Capítulo 6: Fantasmas.

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De todos os sonhos e pesadelos que eu tive naquela torre, esse nem se compara. Seth não parecia estar brincando. Na verdade, pela sua falsa calma, que na verdade era tensão, ele estava falando muito sério.

—Você não é obrigada a aceitar, é claro. Isso é uma proposta. Também não voltará para a torre se disser não. —Continuou, já que eu havia ficado em silêncio, sem tocar na comida na minha frente, apenas com os olhos fixos nele. —Mas essa é uma das suas duas opções. Se casar comigo e subir ao trono ao meu lado. Ou esperar meu pai, com sua saúde de ferro, decidir partir. Então eu iria deixar você subir ao trono, apesar de achar que meu pai não facilitaria nisso nem quando estiver morto.

—Eu tenho uma terceira opção. —Afirmei, antes que ele prosseguisse. Peguei o garfo, sentindo o cheiro da comida me deixar com mais água na boca. —Posso matar seu pai.

Ele soltou uma risada, parecendo não se importar em ouvir aquele comentário uma segunda vez na mesma noite.

—Eu adoro a sua sinceridade, sabia? —Olhei pra ele por entre meus cílios, vendo sua atenção na comida. —Quando decidi ir até aquela torre não achei que seria fácil. Mas você não é o que eu estava esperando.

—Estava esperando um animal ferido, pronto para aceitar seus cuidados? —Indaguei, soando um pouco ácida. Seth ergueu os olhos pra mim, avaliando meu rosto, antes de abrir um sorriso fraco.

—Não importa o que eu estava esperando. —Ele voltou a atenção pra comida, soltando uma risada e balançando a cabeça. —É melhor do que eu esperava. Mas ainda não sei se isso é bom ou ruim.

—Eu tentei te matar. —Lembrei, girando o garfo na minha mão.

—Eu sei. Isso foi... —Ele franziu a testa e balançou a cabeça. —Não sei o que pensar sobre isso ainda. Mas não a julgo por tentar me matar. Na verdade, tenho quase certeza que você vai tentar de novo, na primeira oportunidade que tiver.

—E porque está sentado aqui comigo? —Questionei, me sentindo confusa.

Ele soltou os talheres, soltando as mãos sobre a mesa, enquanto encarava o vaso de flores que estava no canto da mesa. Apertei o garfo na minha mão, sentindo meu coração acelerar a medida que o observava.

—Porque o mundo está uma loucura. O reino está virado de cabeça para baixo. Não quero morrer e ser esquecido, como se não tivesse feito nada para mudar o mundo em que vivo. —Afirmou, trazendo os olhos até mim. —Tenho medo de ser lembrado como o filho de um assassino. Quero ser lembrado por ser justo. Por me preocupar com meu povo. E se isso me trás até você, princesa, não me importo que tente me matar. Estou fazendo o que acho certo, tenho que lidar com as consequências dos meus atos e infelizmente com os do meu pai.

Seth ficou em silêncio me observando e então voltou a comer, como se estivessem dando o assunto por encerrado. Fiz o mesmo, ansiosa demais para comer. Podia aproveitar o momento para pensar no que ele disse. Comi cada garfada com gosto, sentindo o gosto da comida. Não me lembrava de quando comi algo tão bom assim. Seth não se importou quando comi uma segunda vez e então a sobremesa, desejando repetir ela também.

—Eu vou para o meu quarto. É a porta no final do corredor. Se precisar de algo, em qualquer horário que seja, pode bater na porta. —Murmurou, ficando de pé, enquanto eu ainda estava comendo. —E pense na proposta, está bem? Se desejar algo diferente, também pode me pedir.

Balancei a cabeça em concordância, passando a língua sobre os lábios ao sentir o gosto da torta de limão na minha boca. Seth se afastou até a porta, levando a mão até a maçaneta. Parei de comer, observando ele olhar pra mim com atenção, antes de suspirar e sair do quarto.

Soltei a colher, encarando a torta pela metade, antes de engolir o nó que estava na minha garganta. Eu estava cheia. Mesmo morrendo de vontade de comer mais, eu estava cheia e provavelmente colocaria tudo pra fora se tentasse comer mais.

Me coloquei de pé e caminhei até a janela, me permitindo ver o jardim da hospedagem em que estávamos. As flores e os arbustos davam vida ao jardim, cercado por um muro verde. A noite estava reinando lá fora, com estrelas minúsculas pintando os céus.

