XXVII - Você teve sua escolha...

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MIA-LENA

Já fazem alguns dias desde que recebi a notícia, minha avó... Minha vózinha havia falecido e eu não pude vê-la, conversar com ela, abraçá-la, para mim agora nada faz sentido. Meu corpo está mole, não sinto fome, sede e muito menos vontade de sorrir se não fosse pelo Edgar ...

– Trouxe algumas tangerinas para que você coma, acredito que irá gostar...

– Isso é cítrico, não quero comer. – aviso, olhando-o de soslaio, não poderia comer aquilo, estou há quase 02 dias sem comer, mastigar e engolir tangerinas seria quase um sacrifício.

– Prove, só um pouco, você precisa se alimentar, Mia. – pediu, deixando uma tangerina em minhas mãos.

– Tá! – bufo, frustrada.

Edgar às vezes conseguia ser mais insistente do que eu e isso o tornava um pouquinho irritante. No entanto, não posso reclamar, ele está sendo um grande amigo, um verdadeiro amigo.

– Gostou? Essa está docinha, não é? – ele sorrir mas não um sorriso caloroso como o habitual, seus olhos não brilham como antes e ao olhá-lo e perceber que ele sempre olha para além da janela, percebo que ele sente falta de algo e mantê-lo aqui, preso, talvez seja egoísmo e até mesmo cruel.

– Edgar – o chamo, fazendo com que ele me olhe, com os olhos esperançosos –, você pode ir se quiser.

Digo, um pouco constrangida, eu não sabia o que dizer, nunca estive em uma situação como essa, sinto que com uma única palavra eu pudesse decidir o destino de alguém e eu não queria dizer a coisa errada.

– Eu ... – ele tentou dizer, os olhos brilhantes encheram-se de água, era como olhar para o mar, um mar triste e deprimente e eu me refiro ao meu reflexo sob suas íris belíssimas. – Mia, eu não quero ir sem você mas eu preciso ... Me entende? Eu te dei tempo o suficiente para escolher entre ir ou ficar e você teve sua escolha, eu nunca poderia forçá-la a nada...

Ele me abraçou, com força, me deixando imóvel e em silêncio, seus soluços eram altos e deixavam o ar sufocante. Meus olhos começaram a arder e em breve eu seria refém das lágrimas.

– Eu entendo, Ed. – digo, fazendo com que ele me olhe – E eu gostei disso você não tentou me obrigar a nada em nenhum momento e respeitou minha decisão e eu agradeço isso, de coração mas eu não posso ir, não posso deixar a fazenda sozinha, os animais... Me entende?

Ele concorda, tirando minhas mãos de seus ombros, vejo um breve roncor em seus olhos mas isso logo some e ele sorrir, com os lábios trêmulos.

– Eu entendo perfeitamente. Obrigado e não se preocupe, eu volto logo e prometo que dessa vez eu ficarei aqui com você! Nem que para isso acontecer eu tenha que fugir. – riu, uma risada verdadeira.

– Ed! Não quero que você arranje encrenca por minha causa, não se preocupe comigo, me sairei bem sozinha! Eu prometo.

▪️▪️▪️

Me estremeço ao notar um coiote adentrar a fazenda e ir até o galinheiro, escuto as galinhas gritarem e logo a algazarra se inicia. Todos os animais estavam aflitos, inclusive eu. O que eu faria? Os coiotes não são tão pequenos como eu imaginava e via nas séries da TV, são grandes, parecem estar famintos e são mais de dois. Eu poderia lutar contra um mas nunca com mais de 03 ...

"MERDA!" Maldita hora que achei que pudesse dar conta sozinha, ainda mais com a escuridão da fazenda.

Já passavam das uma da madrugada e o barulho havia cessado e eu tinha certeza que ao amanhecer eu teria que limpar a chacina que os coiotes fizeram. Respiro fundo antes de me jogar sobre a cama e adormecer, quase que em câmera lenta.

Acordo ao escutar o galo cantar, abro meus olhos lentamente e o vejo pendurado em minha janela, coço as têmporas afim de acordar de vez, pensando que aquilo era uma miragem, não, não era. Um galo realmente estava pendurado em minha janela, corro até a mesma e a abro, o galo voa para o chão, ciscando com algumas galinhas.

– O que? - me pergunto, embasbacada, então tudo que eu vi e ouvi ontem a noite fora um pesadelo ou ...

– Oi. – uma voz masculina e conhecida soa, não tão longe. Olho para cima e depois para o lado, dando de cara com um Krucis sorridente. Arrepio-me, fechando a janela velozmente, quase a partindo ao meio.

Krucis aparece no meu ponto de vista, fazendo sinais para que eu abrisse a janela novamente, engulo em seco antes de ceder a coragem repentina e volto a abrir a janela.

– O que faz aqui? – é a única coisa que consigo dizer.

– Soube o que aconteceu com a sua avó. Eu sinto muito, tentei vir o mais rápido que pude mas Edgar ainda estava aqui...

– Como você soube sobre a minha avó?

– Não é só porque eu me transforme em um animal que eu seja completamente um, Mia-lena, as notícias por aqui correm mais rápido do que você imagina, eu juro que tentei te ligar, porém me lembrei da queda de luz e tentei me aproximar mas Edgar me proibiu...

– Por que?

– Por que? O que? Eu apenas...

– Não entendo, você tentou me machucar diversas vezes, Krucis e agora aparece aqui de cara lavada tentando me dizer que se preocupa comigo? É sério? Você me deixou aqui, com um cara desconhecido! E eu agradeço a Deus por ele ter sido um bom rapaz mas e se não fosse? E se Edgar tivesse tentado algo contra mim? Eu não teria forças para lutar contra aquela coisa!

Acabei me expressando mal e chamando Edgar de coisa, espero que ele nunca saiba disso...

– Espera, eu não tive escolhas, eu me deixei levar pelos instintos, me tornei completamente em uma fera e esqueci de você, esqueci da promessa de sempre te proteger. Pois acredite ou não Mia-lena, eu jamais quis te machucar, te causar qualquer tipo de mal, eu juro pela Deusa da Lua!

Reviro meus olhos, dando de ombros.

– De qualquer forma, isso tudo já passou e eu te desculpo mas não esquecerei do que você fez, não me importa se você se transforma em cão ou não, você era meu amigo antes de tudo e eu juro que não iria te julgar e eu faria qualquer coisa para te ajudar com esse lance de "lobisomem" mesmo que eu não saiba quase nada sobre vocês ...

– Nós – ele corrigiu, cruzando os braços –, eu apenas vim para me desculpar e também para enxotar alguns coiotes mas o galinheiro está completamente destruído e algumas galinhas não nos restam mais. Então, obrigado por me escutar e tentar entender meu lado e eu não te culpo por não conseguir, é difícil, eu sei, nem eu me entendo as vezes mas essa coisa dentro de mim as vezes me deixa louco!

Rosnou a última parte, enquanto se golpeava. Eu assisti aquilo sem mover um músculo, por incrível que pareça eu não conseguia sentir pena, algo dentro de mim dizia que aquilo era apenas uma cena dramática e que Krucis apenas queria que eu sentisse pena. Não agora, não dessa vez, eu não seria a boazinha. Krucis teria o que merecia e ele merecia o meu silêncio.


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