-Queria me desculpar por mais cedo -Isaac falou puxando uma cadeira para próxima da poltrona onde o homem ainda permanecia imóvel.
-Por onde quer começar?
O ômega sorriu acreditando se tratar de um avanço no que faria.
-Você publicou um livro recentemente, todos estão extasiados pela sua retomada depois de tantos anos. O que tem a falar sobre isso? O que te motivou?
Piers tirou os óculos da face. Era um rosto belo mesmo marcado por algumas marcas da idade acentuadas ao redor dos olhos.
-Você não quer gravar a minha voz?
-Somos uma revista de prestígio, gostamos... bem, pelo menos eu gosto das coisas do jeito mais antigo, então irei escrever tudo o que falar.
-Entendo. Deixe-me fazer uma pergunta. Por que você está aqui? Está nítido e transparente que você não me conhece do jeito que qualquer outro jornalista conheceria, eu sou bem famoso.
-Sem dúvidas. Piers Nowak, o polonês mais conhecido da Costa Oeste, seus livros e sua escrita são indiscutivelmente impecáveis como uma faca cortante, eu estou aqui porque tive a oportunidade de estar. Perdoe-me novamente, não o conheço como um fã conheceria, mas fiz minha lição de casa antes de vir, principalmente lendo seu novo livro Coração Dilacerado.
-Você foi sincero.
-Talvez seja um dos motivos do porquê me escolheram. Sou sincero e discreto, quero que esteja confortável aqui e sei que é muito importante.
-Me diga, o que achou do livro?
Isaac pensou que essa era a função dele. Ele devia estar fazendo as perguntas, mas ele respirou e foi gentil.
-Foi doloroso. Forte, muito visceral e cru. Diria que uma mente muito machucada escreveu isso.
Piers riu.
-Tem razão -ele continuou a rir -tem total razão, meus admiradores não deviam se surpreender tanto sobre esse lançamento. Ele não é recente, foi apenas um manuscrito escrito há dez anos em um momento muito delicado.
-A morte do seu marido -Isaac deixou escapar de sua boca.
Os olhos roxos e profundos vieram em sua direção como se perfurasse o interior dos seus ossos.
-Sim. A morte do meu esposo. O que sabe sobre isso?
-O que as reportagens da época falaram.
-Malditos repórteres e jornalistas. Eu os vejo como corvos ou mesmo abutres em volta de más notícias prontos para espalhar pelos ares.
-O Sr. Lucius era uma pessoa também muito famosa, sua arte sempre foi reverenciada e reconhecida...
-E nem por isso foi poupado de ter sua vida privada jogada aos ares em um momento tão delicado. Sem o mínimo de consideração ou respeito, todos que trabalham com publicidade em algum momento vão se meter com isso, não duvido que até você tenha feito isso.
-Quando se precisa sobreviver enquanto está sozinho, fazemos de tudo um pouco.
-E hoje é conhecido como um jornalista que preza pela privacidade e descrição. Isaac Sanders. Pesquisei sobre você antes de vir até aqui, mas ao contrário do que fez, consegui entender muito mais sua essência do que você conseguiu lendo apenas um livro meu escrito em um momento de luto após perder o amor de uma vida.
Piers se levantou como se estivesse ofendido e se dirigiu para a saída.
-Vamos precisar empurrar essa porra até que a entrevista tenha acabado. Estou fazendo isso pela minha sobrinha, não pelos idiotas que lêem tão afincadamente meu livro. Talvez devesse escrever isso neste caderninho.
Assim o homem saiu deixando Isaac sem qualquer reação. Ele apenas permaneceu ali por vários minutos até conseguir se arrastar para o quarto de visitas.
Astória não havia explicado detalhadamente como funcionaria sua estadia ali. Havia um quarto com banheiro e uma bela vista para o mar, mas não sabia como iria se alimentar ou até mesmo conviver com um escritor ranzinza enquanto estivesse ali.
Sua reportagem iria demorar para sair de um modo como havia prometido e como todos esperavam. Então ele resolveu se dedicar com o que tinha em mãos enquanto algumas palavras o martelavam. O que Piers falou todos já sabiam, ou ao menos imaginavam, seu livro foi como um grito pelo luto, talvez explorar isso fosse uma boa ideia, mas outras palavras também o corroíam.
Isaac abriu seu laptop, o mesmo desde que tinha começado a trabalhar no ramo, era como um amuleto da sorte mesmo que obsoleto e lento, mas ainda assim um amuleto. Ele tinha escrito muitas coisas nesses anos, mas havia tido um começo, há décadas quando ainda era freelancer e fazia serviços para não morrer de fome morando em Boston assim que tinha se formado.
E ali estava o que Piers tinha falado. Isaac suspirou meio entristecido, meio confirmado que fazia parte. Ele já tinha sido um desses abutres que o alfa tinha falado com tanto desprezo. Mesmo que fizesse tantos anos, ainda estava ali diante de quem pesquisasse sobre seus trabalhos.
Seu estômago então roncou e preferiu mesmo envergonhado descer à procura de alguma comida, até mesmo sobras de um jantar.
Ele foi até a grande cozinha, mas um susto o fez quase desmaiar. Piers estava ali sentado em uma das cadeiras, com velas ao redor do seu prato como se jantasse de modo entediado no escuro enquanto segurava uma taça de vinho.
-Caramba! Desculpe, não imaginava que estivesse aqui, vou vim outra hora -tentou se justificar quase se retirando.
-Pode ficar. Acredito que veio pela comida, não sou tão ruim assim. Coma e saia.
-Posso levar um prato para o quarto se não se importar.
-Me importo. A casa é grande e pode atrair ratos. Depois que você sair, caberá a mim lidar com isso.
-Claro, tem razão.
Isaac estava novamente sem jeito e começou a ficar cansado de estar se sentindo assim diante de uma pessoa que nem mesmo era importante para ele. Piers era importante para o mundo literário, não para sua vida.
Ele se serviu e sentou do lado oposto da mesa quadrada onde Piers estava.
-Está deliciosa -falou tentando quebrar um pouco do clima.
-Não consegue comer calado?
-Talvez eu só esteja querendo que o ambiente não fique desconfortável, sabe? É comum as pessoas fazerem isso.
-Mas eu não gosto.
-Senhor... quer dizer, Piers, faz quanto tempo que você não interage com pessoas de fora?
-Está me entrevistando agora? Falei que faria isso em outro horário, não atrapalhe minha janta.
Isaac suspirou e deu outra garfada.
-É difícil isso para você também?
-Não, não é. Consigo comer calado, passei minha vida toda fazendo isso!
-Não é como se eu quisesse saber.
-Só quando o convém, Piers, só quando o convém -Isaac retrucou com a cabeça abaixada para o prato.
-Do que está falando?
-Absolutamente nada. Estava realmente com fome, podemos voltar a nos falar amanhã quando estiver disposto, está bem?
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Pequenas Histórias de Amor
RomansaPequenas Histórias de Amor e outros contos mpreg e omegaverse é um livro com diversos casais com diferentes histórias, repleto de muito beijos e amassos. Os contos desse livro são independentes entre si e em poucos capítulos que tem uma história com...