Capítulo 4: Cicatrizes.

2.5K 385 87
                                    

Meu sangue parecia brasa. Meus braços doeram com o impacto do meu corpo contra o de Seth, uma parede firme de músculos. Mas ainda consegui pegar a adaga. Os guardas estavam me puxando para longe dele no mesmo instante em que eu erguia a lâmina e o atacava. Seth se defendeu, fazendo a lâmina deslizar um pouco a baixo da sua clavícula, de raspão.

Não esperei para ver a reação dele. Me debati contra os guardas, mordendo uma das mãos que me segurava. Eles pareciam estar mais preocupados com o bem estar de Seth do que comigo, já que eu fui jogada no chão. Não pensei, eu apenas corri e passei pela porta.

Ouvi o grito de Seth atrás de mim, mandando os guardas me pegarem. Disparei por aquele corredor, me sentindo zonza pelo esforço repentino. Cheguei até uma escadaria que descia em caracol, me obrigando a agarrar a saia do vestido e começar a descer.

As pedras pinicavam no meu pé e meus tornozelos queimavam a cada passo apressado por aqueles degraus. Me segurei nas paredes, quase caindo quando perdi o equilíbrio. Cheguei ao final da escadaria, empurrando uma porta de madeira que estava no caminho, antes de chegar a um corredor que dava para a entrada da torre.

Disparei pela porta, fechando os olhos quando a claridade bateu contra mim. A chuva ainda estava caindo com força. Haviam cavalos ali e alguns guardas. Todos olharam pra mim, parecendo surpresos enquanto levavam as mãos as espadas.

Corri pela lateral da torre, tentando chegar a floresta, ouvindo os gritos deles e vendo-os virem atrás de mim. Entrei na floresta, sentindo meu cabelo grudar no meu rosto enquanto corria pelo chão úmido e sentia a chuva encharcar minhas roupas e a terra molhada saltar nas minhas pernas.

Tropecei, caindo sobre a lama, sentindo todos os meus músculos tremerem em reprovação. Meus olhos arderam e minha garganta se fechou com a onda de dor que varreu meu corpo. Tentei me levantar, mas meus braços tremeram e minha mente girou e virou pó quando a falta de ar tomou conta de mim. Eu não tinha forças pra correr. Não tinha forças para ficar de pé. Minha mente virou um borrão e eu forcei meus olhos a ficarem abertos.

—Não se mecha! —Alguém gritou, me puxando bruscamente para ficar de joelhos. Cai sobre a lama de novo, sem forças para ficar de pé. Meu corpo estava lento e pesado, enquanto eu sentia minha mente lutando para não apagar.

—Não toquem nela! —Ouvi a voz de Seth se aproximando. —Eu disse pra não tocarem nela!

Mordi meu lábio, tentando focar minha mente e não desmaiar ali, com meu corpo tão fraco. Não pensei que conseguiria ir tão longe. Mas pensei, por alguns segundos, que conseguiria me ver livre. Meus olhos embaçados encararam a floresta ao redor, enquanto minha respiração falhava.

Senti uma capa sendo colocada sobre mim e mãos firmes nos meus ombros.

—Não me toque! —Grunhi, contra o toque dele sobre mim. Ele não me ouviu, já que envolveu meu corpo nos seus braços. —Fique longe de mim!

Mas ele já estava me erguendo nos braços, com meu rosto sendo pressionado contra seu peito. O calor do corpo dele aqueceu o meu, enquanto eu tremia enrolada naquela capa, com o corpo molhado e os cabelos grudados no rosto. Pude ver a mancha escura no sobretudo azul que ele usava. E enquanto ele me carregava até onde os cavalos estavam na frente da torre, observei a água tingida de vermelho que escorria dele para minhas mãos, que estavam contra seu peito.

Apaguei antes de chegarmos aos cavalos. Meu corpo estava mole demais para que eu tentasse fazer o menor esforço que fosse.

[...]

Fitei o teto de madeira, sentindo o ar quente ao meu redor, assim que abri os olhos. Virei a cabeça para o lado, vendo a lareira ali, acesa, com as chamas do fogo aquecendo cada canto daquele cômodo. Me sentei na cama, sentindo meu rosto corar ao perceber que minhas roupas haviam sido trocadas por um vestido limpo, de tom violeta claro, e meu corpo banhado com algum sabonete perfumado.

—Posso assegurá-la que não foi eu. —Olhei para o lado, me sobressaltando ao ouvir a voz de Seth. Ele estava sentado em uma poltrona. Também com roupas limpas e os cabelos úmidos. —Foi uma bruxa e a filha dela. Pedi para que cuidassem de você. Seus machucados foram curados também.

Empurrei as cobertas e puxei a saia do vestido antes mesmo que ele terminasse de falar. Observei minha pele curada. Havia marcas e cicatrizes nos meus tornozelos. Mas a pele estava curada e corada. Deslizei minhas mãos por ali, sentindo minha pele macia, diferente do que eu estava acostumada. Um único banho decente, foi só o que eu precisei.

Olhei para Seth, que observava meus movimentos com atenção, ainda sentado naquela poltrona, como uma estátua. Seus olhos estavam nas minhas mãos e dedos, enrolados no meu tornozelo. Mas logo subiram para meus olhos quando ele percebeu que eu o encarava.

—Meu ferimento foi curado também, caso esteja curiosa pra saber. —Murmurou, curvando os lábios em um meio sorriso. —Apesar de eu ter certeza que não está nem um pouco arrependida.

Ignorei o tom casual dele, como se não ligasse para o jeito que eu o ataquei quando soube de quem ele era filho. Seth ficou de pé, se aproximando. Me movi sobre a cama, ficando de pé também, deixando ela entre nós dois.

—Sei que odeia meu pai. E tem todos os motivos pra isso. Mas eu, assim como você, era só uma criança quando tudo aconteceu. E eu não fazia ideia do que meu pai tinha feito pra conseguir chegar aonde está hoje, sentado no trono. —Afirmou, enquanto mantinha os olhos fixos em mim, parecendo nem estar respirando. —Eu descobri todas as partes sujas da história a poucos dias. Sobre a forma que seus pais foram assassinados pelo meu. Sobre você e seus irmãos. Pensei que todos estivessem mortos. Mas quando soube que você estava viva, presa naquela torre, soube que deveria fazer algo. Deveria tentar reparar tudo que meu pai fez contra vocês.

—Meus irmãos estão vivos? —Indaguei, pressionado meus lábios quando uma onda de ansiedade e angústia tomou conta de mim, ignorando todo o resto.

—Eu não sei. Para ser sincero, o que eu ouvi foi que você foi a única dos três a ser encontrada com vida. Mas todos acham que os dois morreram. Eles tinham o que... 6 anos?

—Cinco. —Sibilei, cerrando minhas mãos. —Eu tinha seis.

—Bem, é provável que eles não tenham...

Ele não terminou, deixando a resposta no ar. Não ousei demostrar qualquer emoção, apesar do meu coração apertado. Quando os lancei naquele barco, sobre as águas, estava torcendo para que chegassem em alguma vila e que alguém cuidasse e os protegessem. Eu fiquei para trás por isso. Porque seria a distração perfeita.

—Lamento por isso. —Afirmou, arrancando uma risada sarcástica de mim.

—Não quero sua pena. Não quero suas lamentações. —Joguei as palavras contra ele, da forma mais grosseira possível. —Quero matar seu pai e quero meu trono por direito!



Continua...

O Trono da Rainha Onde histórias criam vida. Descubra agora