Quadragésimo Nono - Acontecimento

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Pássaros concebidos de maneira desumana em cativeiro, são educados desde o nascimento a respeito do quão perigoso é voar, e como uma bela e rara ave, que desenvolveu-se arduamente ainda que longe de suas mãos mas jamais de sua vista ela foi cobiçada, caçada e aprisionada, e como já é de se supor, ela não havia crescido em uma gaiola como aquela, e tão pouco entendia como havia chegado a uma, recusando-se a ceder a soberba do seu caçador, o seu raptor, e após lançar-se incontáveis vezes contra as estreitas grades que a trancafiaram covardemente durante anos, cicatrizes passaram a desenhar o seu corpo como se contassem uma nova história.

Uma história de sobrevivência...


Bill 

A primeira vez que me depararei com a sua atrativa beleza e melancolia sem igual, ele a acompanhava...

Estranhamente em alerta ao seu lado, como a sombra de um gigantesco e temível lobo cinzento, ele me parecia se atentar aos detalhes, e para cada um em meio ao ambiente propositadamente mal iluminado, provocavam nele reações distintas que alteravam as suas feições pouco a pouco, elas que consequentemente causavam reviravoltas agressivas no estômago, como se a qualquer momento eu fosse vomitar a sua frente, e sejam eles quais detalhes fossem, eu jamais busquei saber o que significavam.

Naquela fatídica noite, ao ficarem em frente a mim, ele buscava de todas as maneiras acobertar o seu frágil e delicado corpo. Ao ponto de não sobrar espaço algum entre ambos, e antes mesmo que eu tivesse noção disso, havia uma necessidade de contato sem igual ali, como se quem tomasse a iniciativa de se afastar, levaria consigo a punição de desaparecer a qualquer instante, mas diferentemente de como se cuidasse de uma importante e amada companheira, ele mais parecia querer proteger com avidez a sua preciosa "presa", e o que transparecia em seu olhar enquanto a sua atenção estava sobre ela, vigiando cada um de seus movimentos sob o seu controle, com se ela fosse de sua propriedade, é algo que eu jamais irei me esquecer...

Em uma data pouco importante próxima ao final do ano, eu já havia encerrado o expediente para a maioria dos funcionários no bar. Uma decisão um tanto quanto incomum de minha parte à certos pontos de vista, e garanto que são os piores deles, e isso somente ocorreu devido ao meu bom humor naquele pacato período de Dezembro.

Eu finalmente havia juntado uma boa quantia em dinheiro no final de semana, e os últimos clientes que ainda permaneciam sem lugar algum para retornar, foram "enxotados" por mim não muito tempo depois, e após longos minutos sem pausa alguma no trabalho árduo, o silêncio finalmente entrava em cena, e me perguntei se não faria mal tomar uma última dose de encerramento.

Seria um brinde ao ano que se acabava. Um ano onde me vi incontáveis vezes desamparado, contudo, eu ainda assim havia saído ileso, ou quase, e foi quando eles adentraram pelos fundos do meu estabelecimento, se chocando contra as velhas portas de ferro da saída de emergência com uma urgência sem igual, como se fugissem de algo, ou alguém, me fazendo saltar por detrás do balcão como uma lebre apavorada, com medo de que algo de ruim estivesse prestes a acontecer, no entanto, a forma descabida como chegaram logo foi substituída por receio e desconfiança.

- Mas que caralho...! O que acham q... – Antes que eu sequer terminasse de falar, a minha voz cessou abruptamente no instante em que eu o reconheci, e quando o seu olhar instintivamente se cravou sobre mim, eu senti o meu corpo travar como se ele rispidamente tivesse ordenado um "cale essa maldita boca" em minha direção, no entanto, o que mais passou a chamar a minha atenção neste curto e sufocante encontro inesperado, foi a desconhecida mulher ao seu lado que, estranhamente, parecia completamente absorta de tudo ao seu redor, como se não escutasse a algazarra que participava. Como se estivesse em qualquer outro lugar, menos ali conosco. – O-o que vocês...

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⏰ Última atualização: Mar 05 ⏰

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