Capítulo 3: Evangeline Hayes.

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Me encolhi ainda mais contra a parede, como se de alguma forma eu pudesse me fundir a ela. Esqueci da dor nos meus tornozelos e nos meus braços, tendo minha atenção totalmente roubada pelo elfo na minha frente.

—Sinto muito, não quis assusta-la. —Afirmou, dando um passo para trás, como se o ato fosse para me passar confiança. —Eu avisei que vinha. Você recebeu o meu bilhete, certo?

Olhei pra ele, sem conseguir dizer nada. Então virei o rosto para o espaço atrás dele, onde eu havia jogado o papel amaçado. Ele se virou, seguindo meus olhos. Observei seus passos indo até onde o papel estava e ele o juntar, parecendo confuso.

—Pensei em mandar o bilhete para não pega-lá de surpresa. —Prosseguiu, abrindo o papel com movimentos elegantes e calmos. —Achei que seria melhor do que simplesmente chegar aqui e...

—Quem é você? —Indaguei, descendo meus olhos para a roupa que ele usava. Azul escura, com um bordado de uma coroa solta sobre a guarda de uma espada, bem no peito. Era do reino, eu conseguia lembrar. Ele ainda usava uma espada na cintura e do outro lado, uma adaga.

Me surpreendi com o som da minha voz, que eu não ouvia a muito tempo. Ele também se surpreendeu, erguendo os olhos do papel pra mim. Sua expressão se tornou confusa e ele apertou o papel que estava nas mãos.

—O que? —Ele soltou uma respiração pesada, me encarando sem parar, fazendo minhas bochechas se tingirem de vermelho e uma onda de calor subir até meu rosto. —Você chegou a ler o bilhete? —Indagou, franzindo a testa.

Não respondi, o que o fez olhar para o papel de novo e então se voltar pra mim. Foram poucos segundos, mas me deu tempo de observá-lo mais atentamente.

—Você não sabe ler. —Constatou, e eu senti meu rosto esquentar ainda mais, deixando evidente pra ele que era verdade. —Ah, sinto muito. Eu deveria ter imaginado.

—Quem é você? —Repeti a pergunta, ignorando o tom de lamentação dele.

O elfo deu alguns passos na minha direção, ficando com os pés sobre a marca no chão. O risco que eu havia feito com uma pedra. A linha   até onde eu conseguia ir com as correntes. Ele parou ali, enfiando o papel no bolso e olhando pra mim com atenção.

—Meu nome é Seth. —Ele avaliou o lugar em que eu estava, as camadas de tecido que eu dormia e meu corpo magro e ossudo. —Vim até aqui em nome de todo reino de Delarian, fazer uma proposta a você.

—Sabe quem eu sou? —Indaguei, vendo ele engolir com o movimento parecendo difícil. —Sabe meu nome?

—Evangeline Hayes, primogênita de sua majestade rei Carlos e da rainha Clarissa Hayes. Irmã mais velha de Klaus e Tobias. Herdeira do trono de Delarian. Uma princesa. —Ele me encarou por alguns segundos, enquanto meu cérebro processava aquelas palavras. —Ou pelo menos deveria ser.

Seth encarou de novo o espaço entre nós e então deu alguns passos, ficando dentro do espaço onde normalmente eu me arrastava pelo chão. Eu poderia ir até ele, roubar sua adaga e o matar. Poderia tentar me soltar com ela e então fugir. Mas Seth era visivelmente mais alto, mais forte e provavelmente mais ágil que eu.

—Vim fazer uma proposta a você, senhoria Hayes. —Ele se abaixou, ficando da minha altura, mas ainda afastado. —Você quer sair daqui, não quer? Ser livre de novo?

—E por que você faria isso? —Questionei, um pouco baixo. —Por que me deixaria livre? Não tenho nada para dar em troca.

—Porque o que fizeram com você e sua família foi injusto e horrível. Porque você merece uma chance de viver de verdade. Você foi tirada da sua família, dos seus pais e irmãos. Perdeu seu reino, sua infância. —Ele gesticulou para a torre ao nosso redor. —Só quero consertar as coisas ruins que aconteceram com você. Mesmo que seja praticamente impossível. Queria poder fazer mais. Mas infelizmente algumas coisas são irreparáveis.

