Capítulo 2

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🔥 Catena 🔥

Vozes enjoativas parecem cantar no tom de uma música insuportável. Abro meus olhos e acendo a tela do celular, sendo cegada brevemente pela luminosidade. No relógio digital, marca 07h30, o despertador sequer tocou e meu cérebro já maquina mil e uma formas de matar Belinda.

A insônia permeou tão profundamente em minha cabeça que fitar o teto escuro do quarto me dava calafrios. Perambulei pelos corredores da universidade, quase me perdendo no labirinto de paredes beges e piso branco, reluzente por causa da limpeza feita pelo zelador.

Fui pega em minha voltinha noturna às 03h, quando o guarda universitário me encontrou no santuário de livros, que escolhi como meu esconderijo secreto, e mandou-me para o dormitório sob ameaça de advertência. Imagina que currículo estudantil invejável, ganhando uma advertência na primeira noite no campus. O sono decidiu me abraçar somente às 05h, o que significa que dormi por apenas duas malditas horas, graças a Bee e suas músicas odiosas.

Me sento na cama, sonolenta, olhando para o nada enquanto afasto o edredom. Toco a corrente presa ao meu pescoço, sentindo o metal frio sob meus dedos. O pen drive está a salvo e amanhã estará nas mãos do cliente, só preciso sobreviver à ansiedade até lá.

— Já está acordada? Que bom, eu pedi café — Belinda fala fazendo bico enquanto passa o gloss nos lábios.

— Vou precisar — murmuro, bocejando.

Batidas na porta a fazem sair correndo do banheiro, saltitante como uma gazela correndo pelos campos na primavera. Observo a interação entre ela e o rapaz da cafeteira do campus, o crachá marca o nome de Josh, mas a carteira de habilitação tirada em Cosenza traz o nome de Lionel, despertando meu lado curioso/investigativo.

Fiquei chocada quando descobri o que se podia achar nos labirintos obscuros da Web, usando um conjunto pouco sofisticado de códigos, mas minha vontade de ir além me fez criar algo totalmente novo, que levei anos para aprimorar. Um algoritmo que trouxe as informações de forma rápida, indexável e principalmente, sem deixar rastros a serem seguidos. Apelidei gentilmente de Fantasma.

O conjunto de códigos vive somente dentro da minha cabeça, ele é tudo que eu sou e tenho. O algoritmo faz parte de mim.

Durante as horas em que a insônia eleva meu cérebro à agitação, chamando a ansiedade para se juntar à festa em que faz meu corpo tremer, investigar a vida dos outros serve de distração e calmante para esse meu lado pouco controlável.

Por exemplo, a Bee é a mais nova entre cinco irmãos, filha caçula de bancários riquíssimos em Marino, cujas contas bancárias passam dos seis dígitos. Belinda morou boa parte da adolescência na Suíça, no "College Alpin Beau Soleil", onde teve incidentes com alguns adolescentes, que foram abafados por doações generosas de seus queridos pais.

Ela se formou com notas medianas e obteve o "Bacharelado Internacional, Currículo dos EUA e o Currículo Suíço". Depois, mudou-se para Las Vegas e protagonizou alguns vexames nos tabloides americanos durante as férias na casa de seus avós, que também são bancários. Este é um legado que se estende de geração a geração na família Padovano. Por fim, mas não menos importante, nossa querida Belinda veio para Roma seguir os passos dos pais, cursando Negócios e Gerenciamentos em "La Sapienza".

Um verdadeiro orgulho Bee.

Ela fecha a porta com o pé, enquanto suas mãos estão ocupadas com dois copos de café fumegante, que me deixam com água na boca.

— Não sabia que dava para pedir café no quarto — comento, despretensiosamente.

— Não dá, mas Josh é um amor — sorri, corando as bochechas.

Sorrio de volta para ela e aceito o copo de café, tomando o primeiro gole, que desce pela minha garganta, despertando todos os sentidos que ainda estavam adormecidos.

Cafeína e seus milagres.

Belinda passa a escova nos fios claros e escorridos, enrolando as pontas para fazer cachos imaginários. Observo a forma como ela se comporta em seu ritual de beleza, que acredito ser diário.

— Quer emprestada? — ela me oferece a escova.

Balanço a cabeça em negativa, enchendo a boca de café e rezando para que ela faça o mesmo.

— Tem certeza? Você precisa de um pouco, sabe? — insiste.

Ok, Belinda, um copo de café não será suficiente para salvar sua vida.

Coloco o copo na escrivaninha, ao lado do meu notebook, e pego minha toalha, seguindo para o banheiro.

— Obrigada pelo café, amanhã é por minha conta — falo, fechando a porta.

Me atraso de propósito para evitar a fila quilométrica da entrada do anfiteatro. Quanto menos interação com os outros, melhor. Na verdade, Belinda já vale por um milhão de colegas de classe, então minha interação obrigatória está garantida até o final do ano letivo.

Me esgueiro para dentro do anfiteatro e me sento na última fileira, escondendo-me na parte mais escura, perto das cortinas vermelhas. A agitação dos demais é inevitável. Para alguns, agora começa o período de caça e recrutamento de fraternidades. Para outros, assim como eu, será o período de adaptação e foco nos objetivos. Graças aos meus cursos e atividades, os dias serão cheios de trabalhos, sem me dar tempo para pensar em quão solitária é minha vida.

Ligo o tablet e começo a ler minha planilha de aulas. A palestra sobre o histórico perfeito da universidade ou advertências sobre o consumo de álcool e substâncias ilegais não me interessam. "Trabalhe enquanto eles se divertem, para se divertir enquanto eles trabalham", li essa frase em algum livro motivacional da tia Amália, e mesmo sendo a coisa mais tosca que alguém já escreveu, é uma boa analogia.

Paro em frente à porta, respirando fundo e desejando ao universo toda a sorte do mundo. Enfrentar uma sala cheia de olhos curiosos não é nada fácil. Entro na sala branca e o gélido ar do ar-condicionado me dá boas vindas. Caminho em direção à mesa do fundo e me sento na cadeira estofada, precisando ajustar o tamanho para ficar mais confortável na bancada. O professor entra, fecha a porta e toma para si a mesa no meio da sala.

— Bom dia, turma. Sou Luigi Monaldo. Como a palestra não nos deixou muito tempo, vamos usar os minutos que restaram para nos conhecer melhor — sorri, deliciando-se da cara de desespero dos alunos.

— Só o nome, ok? Sem pressão — senta-se sobre a mesa, entrelaçando os dedos e pousando-os na perna.

O silêncio paira no ar como um pedido de socorro. Tenho a brilhante ideia de lentamente descer a cadeira, na tentativa de me esconder atrás do notebook na minha frente.

Começo a controlar minha respiração, como se ao menor movimento algo fosse me atacar. Deslizo os dedos pelo assento e toco a alavanca, puxando-a devagar. O ganido que sai das engrenagens parece de um animal agonizando, chamando a atenção de todos e me fazendo virar uma estátua de olhos puxados e arregalados.

— Ótimo, temos a primeira a se apresentar — pisca, inclinando o corpo levemente para frente.

Queria ser somente a fantasma agora, sem rosto e sem rastros. Ser Catena está sendo cada vez mais difícil, principalmente quando desperdiço todas as oportunidades de me tornar invisível na multidão de estudantes.

— Me chamo Catena... Catena Pisano — falo em tom de voz fingidamente tranquilo.

 Catena Pisano — falo em tom de voz fingidamente tranquilo

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O Código da CalábriaOnde histórias criam vida. Descubra agora