Com tanta coisa rondando a minha mente, faço o que sempre faço quando ser eu mesma se torna insuportável: torno-me outra pessoa através das palavras.
Fico reclusa no meu quarto e trabalho nos capítulos finais de Chrysanthème, cuja carga pesada me exaure ao ponto de chegar a sonhar outra vez com a mulher de olhos e cabelos escuros, cuja expressão fica cada vez mais sombria.
Pergunto-me se o que eu escrevo se encaminha para o que aconteceu de verdade, já que não tive muitas informações factuais com as quais me basear, além das poucas notícias e da carta. Embora uma parte minha tenha cogitado pedir ao rei acesso aos diários de Yifan, não quis parecer abusada com sua boa vontade. Então tentei confiar na minha imaginação para preencher as lacunas.
Os capítulos finais do livro falam sobre a fuga de Chrysanthème antes da sentença da rainha e do príncipe, sobre a morte de Rosemary, o nascimento do suposto filho de Yifan e o recebimento da carta jamais respondida pelo príncipe.
Embora seja fã de finais felizes, quis me manter fiel à dedução óbvia do fim da história: Yifan morreu e jamais conheceu o filho ou reencontrou Chrys, que termina a história inegavelmente sozinha e embarcando em um navio para longe de Orion, em busca de um recomeço:
"Ela não sabia o que a aguardava além do oceano e, inevitavelmente, teve um devaneio com a viagem de dois anos antes, quando cruzou outros mares para chegar até ali. Era apenas uma menina inocente e com o coração cheio de uma ânsia por algo novo, que se negava a ver maldade nos outros e, por causa disso, perdeu-se. Acreditou em quem não devia, tornou-se amarga e desconfiada. Completamente diferente da menina, cultivou nojo de si mesma e se condenou ao isolamento até acreditar que poderia ser amada mesmo assim... só para ter seu coração partido outra vez, em definitivo.
Chrysanthème...
Aquela menina não existia mais. Suas pétalas de flor haviam sido esmagadas pela ganância, a malícia, a crueldade e o luto... tal como a flor fúnebre que representava.
Em seu lugar, agora estava uma mulher sem forças para lutar por si mesma, mas que se amparava na criança em seus braços para continuar e atravessar outro oceano em busca de um lugar distante e seguro.
Seu nome passaria a ser Wang Shun Hue, como quiseram seus pais antes de morrer. Apesar de não haver mais pétalas nesse crisântemo, seu caule resistiria. Orion podia se esquecer dela, mas, um dia, o reino seria obrigado a lembrar".
Lágrimas nublam a minha visão da tela do computador ao acrescentar o último ponto final e passo a ser inundada de uma sensação mesclada de cansaço e vitória pelo trabalho parcialmente finalizado.
Ainda há muito a ser feito até a publicação do primeiro romance da Huang Jin Mi, mas sinto como se estivesse começando a me despedir da Chrysanthème desde já. Depois que enviar a primeira versão do romance para Julia, ela deixará de ser só minha e começará a ser do mundo.
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SOBRE A REALEZA E PAIXÕES ACIDENTAIS - ATO I
RomancePARTE UM: Sobrinha do rei de Orion, Antonella Lawrence cresceu sob rédeas tão curtas quanto as de qualquer membro da família real Greenhunter. Apesar de a possibilidade de sua ascensão para uma posição mais alta na linha de susceção ser baixa, ela n...