Começo

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Ho'omau

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Não sei exatamente que dia é hoje ou talvez, melhor dizendo, há quantos dias que não vejo a luz do sol. Mantenho-me no mesmo lugar, presa, refém, de alguém que estava destinado a me proteger. Olho para a porta, assim que ouço a mesma ranger.

Uma. Duas. Três, talvez quatro vezes. É, ela era difícil de empurrar, abrir. Uma mulher calva passa por mim, quase sem me ver, ou ao menos era o que parecia. Encaro a figura hostil, sem muito ânimo, mesmo ao notar uma marmitex de isopor, meu estômago ronca, demonstrando que eu havia esquecido completamente dele. Torço os lábios ao vê-la puxar a cadeira, a única coisa que me fazia ficar distante do chão gelado e sujo.

– Mia-lena. – ela diz, sem mais nem menos. – Hoje é dia de visita, você sabe o que fazer.

Jogou-me uma toalha que eu mal pude alcançar. Não era minha culpa, eu estava cansada demais, sem forças para nada. Me desculpei e tentei - inutilmente - alcançar a toalha limpa mas meu braço não obedece meus comandos e logo, uma mancha pequena e escura começa a atingir meus olhos, deixando minha visão turva, sabia o que era, no entanto, não me importei. Estava cansada, precisava descansar, nem que depois, precisasse ser acordada por um balde de água fria.

– Irei desmaiar. – avisei, sem fôlego.

Era preciso. Até mesmo um mísero aviso, mesmo que, eu estivesse suficientemente fraca, eu não poderia desmaiar ali, não antes de avisá-la, não como da última vez, a marca ainda está aqui, presente em meu pulso.

Mia-lena!

Puft.

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– De novo? O que você anda fazendo com minha neta? – ao longe as vozes começam a fazer sentido e consigo distingui-las com mais convicção. A primeira coisa que vejo ao abrir meus olhos, é a minha avó, o cheiro de capim-limão me anima e ao notar a forma em que ela apertava meu braço, senti como era protegida. Mas nada. Nada para mim era fácil.

– Tenho a guarda dela, posso fazer o que quiser, ela é minha.

Minha madrasta praticamente cuspiu as palavras, deixando minha avó mais vermelha que o normal. Olhei ao redor, notando que não estava em casa, o lugar era branco e limpo demais, nunca poderia compará-lo àquele lugar.
Hospital. Eu odeio hospitais.

– Depois de hoje, vamos ver se eles irão deixá-la seguir com você. – minha avó olhou para mim e eu tratei de fechar meus olhos antes mesmo dela conseguir me olhar por completo.

O silêncio. Sempre me salvava.

Minha madrasta saiu, rápido como um gato fugindo com uma presa. Minha avó me cutucou, afim de me fazer abrir os olhos.

– Tudo bem, querida. Você pode abrir os olhos, aquele monstro já não está.

Abri meus olhos, sentindo os mesmos arderem. Talvez fosse a luz forte, o local totalmente claro ou a felicidade extrema. Talvez.

– Vó. – foi a única coisa que consegui dizer, antes de sucumbir as lágrimas.

– Eu sei, está tudo bem. Eu estou aqui agora, você não vai mais precisar passar por isso, eu te prometo.

Sou pega desprevenida por um abraço mas ele não vem de minha avó e sim...

– Mana, você irá nos deixar?

Daniel e Daniella me abraçam, de repente. Algo que nunca fizeram. Olho para eles, assustada, ainda mais ao notar uma mancha vermelha no pescoço de cada um, teria ela... Não! Eu não irei permitir isso, não com meus irmãos, pequenos e indefesos.

– Não, não posso deixá-los... – olho para minha avó, que chora, ela entendia muito bem o que eu queria dizer com aquilo.

Eu não iria conseguir viver sem eles. Não poderia. Teria que voltar ao meu inferno para que eles ficassem no seu paraíso. Era isso que irmãs mais velhas deveriam fazer. Não é?

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26.07.23

Ho'omau significado: Ter persistência e paciência para continuar sem desistir.

Dois CompanheirosOnde histórias criam vida. Descubra agora