Meu pai uma vez me contou que existiam outros mundos por ai. E em um deles, as estrelas eram as maiores rainhas, pintando os céus com sua beleza real e única, formando constelações perfeitas e belas. Era um lugar que eu gostaria de conhecer um dia, se pudesse de fato ser livre.

Nos cantos escuros do jardim, eu podia ver a sombra dos guardas, esperando por qualquer coisa que talvez viesse tentar contra a vida do seu príncipe. Seth Ferraz era o príncipe que havia me salvado da torre e me pedido, indiretamente, em casamento. Mas também, era um elfo e filho do assassino que tirou tudo de mim.

Dei um passo para trás quando algo passou rápidamente na frente da janela. Meus dedos se agarraram ao tecido do vestido, enquanto meus olhos encontravam as várias figuras acinzentadas e pálidas que flutuavam pelo jardim.

—Fantasmas. —Murmurei, caminhando até a porta e saindo para o corredor.

Caminhei por ele, sentindo a madeira gelada em contato com meus pés descalços. Havia um par de sapatos no quarto. Mas eu estava acostumada a não usar nada, que parecia estranho usar algo com um salto tão grande. Além de eu não ter o mínimo equilíbrio sobre eles.

Desci as escadas indo em direção a uma sala de estar que havia ali, com portas de vidro que davam para o jardim. Parei sobre elas, observando os fantasmas que passavam pelo jardim e desapareciam pelos muros vivos, pra onde a cidade ficava. Haviam vários deles. Todos com roupas acinzentadas, pálidos, completamente sem cor alguma.

—Eles não podem entrar aqui. —Olhei por cima do ombro, vendo Seth escorado no batente da porta, observando os fantasmas pelas portas de vidro da varanda, como eu fazia antes de ele chegar. —Todas as casas e construções são encantadas para impedi-los de tentar contra a paz dos súditos.

—Eu sei. —Falei baixinho, não deixando que ele ouvisse.

Mas eu sabia sobre aquilo. Ainda me lembrava da minha mãe, contando histórias sobre os fantasmas, quando eles ainda podiam entrar nas casas e ficavam assustando as pessoas. Até que os feiticeiros foram chamados e tudo encantado, impedindo as almas de entrarem em qualquer construção, a menos que fossem convidadas.

—Eles a assustaram? —Seth se aproximou, parando ao meu lado, observando as tochas pelo jardim.

—Não. Eu só fiquei surpresa. Fazia muito tempo que não os via. —Comentei, pressionando meus lábios. —Na torre, eu os ouvia apenas.

—Sinto muito. —Ele suspirou, esfregando as mãos no rosto, parecendo cansado. —Sua vida deve ter sido terrível naquele lugar.

—Alguns dias eram piores que outros. —Dei de ombros, ignorando o ar de lamentação dele. Não me daria ao trabalho de me importar, com ele, ou com qualquer outra pessoa. —Se eu não me casar com você, o que acontece?

Ele me olhou de relance, parecendo surpreso, antes de voltar a atenção para o jardim.

—Você ficará vivendo em uma casa de campo. Vai ter tudo que uma verdadeira princesa merece ter. Quando meu pai morrer, renuncio ao trono e o entrego. Mas como eu disse, tenho certeza que ele não irá facilitar nem um pouco, nem mesmo assim. —Afirmou, engolindo com um pouco de dificuldade, enquanto eu o encarava. —Ainda acho que sua melhor opção é se casar comigo. Assim não corremos risco de ele... tentar matá-la ou qualquer outra coisa. Você terá minha proteção, além de viver no castelo, como sempre deveria ter sido.

—Certo. —Mordi meu lábio com força, apertando minhas mãos juntas.

Seth estava ocupado olhando para os fantasmas no jardim. Mas eu tinha certeza que sentia que eu o olhava. E eu também tinha certeza que ele sabia que eu tentaria matar seu pai, na primeira oportunidade que tivesse. Não pelo trono, mesmo que ele me pertencesse, mas porque ele merecia morrer por tudo que fez.

—Eu aceito. —Murmurei, vendo ele voltar os olhos pra mim, parecendo surpreso por já ter ganhado uma resposta, tão rápida. Mas se esse era o preço para chegar até Castiel Ferraz, eu estava disposta a pagar. —Eu aceito me casar com você.



Continua...

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