Capítulo 22

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Dias atuais - Kai

Respiro profundamente inalando o ar puro, minhas mãos vão ao couro cabelo puxando com força os fios. Na tentativa de recobrar a consciência, colocar a cabeça no lugar, alinhar os pensamentos avulsos.

Sempre fui ponderado, meus passos e ações são planejados, uma vida estável, antes da prisão já estava na faculdade, assim que sai foi preciso apenas dois meses para recuperar o rumo. Continuar a faculdade, abrir minha própria academia, não precisar mais de fundos ou ajudas bancárias dos meus pais, o que eu quero compro com meu dinheiro.

Eu gostaria de acreditar que nenhum dos dias não estava tentando provar algo, que em nenhuma das noites em branco, das horas sem dormir, da exaustão, era apenas para provar para ela, mesmo que em meu inconsciente que não era um riquinho de merda que se ela estivesse viva eu seria homem o suficiente para construir um lar próspero e seguro assim como meu pai fez.

Mas então chegava a madrugada e no instante que minha cabeça encostava no travesseiro a lembrança de seu corpo morto me vinha a mente, a impotência, angústia me atingiam com tanta força que por duas vezes fui às pressas para o hospital acreditando fielmente que estava sofrendo um infarto.

Foi quando fiz de Will minha válvula de escapa, saídas aos clubes masculinos, jantares, filmes, viagens, passeios, até mesmo levar Emory aos seus compromissos só para quando a deixasse em casa ele me olhasse com aqueles olhos inocentes a dizer "Vem jantar conosco, tem um lugar na mesa para você", estar com ele me lembrava uma época boa da vida, estar com ele me trazia resquícios dela.

– Pobre árvore- a voz zombeira invade o ar livre vendo os socos repetidos que dou no caule da grande árvore a frente da cabana - Não acho que tenha sido ela que se fingiu de morta, mas se isso te consola - seu corpo se recosta ao lado do tronco com os braços cruzados e o rosto a me encarar com advertência *o que eu fiz agora, Will?*

Melhor do que entupir o nariz com cocaína - olho profundamente em seus olhos e aproveito para tirar os fios de cabelo que caem em meu rosto.

– Que baixo, Kai - um sorriso tímido sai de seus lábios- Não podemos nem cometer uns deslizes na vida - sua voz é tão calma e brincalhona, como se toda essa situação não o afetasse em nada.

– Então não ligaria se contasse a Emory aonde fica seu estoque? - limpo as mãos suadas e com gotículas de sangue na calça de moletom.

– Você sabe que não uso mais - seu rosto agora fica sério.

– Eu sei - rolo os olhos, o conhecia o suficiente para saber quando ele havia usado ou não, até porquê foi eu que vi todas as vezes que seu corpo utilizou desse escape na prisão- Só não vejo necessidade de guardar algo que não usa - sinto o suar a descer pelo meu abdômen nu - A última coisa que você guardou como troféu nos pós na cadeia - eu tinha completa ciência de que seu estoque é apenas para inflar seu ego, olhar para todas aquelas drogas e ser forte o suficiente para não usá-las, assim como ter todos os vídeos de nossos delitos como um símbolo de vitória.

– Eu acho que ela teve um motivo - seus olhos agora a me encarar com calma novamente- Não um bom motivo, mas na hora do desespero o suficiente para parecer que era um motivo plausível- o analiso com atenção.

– Teríamos resolvido qualquer um que seja o motivo- minha voz sai ríspida, ela podia ter me falado, eu resolveria.

– Assim como impedimos Chad de espanca-la ? - suas palavras cortam o ar, minha mente se lembra de todos os eventos daquela noite, mas nunca em todos esses anos me deixei pensar no que ele havia feito com ela, como havia batido em seu corpo, o que disse enquanto fazia isso, se ela gritou por socorro, se gritou por mim. Essa é sem dúvidas a maior dor da minha vida, ser um incapaz, ser fraco o suficiente para ter deixado seu pequenino corpo passar por tudo isso - As vezes antes de dormir, quando estou em minha cama, com minha mulher em meu peito, posso jurar que ouço gritos pela casa - seus olhos encaram o céu a puxar o ar - Eu posso jurar que ouço os berros dela e o som dos ossos se quebrando- engulo em seco - Eu tento levantar da cama todas as vezes, mas aí me lembro que os dois já estão mortos - seus olhos voltam a mim - Agora só um dos dois - entendo seu recado, fizemos coisas naquela noite que deveriam nos assombrar, mas o que me assombra é que faria todas novamente.

Devotion • Kai e WillOnde histórias criam vida. Descubra agora