I - Garoa

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Já é noite e eu continuo aqui, sentada sobre o mármore. Lá fora, por trás das paredes úmidas e gélidas, uma fina camada de chuva caí do céu, as nuvens estavam escuras e tomavam grande parte do que, de manhã, era um azul celeste.

Mia-lena.

Viro minha cabeça, rápido demais, o que me causa tontura. Espero uns segundos antes de sair, me arrastando, do mármore escuro. Caminho a passos calmos, sem muita pressa e um sorriso casto surge no canto dos meus lábios. Eu não estava livre, no entanto, as coisas melhoraram para mim.

– Sim, senhora. – eu disse, abaixando a cabeça, assim que vi a mesma, sentada em sua poltrona chique, vestindo um casaco grande - e que deveria ser bastante pesado – de couro.

– São 20:30, está na hora de jantar. Vá se servir. – diz ela, tragando seu fino e esguio cigarrete.

– Sim. – digo, agradecendo.

Olho de relance para meus irmãos, que sorriem vidrados em seu tablet. Suspiro ao chegar na cozinha, o cheiro era bom, temos sopa de legumes com calabresa e bacon. Não era o meu prato preferido mas, com a fome que eu estava sentindo, qualquer pedra vira pizza. Veja bem, as coisas melhoraram mas nem tanto, digamos que eu tenha apenas uma única refeição por dia e hoje, a escolhida foi a janta.

Me sirvo com uma grande quantidade de sopa, o prato fundo me ajuda nisso. Talvez, se eu fosse rápida, consigo repetir a refeição, porém, ao ouvir a porta bater e passos rápidos serem depositados pelo piso queimado, vejo que não irei conseguir.

– Você está comendo demais, Mia-lena, irá engordar assim. – Daniella comenta, sorrindo, mostrando que em sua boca faltando os dois dentes de baixo.

– Impossível, Dani. – sento-me, olhando diretamente em seus olhos.

A menina puxa uma cadeira e senta-se a minha frente, cruzando os braços.

– O que está fazendo? – decido perguntar, perdendo a vontade de comer.

Mamãe pediu que eu te vigiá-la. – diz ela, convincente.

Sorrio, sem vontade. Era óbvio, alegria de pobre sempre dura pouco, eu havia me esquecido.

– Você não pode manter isso em segredo? Como da última vez? – questionei, tirando do bolso uma barrinha de cereal.

Vejo o olho da menina brilhar, ela assentiu, freneticamente e foi para seu lugar de sempre. A porta, ela era minha vigia. Não me pergunte como consigo fazer isso, é um segredo...

Me alimento rápido e volto a me servir, dessa vez como devagar, sem muita pressa. Termino e lavo toda a louça mas antes, limpo a boca de Daniella e faço-a beber água, caso sua mãe descubra que ela está comendo barrinha de cereal, estamos completamente enrascadas!

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É madrugada, talvez pouco mais que, duas da madruga, não era meu costume ficar até tarde acordada e muito menos permanecer na sala até esse horário mas, hoje é quarta-feira e nas quartas, sou liberada para assistir tevê. Eliz, minha madrasta, ainda está aqui, sentada em sua poltrona, ela cochila e acorda no mesmo instante, está lutando para permanecer com os olhos abertos, tudo isso por implicância. Mas sei que isso irá terminar em...

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– Ela é toda sua, esquisita. – diz ela, se retirando, cambaleando.

Sorrio entusiasmada e agradeço. Sento-me sobre o sofá, e o mesmo logo afunda, era fofo e confortável demais, eu adorava. Tratei de buscar pelo meu canal favorito, o de desenhos mas desta vez, não tinha nenhum desenho que eu gostasse, fiquei mudando de canal até que um em específico chamou a minha atenção.

"O lobo cinzento busca por uma parceira, é mais uma noite de lua cheia e ele ainda não consegue encontrá-la. Onde será que ela está?"

O lobo uiva, alto, e todos os meus pêlos se eriçam, assusto-me, desligando a tevê, olho para os lados, com medo, tinha medo da minha tia ter escutado mas parece que apenas eu escutei aquilo. Estranho. Ligo a televisão novamente e o noticiário do lobo havia acabado, suspiro, volto para os meus desenhos. Rio baixo a cada cena, sentindo meus ossos doerem, lembro-me do que passei e do que ainda passo aqui mas não posso desistir, não agora. Tiro um papel do bolso e leio com atenção as instruções de minha avó. Choro, não sei quando isso poderá ser realizado, acho que nunca ficarei em paz. Não aqui.

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Levanto sobressaltada ao ouvir o cacarejar do galo Sebastião, assustou-me ao olhar para cima, em direção ao relógio e ver que já passavam das dez da manhã. Engulo seco, principalmente ao notar que adormeci no sofá, algo proibido, a campainha soa, devagar e fraco, vou até a mesma e abro a porta.

– Ah. – digo, me convencendo com o porque de não ter sido acordada – Bom dia, pode entrar.

Hoje é dia de visita.

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Dois CompanheirosOnde histórias criam vida. Descubra agora