o portão da casa.
Quando retornou, encontrou Angela sentada á mesa, fumando outro cigarro.
_ Essa porcaria ainda vai te matar.
_ Como se você se importasse.
_ Você ficou louca de encarar o Júlio daquele jeito?! Tem noção da burrice que fez?
_ Não me chame de burra!
_ É o que você é. Tanto você quanto o seu filho. Dois burros! Que ideia do Leandro de querer se separar e perder tudo. Aquele imbecil tá pensando que vai viver de quê? Com um salário de professor? Nem para se formar no que eu sonhei pra ele, ou qualquer outra profissão que tivesse um mínimo de valor no mercado.
_ O único burro aqui é você, que é tão ambicioso que praticamente obrigou o Leandro a assinar um acordo pré nupcial. Se o Leandro pode sair desse casamento com uma mão na frente e outra atrás a culpa é toda sua.
_ Como que eu ia advinhar que o morto de fome do Júlio ia se tornar quem se tornou? Eu quis proteger os bens da família.
_ Bens esses que você destruiu por pura incompetência. Você conseguiu falir o escritório de advocacia que o seu pai fundou. Agora vive aí, dependendo do salário pago por um homem que transforma a vida do nosso filho um inferno. E você não aprendeu com a velhice. Pensa que não sei que gasta rios de dinheiro com a sua amante?
_ Que amante? Está louca!
_ Uma mulher traída é sempre louca.
_ Você é injusta comigo isso sim. Posso até ter errado no passado. Mas eu mudei.
_ Mudou porra nenhuma, Genaro! Você sempre gostou de gastar dinheiro com garotinhas. É o jeito patético que você rejeita a sua velhice. Foi por isso que se casou comigo. Porque eu sou mais jovem que você. Mas, agora não tenho mais vinte anos e você saiu para procurar uma garotinha para torrar o nosso dinheiro. Eu não me importo se você mete o seu pau murcho numa ninfeta qualquer. Só não quero que ponha o pouco de dinheiro que nos restou nas mãos de uma putinha qualquer.
_ Você precisa se tratar. Está doente, Angela.
_ A única coisa que me importa é o meu filho. É a única pessoa que eu amo nessa vida. Ele não merece passar por tudo que está passando. E você não se importa, só pensa em bajular o Júlio para conseguir dinheiro e enfiar na boceta da sua puta.
_ Eu me importo sim. Eu amo o meu filho e quero o melhor para ele. Você acha que Leandro todo molenga vai ser alguma coisa na vida só por ele? Vai ser um zero a esquerda. Um nada, assim como você. Ele tem que dar graças a deus que tem um marido rico como o Júlio.
_ Graças a Deus pelo o quê? Por ser infeliz?
_ Ah, frescura dele. Leandro pensa que só porque é gay tem que ser frágil. Ah, faça-me um favor! Vive chorando de barriga cheia. Tem tudo que quer sem fazer esforço nenhum.
_ Às vezes, eu acho que o melhor para o meu filho é ficar viúvo. Assim, ele se livra do Júlio, herda a porra do dinheiro e você fica feliz, porque é só isso que te importa.
Angela saiu da mesa, deixando Genaro em silêncio.

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