Capítulo Quinze

861 122 12
                                    

Kazimir


 Eu era muito novo quando meus pais morreram e não me lembro de muita coisa, mas meu irmão viveu todo o horror, foi ele que encontrou o corpo de nossa mãe. Ele nunca disse exatamente o que fizeram com ela, mas o pouco que ele falou foi mais do que o suficiente para me fazer odiar a família McCarthy tanto quanto o meu irmão.


 Nossa vila foi dizimada por um "ataque de precisão cirúrgica", realizado para eliminar um líder terrorista que se escondia nas montanhas próximas da vila. O ataque saiu errado e ao invés de atingir as montanhas, nossa vila foi dizimada. Anos mais tarde assisti uma entrevista do então coronel McCarthy afirmando que o erro foi um dano colateral sem maiores consequências.


 Os danos colaterais foram pessoas em chamas ou em pedaços, quem não morreu diretamente pelas explosões foi trucidado pelos "aliados": mercenários e terroristas que recolhiam as sobras dos ataques.


 Depois de todo esse terror, eu e meu irmão fomos criados por nossos tios, irmãos de minha mãe, que viviam em outra localidade, muito longe de onde tudo aconteceu. Eles fizeram todo o possível para apagar o horror que meu irmão viveu. Ele nunca falou muito sobre isso, mas conhecendo um pouco da história da região onde nascemos sei que ele sofreu bastante antes de fugir e se esconder comigo nos esgotos.


 Se ele sofreu um terço do que impôs ao filho mais velho do McCarthy, Cillian, prefiro nunca saber. Fiquei com tanta pena do soldado que pedi ao meu irmão para me deixar mata-lo. Melhor morrer de uma vez que ser torturado daquela maneira, mas tenho que admitir, ele foi bravo, resistiu por quatro dias inteiros. Nunca vi seu corpo, mas ninguém sobreviveria aquilo.


 A morte de seu irmão Jesse foi espetacular: em uma explosão, como as que ocorreram em nossa pequena vila com as bombas que foram lançadas por seu pai. Não sei como a mãe deles morreu, eu tinha entre cinco e seis anos quando aconteceu, meu irmão já estava com uns 13, mas sei que ele não a matou. É a única coisa de que tenho certeza. Pouco antes de desaparecer ele me contou sobre a morte de Aedus e como a filha caçula do McCarthy escapou. E me incumbiu de acabar com ela.


 Bella e Aedus foram sequestrados quando tinham 13 e 14 anos respectivamente. Meu irmão contratou algumas pessoas realizar a tarefa. Pelo que ele me contou os dois foram amarrados, sem roupas, de pé, a maior parte do tempo, suspensos pelos braços, e um assistia o outro ser espancado até perder os sentidos.


 Mesmo sendo apenas uma menina, Bella era mais dura que seu irmão, e mesmo estando com os braços amarrados, pendurada em uma corda, ela tentou por duas vezes pegar o sequestrador com as pernas; se pendurando nas cordas; e talvez por isso tenha apanhado muito mais que o irmão. Ou porque o sequestrador fosse um pervertido.


 Os espancamentos deveriam causar mais dor que lesões. Eles morreriam lentamente, um assistindo o outro morrer. No quinto dia no cativeiro eles estavam esgotados, mais mortos que vivos e o sadismo do meu irmão e do sequestrador parecia se tornar cada vez maior. Por duas vezes eles ameaçaram estuprar Bella na frente do irmão; e realmente a tocavam de uma maneira que tenho enjoos só de lembrar meu irmão contando, ainda tenho dificuldades de acreditar que ele foi capaz de fazer isso com uma menina de 13 anos e não sentir nenhum tipo de remorso.


 No sexto dia meu irmão soltou a corda que prendia a mão de Aedus e colocou uma faca nela dizendo "se você se matar agora, eu liberto sua irmã sem foder com ela na sua frente". Aedus cravou a faca em seu estômago, sentado em uma cadeira de frente para a irmã, que assistiu a tudo sem poder fazer nada e ainda ficou amarrada por mais um dia inteiro, sem água e sem comida em frente ao corpo do irmão. Depois desse dia, eles a moveram para um galpão, perto da cidade, onde ela foi encontrada. Mas ela ainda ficou mais três dias em cativeiro; e ainda apanhou muito nesse tempo.


 Lembro-me do meu irmão contando de que Bella era tão gostosa que ele simplesmente não conseguia parar de possuí-la, mesmo que ela não estivesse acordada para se lembrar. Sempre achei que ele estivesse inventando, se gabando de algo que não havia feito, para parecer mais mal do que realmente era, mas hoje não sei mais o que pensar em relação a isso, meu irmão não é mais o homem que eu pensei que ele fosse... talvez nunca tenha sido. O homem que o ajudou foi morto menos de seis meses depois do sequestro e meu irmão se enterrou completamente no submundo, mas antes me fez jurar que mataria "aquela vadia".


 Dois anos atrás eu recebi um recado do meu irmão. Ele se tornou um mercenário e traficante de armas, estava envolvido em uma guerra de traficantes e me lembrou da promessa que fiz, deixando muito claro que se eu não eliminasse Bella, ele tiraria meu coração. Minha vida não tem o menor interesse para ele, ressaltou, a não ser que eu sirva como uma de suas armas; agora, em sua mente doentia, sou apenas mais um de seus capangas descartáveis. Mas depois que conheci Bella... eu não posso simplesmente acabar com ela, não é culpa dela o que aconteceu. Só que, se eu não fizer, quem morre sou eu.


 Abraça-la em meu barco me tirou a certeza da vingança, a única coisa que queria é esquecer tudo e ficar com ela para sempre, casar, ter filhos e viver feliz em algum lugar longe de todos que possam lhe causar alguma dor.


 Ela é doce e suave como as noites de primavera, com seus cheiros e sabores. Quando se olha no fundo daqueles olhos negros como a noite há uma dor tão grande que parece que nunca passará; e, infelizmente, a culpa dessa dor é minha.


 Eu sei que o melhor que tenho a fazer é me afastar completamente dela, mas eu não consigo. Ela é como uma droga da qual preciso cada vez mais.

Flor da PeleOnde histórias criam vida. Descubra agora