Devotion • Kai e Will

Capítulo 1

Cinco anos atrás - Kai

Sempre me perguntei o que havia de tão especial na devoção, em entregar todo o seu tempo, sua vida, sua fé a uma coisa ou alguém. Não que não ame meus pais, meus amigos, o basquete, é só que a ideia de entregar minha vida a apenas uma coisa me assusta, a ideia de depender da existência de alguém para ser feliz não entra em minha mente.
*Por que diabos estou pensando nisso em uma quarta-feira em plena nove da manhã?*

Balanço a cabeça pela milésima vez, tentando ao máximo me concentrar na voz do senhor Tomás, sempre me dediquei a escola e ao que ela irá me proporcionar, meus pais sempre deixaram claro o que ter uma descendência asiática poderia atrapalhar em Thunder Bay, como os mais ricos e ignorantes me olhariam com desprezo. E talvez seja por isso que desde muito novo tudo o que eu faço me proponho a ser o melhor.

— Está com seu papel de atraso assinado? - minha atenção finalmente vai ao professor de história, sua calça surrada, a blusa amarrotada, barba por fazer, nunca entendi o motivo dele continuar a trabalhar nesta escola com essa aparência, não que isso mudasse sua inteligência, mas nossas mensalidades são longe de serem baratas o que deixa claro que seu salário não é de todo ruim para cuidar assim da sua aparência, sendo apenas desleixo e eu odeio desleixo.

— Eu - uma voz doce mais quase inaudível vem da porta - Eu não - a voz fica um pouco mais alta, como se estivesse criando coragem para falar - Ninguém me contou que iria precisar de um papel- as palavras finalmente percorrem a sala em bom tom e meus olhos seguem o som.

Ela está a centímetros da porta, com os livros abraçados ao peito os apertando tanto que da para ver a vermelhidão nas pontas, sua saia era bem passada e três dedos acima do joelho, as meias brancas vão à metade de sua canela, os sapatos pretos e bem limpos .

Meus olhos continuam a subir pelo seu pescoço desnudo, seu cabelo preso em um rabo de cavalo no alto da cabeça fazendo os inúmeros cachos caírem até a altura de seu ombro, quase sorri ao ver os cachos tão pequenos e grudados, não era esses que as garotas fazem em salões, são os verdadeiros, como se seu cabelo fosse quase aqueles macarrões instantâneos, tirando pela cor a qual nunca vi um macarrão entre o ruivo e vermelho.

— São as regras da escola, se chegar depois do professor tem que exibir o bilhete de atraso assinado pelo diretor- Tomás nem se quer dá ao trabalho de virar o rosto para ela, focando sua atenção no que está a escrever no quadro.

— É o meu primeiro dia, senhor - sua voz sai fraca e percorro seu rosto, vendo os olhos cor de mel ficarem marejados, sua aparência é genuína, seu rosto é delicado como o de uma boneca de porcelana.

— Eu não faço as regras senhorita, sem papel sem aula - idiota, velho estupido e idiota.

— Mandaram o endereço errado para minha casa, eu fui para o outro lado da cidade para descobrir que era o endereço de um bordel - sua respiração acelera - Caminhei por duas horas para chegar aqui senhor, sequer fui recebida pelo diretor ou qualquer outra pessoa para me passarem o mínimo de informação- senão estivesse no fundo da sala tenho certeza que conseguiria ver com nitidez a fina lágrima que escorre do quanto de seus olhos - Sua aula estava no cronograma que me mandaram, eu só pensei em estudar e finalmente poder sentar - sua voz é tão frágil, mas sua postura permanece completamente ereta, gosto de pessoas assim, que mesmo ao se machucarem não recuam, ela é interessante. E pensei comigo mesmo se ela já não havia andando até o bordel antes de ter que vir para cá novamente.

— Sem papel, sem aula - ele finalmente vira seu rosto analisando-a de cima a baixo. *verme, estupido*

— Seria melhor ter ficado no bordel, lá tem várias camas para se sentar - a voz de Damon ecoa pela sala fazendo todos ali rirem, de todos os meus amigos Damon era o único a qual tinha desavenças, nada que seja grave, sempre um opinião diferente, um jeito de viver diferente. Seus olhos correm ao moreno em minha frente, provavelmente a analisar a aparência macabra do maior, sua altura era igual a minha chegando aos um e noventa, sua corpo era menor que o meu em músculos, mas seu rosto com toda certeza é mais bruto e masculino que o meu.