1 - Eu estive aqui

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"Covarde.

É o que fui.

A quem encontrar essa carta, entregue às autoridades, divulguem na mídia, me exponham ao mundo para que saibam que eu não era nada do que parecia ser. Sempre foi disfarce, sempre uma máscara, ninguém nunca me conheceu realmente.

Peço perdão aos que magoei, peço misericórdia aos céus por desistir da oportunidade de vida que desperdicei. Não sou mais digna de tudo isso.

Em breve descobrirão o meu segredo, o meu castelo irá ruir. Mas eu não estarei aqui, e o motivo está escrito na primeira linha.

Aos poucos familiares que me restaram, entreguem a minha fortuna. Deem o direito de fazerem o que quiserem com o dinheiro.

Não tenho o que dizer aos poucos amigos que restaram... pois não restaram nem um deles.

As pessoas que admiravam o meu poder e a minha fama, eu peço perdão por enganá-las. E agradeço todo o carinho e apoio que recebi em minha jornada. Vocês me salvaram, ao menos por um instante, da minha insanidade.

No primeiro dia, só se falará disso nas telas ao redor do mundo.

No segundo dia especularão o motivo e começarão as investigações.

No terceiro dia programas entrevistarão funcionários, falsas amizades, familiares oportunistas.

No quarto, no quinto ou no sexto, descobrirão o meu segredo, as pessoas irão se chocar, o motivo irá amenizar o luto. Não haverá mais lágrimas caindo. Ninguém mais se importará com a vida jovem que se foi. Fim

Em uma semana já não haverá tanto interesse assim, quem dirá no mês seguinte, quem dera no próximo ano. Não lembrarão nem da minha existência.

Mas eu estive aqui.

Só que não mais.

Luiza"

Sexta-feira, 15 de abril de 2022.

Luiza Campos nunca conheceu o amor. Filha de pais irresponsáveis que a criaram desgostosamente até os treze anos, quando ela saiu de casa em busca de uma vida melhor. Por acaso do destino ela encontrou oque almejava, desbravou do interior do estado em direção à capital. Começou a vida na metrópole paulista trabalhando como doméstica na casa de um casal muito rico. Augusto e Sonia Mourão eram um casal de milionários, donos de uma indústria no ramo metalúrgico na cidade de Campinas. Se mudaram para a capital paulista buscando maior facilidade e agilidade na mesma época que a menina Luiza, com a ajuda de uma tia distante, procurava emprego por lá. É claro que o casal não queria uma criança trabalhando para lhe trazer problemas, mas a familiar os convenceu contando a triste trajetória de vida da menina. Cresceu servindo à família até os 18 anos da forma que suas limitações de idade permitiam, aprendeu sobre tudo com o auxílio dos outros empregados da grande casa. Criou vínculos além do empregatício, a família a adorava. Quando atingiu a maioridade pediu liberdade para estudar a noite. Se inspirava no patrão, que por ela tinha afeto de filha. Afeto que as próprias filhas de sangue, Carol e Sara, não lhe proporcionaram da mesma maneira.

Estudou o supletivo e entrou em uma faculdade pública. Tinha extrema inteligência que nunca lhe foi explorada. Descobriu ser capaz de algo grandioso, ser capaz de ser dona de sua própria empresa. Tinha ambição e perspectiva tal qual seu 'paitrão'. Escolheu como tema de trabalho de conclusão de curso a administração de multinacionais do ramo de luxo. Se formou com mérito e recebeu como presente de formatura a ajuda para começar o próprio negócio, dez mil reais foram depositados na sua conta sem que ninguém da família Mourão soubesse. Inspirada pela riqueza da família que cresceu, ela passou anos na faculdade estudando sobre jóias finas por conta própria. A entrega do diploma e do presente foi o incentivo para ela iniciar a primeira produção de peças finas. Nascia então a maior empresa de acessórios brasileira, a 'LILAC'.

Sua patroa, pessoa de bem, também deu uma força naquele começo. Introduziu a marca recém criada no mundo das socialites mais bem influenciadas na região paulistana. Todos adoravam suas criações, a patroa, pessoa de ótimo gosto, ajudou a desenhar algumas peças, era uma mulher extremamente criativa e tinha enorme conhecimento. Sônia amava colecionar peças chiques das mais famosas marcas e se empolgou bastante quando percebeu o talento que Luiza tinha. Infelizmente perdeu Sônia em uma luta contra o câncer quando a jovem tinha vinte e cinco anos, um ano após abrir a sua empresa que a esta altura do campeonato já havia crescido 300%. Seu chefe, quase pai, acabou caindo em depressão pouco tempo depois. Até hoje Luiza não era capaz de compreender se ele partiu, dois anos depois da morte da mulher, naquele acidente de carro, por uma tragédia do destino ou por uma escolha pessoal. A mesma escolha que ela tinha tomado.

Luiza se tornou uma das maiores empresárias do país, conhecida mundialmente. Viajava ao exterior direto, participando de eventos e confrontando de frente com grandes marcas como Vivara, Tiffany, Cartier entre outras. Um prédio inteiro era dedicado à sua empresa, a fábrica já se encontrava em outra localização não divulgada a ninguém, por segurança e proteção de suas peças. Estava no auge da ascensão, celebridades nacionais e internacionais tinham interesse em divulgar a marca, acionistas buscavam investir na bolsa de tanta expectativa na evolução de sua empresa.

Sua atitude estragaria tudo isso.

Se encontrava agora à beira do terraço no alto do prédio de sua multinacional. No heliponto mais ao lado estava estacionado o helicóptero da empresa com a logo em tons de roxo claro estampada. Sete anos se passaram desde a perda do homem que considerava seu herói. A famosa cena de repassar toda a vida na memória. A vida que considerava uma desgraça. Miserável, ordinária, banal. Não enxergava mais motivos para continuar seguindo, já que seguiria em direção ao nada. Toda aquela riqueza e conquista não lhe preenchia, nunca preencheu. Ela não tinha mais esperanças, tinha sido cúmplice dos próprios erros. Pensava que a melhor saída seria acabar com sua vida. Recomeçar do zero. Tinha deixado a carta de suicídio em cima da mesa para que alguém encontrasse na sequencia do ato, tinha esperado que todos partissem da empresa as 18 horas para que ninguém a interrompesse. Não se preocupou com nada nem ninguém, pois não havia ninguém para se sentir culpado. Não tinha deixado nenhuma despedida pessoal, não criou vínculos com ninguém no último ano pois sabia que seu fim era esse. Estava a tempos considerando essa saída, que ela acreditava ser a única.

Olhou para baixo e analisou a distância. Alto o suficiente para os carros caberem na medida da ponta de um dedo. Seria instantâneo. Por sorte não haveria nem velório.

Subiu no guarda corpo de concreto sentada e com os pés virados para fora. O salto alto de fundos vermelhos pendia pelo ar. As mãos apoiadas na borda, olhos fechados e cabeça baixa. Ela se jogou...

LILACOnde histórias criam vida. Descubra agora