37 - Imparável

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Luiza


- Não, você não pode tomar sorvete agora, mocinho.

- Mas mamãe, eu mereço, eu fui um bom garoto.

- Você não terminou de almoçar Léo! - Aponto para seu prato cheio de comida.

- Eu não quero, está com gosto de terra... - o pequeno reclama, eu olho em direção ao prato novamente e me assusto. No lugar daquela refeição havia um punhado de terra e o pequeno levava a boca. Eu bato em sua mão rapidamente afastando a colher e ele se assusta, iniciando um choro sofrido.

Não, não, não... tudo se esvai em escuridão.


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Segundos se passam, mas parecem horas, uma luz logo surge no meu ponto de horizonte. Não, não era uma luz, era uma pessoa. Ela se aproxima, de camisa social branca e calça de sarja em tons caramelo. Meu Deus, é ele.

- Doutor Augusto - digo emocionada, sorrindo...

- Oi minha filha... - ele beija a minha testa, me abraça apertado do mesmo jeito afetuoso que eu me lembrava - Você cresceu, ein? É uma mulher madura.

- Eu me sinto uma adolescente burra... - confesso, como se não tivéssemos perdido nenhum tempo de contato, como eu sempre me desabafei com ele.

- Mas não é. Eu tenho muito orgulho de você, Luiza! Muito... tudo o que você conquistou, é lindo de ver. E eu vim aqui pra te falar algo... Você não pode seguir o mesmo caminho que eu...

- O que? Como assim?

- Esqueça o passado, esqueça o que já aconteceu, o que está feito está feito e não está ao seu alcance mudar o destino. Você se culpa demais, minha filha. Por nada. Olha onde você chegou, eu sempre estive com você! Sua mãe Sônia também. Não nos decepcione, Lu. Você é maior que tudo isso. E vai superar cada obstáculo que ainda virá, você nunca esteve sozinha, não está e não estará quando voltar. Existem pessoas que te amam de verdade. Basta você enxergar. Confie na sua voz interior...

- Mas eu não... - ele começa a se afastar... Não, não era ele. Ele permanecia parado, sorrindo. Sou eu que estou flutuando no ar... - espera, Augus... PAI... - grito inutilmente e me encontro novamente sozinha, na escuridão.


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Minha cabeça dói. Me sinto exausta.

A luz volta a preencher minha visão, uma parede de tijolos aparentes parece se desfazer em minha frente, evaporar, restando apenas um pedaço de papel caído em meio ao pó. Eu pego e o abro em minhas mãos, mas um vento forte o leva antes que eu possa ler. Ando atrás, até correr, até cair.

Caio em um chão que se torna água e a água está vermelha, olho ao redor, nado tentando encontrar a superfície, mas não encontro.

Escuridão.


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De pé novamente, me sentindo encharcada no longo infinito daquele breu, eu não vejo nada, mas escuto aquela voz.

"E como dói só imaginar que você poderia não estar mais aqui."

Era ela, Valentina. Ela está aqui.

- Valentina? - chamo em direção ao nada, tateio o ar na intenção de tocar algo, mas não há nada. - Você tá me ouvindo? Valentina?

LILACOnde histórias criam vida. Descubra agora