A Despedida
Depois de mais um dia inteiro perdido, completamente dopada, acordo com Kiera me visitando novamente e louca para me mimar mais um pouco. O problema é que com ela veio William, que não perdia uma única oportunidade de ficar perto de mim, de me tocar.
Mesmo querendo ser desagradável com ele, eu não conseguia e o máximo que fui capaz de dizer foi um mísero "por favor, não faça isso" quando ele me abraçou novamente.
Quando Kiera chegou os meninos já estavam comigo. Dylon, Alex e Mac usavam seus uniformes de gala; barbeados, limpos e escovados. Um ar de tristeza enchia o quarto. Meus meninos sempre tão alegres e brincalhões estavam solenes, distantes. Dylon queria que eu fosse me despedir de seu irmão. Uma cerimônia privada, no hangar da base, para despachar o caixão para Irlanda, onde seus pais moravam agora. A família inteira voltou às raízes, não sobrou ninguém mais nos Estados Unidos além dele agora.
Eu queria muito ir, poder me despedir do amigo que tentou desafiar as normas não escritas de 'a Bella não é para namorar, ela é nossa irmã', mas que no final não conseguiu ser mais do que um amigo, que ninguém me ouça já que ele era também meu marido aos olhos da "força". Mas Vargas me proibiu, os médicos não deram autorização e William deu um ataque de perereca, dizendo que não queria, que não aceitaria, que eu não podia.
Os olhares hostis que eles lançaram para William quando saíram do quarto me fizeram gelar, por um momento achei que um deles o atacaria. Já estava quase relaxando quando vi Alex voltar correndo; felizmente não era para matar William e sim para me entregar uma caixinha que estava no bolso de sua calça e coloca-la na minha mão livre, dizendo, "podemos conversar quando você estiver em casa?".
Antes que eu pudesse responder Kiera abriu a caixinha para mim e o que vi dentro dela me pegou de surpresa e me fez simplesmente chorar sem parar por um logo tempo... era uma tornozeleira exatamente igual a que dei a Devlin no dia de sua partida.
***
Quando finalmente consegui me recompor pedi a Kiera que me ajudasse a tomar outro banho. Eles podiam até não querer que eu saísse do hospital, mas entre o que eles queriam e o que eu faria, existia uma grande diferença.
Eu não poderia não comparecer ao funeral de Devlin, estava completamente fora de cogitação. Afinal, eu não corria risco de morrer por causa dos ferimentos, apenas sentir muita dor.
Com a perna imobilizada, o ombro preso e com ataduras nas costelas realmente não dava para correr pelas portas do hospital, mas com jeitinho e a assinatura de Kiera se responsabilizando pelos cuidados necessários até minha volta, consegui ser liberada por algumas horas.
O enterro de Devlin era simbólico, não havia um corpo para ser enterrado, o comboio que ele liderava foi destroçado por minas. Não sobrou nada para ser identificado, ou enterrado, ou enviado de volta para casa.
O hangar da base de Lakenheath estava cheio. Na realidade era apenas uma cerimônia realizada pelo capelão da base, em conjunto com o padre da igreja que os meninos costumam frequentar.
O capelão falou da coragem e bravura dos homens que enfrentam o perigo para proteger a liberdade de pessoas que eles nem mesmo conhecem, do orgulho que eles são para o país e de como as famílias se sentem honradas com seus filhos lutando para assegurar a outros o que é normal para quem vive livre. Falou também de como Deus ajuda a consolar quem perdeu seu bem mais precioso.
Os pais de Devlin, assim como vários tios e primos, estavam presentes na cerimônia; eles viajariam com o caixão, seguindo uma das muitas tradições irlandesas, de velar o corpo e acompanhar o falecido em sua última viagem. Assim que terminou a parte militar e a bandeira foi entregue para a mãe de Devlin, o padre da igreja dos meninos começou a entoar o poema A Parting Glass:
Of all the money that e'er I had, I spent it in good company (De todo o dinheiro que eu tinha, eu gastei em boa companhia)
And of all the harm that e'er I've done, alas it was to none but me (e todo o mal que eu cometi, foi para ninguém além de mim)
And all I've done for want of wit, to memory now I can't recall (E tudo o que eu fiz por falta de juízo, agora não consigo recordar)
So fill to me the parting glass. goodnight and joy be with you all (Então encha o copo de despedida. Boa noite e foi bom estar com vocês todos)
Of all the comrades that e'er (De todos os camaradas que já tive)
I had, they're sorry for my going away (eles sentem muito pela minha partida)
And all the sweethearts that e'er I had (E todas as namoradas que eu já tive)
They would wish me one more day to stay (Elas iriam desejar que eu ficasse por mais um dia)
But since it falls unto my lot that (Mas é minha responsabilidade que)
I should rise and you should not (eu me levante e vocês não)
I'll gently rise and I'll softly call (Irei me levantar gentilmente e suavemente clamar)
"goodnight and joy be with you all! " ("boa noite e que a felicidade esteja com todos vocês")
A man may drink and not be drunk (Um homem pode beber e não ficar bêbado)
a man may fight and not be slain (um homem pode lutar e não ser morto)
A man may court a pretty girl (Um homem pode cortejar uma moça bonita)
and perhaps be welcomed back again (e talvez ser bem-vindo de volta)
But since it has so ordered been (Mas desde que ele tenha sido solicitado)
by a time to rise and a time to fall (por um momento de ascensão e um tempo para cair)
Come fill to me the parting glass (Venha encher-me o copo de despedida)
Good night and joy be with you all (Boa noite e alegria seja com todos vocês)
Enquanto isso, nós, os amigos e familiares, bebíamos e celebrávamos a vida e a alegria do menino doce e destemido que morreu fazendo o que amava: lutando por uma causa.
O pai cobriu o caixão com a bandeira da Irlanda, o irmão colocou sobre ela a camisa do Saint Patrick's Athletic FC, time do coração de Devlin. Os amigos colocaram cigarros, bebidas, baralho e um terço. E assim levaram o caixão até o avião para a viagem final do amigo e irmão.
Abigail, mãe dos meninos, me abraçou e disse que o filho foi feliz conosco, que se divertiu muito com a minha família e que ela era feliz de saber que a última coisa que eu fiz pelo filho dela foi querer me casar com ele, me deixando completamente atônita e com um misto de alegria e culpa.
*coloquei a versão do Ed Sheeran cantando a música porque é uma das mais conhecidas.
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Flor da Pele
ChickLitTudo o que ela queria era sua família. Tudo o que foi tirado dela foi sua família. Sem seus irmãos, sem o amor do pai, como lutar contra quem quer acabar com sua vida? Para se realizar alguns desejos precisamos lutar e abrir mão de algumas coisas. E...