Ele me olhou pra mim, estendendo a mão lentamente na minha direção. Avaliei isso, sentindo meu rosto quente e meus batimentos cardíacos aumentarem. Minha mente ainda estava se acostumando com o som da voz dele. Mas o toque parecia demais.

—Quem é você? —Perguntei de novo. —Deve ser alguma coisa do rei, para vir aqui e me oferecer a liberdade.

—Eu sou, tem razão. Mas por hora, sou sua liberdade. —Ele gesticulou com a mão estendida, para que eu a segurasse.

—Não confio em elfos. —Sussurrei.

Ele afastou a mão na mesma hora. Tão rápido que meu cérebro demorou pra processar o movimento. Seth apertou os dedos com a mão fechada, parecendo avaliar a situação.

—Só quero ajudá-la. Entendo que a confiança pode vir depois. —Afirmou, ficando de pé, ainda com os olhos em mim. —Você quer ser livre ou não quer?

Avaliei a situação, sentindo todos os meus ossos rígidos e meu corpo duro contra a parede. Me forcei a ficar de pé, com minhas pernas tremendo. O vestido preto no meu corpo estava desgastado e sujo, mas ainda me cobria dos olhares dele. Da curiosidade.

—Isso não é uma farsa? —Indaguei, passando a língua nos lábios quando senti eles subitamente secos. —Se for, não precisa se incomodar. Pode dizer ao seu rei que eu já estava aguardando a morte vir me buscar.

—Ninguém vai matá-la. —Rebateu, curvando os lábios em reprovação. —Ninguém vai tocar em você. —Ele se afastou até a porta. —Vou chamar os guardas. Vamos livra-la dessas correntes.

Ele saiu dali, passando pela porta aberta e desaparecendo. Me encolhi ainda mais contra a parede, ouvindo o som da voz dele ao longe, junto com o barulho de passos. Meu corpo estremeceu quando três guardas entraram na ali, junto com Seth. Elfos. Todos elfos.

—Tire as correntes dela. —Mandou, e um dos guardas veio na minha direção. Me arrastei contra a parede para longe, vendo as chaves que estavam nas mãos dele. O guarda parou, olhando por cima do ombro para Seth. —Ele não vai te machucar. Precisamos livra-la das correntes.

—Jogue as chaves pra mim. —Pedi, vendo o guarda olhar para Seth, que assentiu com a cabeça.

Ele lançou as chaves e minhas mãos se ergueram para segura-las. Minha pele se arrepiou com o contado do metal gelado, antes de eu olhar para os quatro elfos e então me curvar, puxando a saia do vestido para cima e a prendendo contra meus joelhos fechados.

Ouvi uma respiração pesada e ergui os olhos para Seth, vendo ele olhando para o sangue que escorria dos meus tornozelos, aonde as correntes estavam presas. Engoli em seco e voltei a atenção pra elas, pegando as chaves e encontrando a certa, finalmente me livrando das correntes. Primeiro a direita e depois a esquerda.

Meus tornozelos estavam em carne viva, vermelhos, arroxeados e queimando. Meus olhos se encheram de lágrimas quando deixei as correntes caírem no chão, e pude sentir o ar gelado bater contra aquela parte sensível das minhas pernas.

—Vou chamar uma bruxa pra cuidar disso. —Fiquei ereta, olhando para Seth, que tinha uma expressão dura no rosto. —Logo estará curado e melhor.

—Vossa alteza, precisa que preparemos uma carruagem para a moça? —Um dos guardas indagou, enquanto eu lançava as chaves de volta para o homem perto de mim.

—Não, ela vai comigo. —Seth afirmou, enquanto minha cabeça girava na sua direção, processando a forma como ele havia sido chamado.

—Você é filho dele. —Não foi uma pergunta, afirmei aquilo, observando seus ombros ficarem tensos e seu rosto se curvar em resignação quando ele não negou, mesmo eu não tendo dito o nome.

Queria dizer que ele era filho daquele assassino. Queria gritar com ele por ter escondido isso de mim. Mas era óbvio. Era muito óbvio o que ele era. Quem ele era.

Eu já tinha disparado na direção de Seth antes que qualquer um dos guardas pudesse fazer algo, agarrando a adaga presa a sua cintura quando meu corpo se chocou contra o dele.



Continua...

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