I: Pesadelos

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I

JANEIRO DE 2020.

As pessoas não paravam de gritar o seu nome. Era um feliz aniversário para lá, e feliz aniversário para cá. Irritante. Mas sua esposa o quis assim, então não discutiu. A festa já tinha sido preparada; bolos de fada, salgados, doces, o seu tão amado manjar de ameixas-dirigíveis — a única coisa boa dessa bagunça — e claro, convidados. Ele não queria nada disso, porque não era mais criança. Até um chapéu-cone de festa de listras verdes com pompom preto colocaram na sua cabeça.

Sessenta anos. Severo Snape não esperava viver por tanto tempo, mas o 6 e o 0 das velinhas em cima do bolo já mostrava o que era óbvio há muito tempo: ele se tornou um idoso. A sua alta fase de Comensal da Morte não existe mais. Por mais que doesse em sua alma, e no frágil coração acometido por uma arritmia cardíaca, precisava admitir que agora era um bruxo aposentado, e que precisava ser mais cuidadoso em relação a sua saúde.

— Parabéns para você... nesta data querida... muitas felicidades... — todos cantavam, mas ele só ficava olhando para Cassiopeia Snape, sua filha mais velha, acendendo as velas com um toque da varinha nos pavios — ... muitos anos de vida.

— Faz um pedido, pai. — disse Joanne Snape, sua sexta filha, que tinha nas mãos, sua pufosa de estimação, chamada Polly Shelby.

— Que pedido? Não quero nada...

— Não seja tão chato, Severo. Faça um pedido, mesmo que não queira nada. — disse Erina, sua esposa.

Severo olhou para as velinhas acesas e tentou pensar em alguma coisa. O negócio mais inútil que passou na sua mente, ele desejou, e apagou as velas, arrancando palmas e gritos dos convidados.

Irritante. Tão irritante...

E não deu outra. A celebração começou assim que ele se afastou da mesa principal; falatórios de adultos misturados com gritos de crianças se espalharam pela Casa de Pedra, e o seu azedume aumentou. Resolveu ir para o quarto dormir um pouco, pois nem toda aquela barulheira iria impedi-lo de tirar uma soneca — ele era um senhor de idade, e precisava de descansos a cada hora.

Assim que preparava a cama, foi pego de surpresa por Erina, que entrara loucamente a procura dele e gritando seu nome, e acabou tropeçando devido ao salto alto, caindo em cima do marido. Os dois foram parar em cima do colchão, que amorteceu a queda violenta.

— Mas o que foi isso?! — perguntou ele, tirando mechas do cabelo da frente e olhando indignado — Enlouqueceu de vez, foi?

— D-desculpa, Severo... e-eu estava te procurando. Por que não quer ficar na festa?

— Você sabe que eu não gosto. E eu não tenho mais dez anos de idade. — ele percebeu que ainda estava com o chapéu-cone e o removeu bruscamente — Sou um idoso, e vocês estão me tratando como se eu fosse uma criança.

— Mas como é chato, não? — Erina se levantou da cama — O que custa comemorar o próprio aniversário junto da sua família? Talvez esse seja o seu último aniversário com todo mundo reunido, sabia?

— Por que diz isso?

— Apenas um pressentimento. Então, larga de cu doce... — Erina o puxou pelo braço e colocou o chapéu-cone de volta na cabeça do marido — ... e volte já para lá.

Depois de tanta insistência, aceitou o que a esposa quis e voltou para a festa, mas não ficou muito tempo na sala de estar, ficando mais na cozinha bebendo vários copos de seu conhaque favorito — era um dos raros momentos em que ele poderia beber o que quisesse, sem que ninguém ficasse lhe perturbando.

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