Trigésima Quinta Anotação

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"A única forma de vencer uma discussão é evitá-la." – Dale Carnegie.


Trago a citação acima, por Dale Carnegie, porque devido há algum motivo, que até o momento eu acredito que para mim possa ser inexplicável, ela me causa uma sensação incômoda...

Eu estranhamente a encontrei sublinhada em um dos diversos livros nas estantes do escritório, e agora quero entender o porquê de ela ter chamado tanto a minha atenção, causando em mim um desconforto sem igual.

Espero que escrever sobre isso talvez possa me elucidar o porquê de meu desconforto, ou pelo menos me ajudar a entender como chegar ao foco dele. Bem, claro que sabemos que a citação é a base, mas para onde eu devo seguir depois dela?

Enfim...

Devo ressaltar que nós raramente discutimos, ou pelo menos não tanto quanto antigamente, e quando digo "nós", estou me referindo a A e eu. No entanto, quando uma situação como essa ocorre, eu me vejo em uma adrenalina sem igual, tendo em minhas mãos um controle que sempre desejei ter.

Claro, não que eu goste de discutir com ela, mas este é um dos poucos momentos em que vejo a sua real pessoa manifestar, e isso nunca deixa de me excitar. Amo assistir cada uma de suas partes se manifestando contra mim. Lidar com todas elas são alguns dos meus diversos vícios, e a grande maioria deles a envolve de alguma forma...

Apesar de não ter sido uma discussão, tive essa mesma sensação há dois dias, quando mencionei sobre a casa em Vermont, e me surpreendi ao ver hesitação em suas feições e corpo. Ela me pareceu não gostar da ideia, e claro, me perguntei o porquê, afinal, já faz algum tempo que não mostramos nossas escritas um ao outro, e apesar de eu ter dito que não havia sentido em continuar, eu me vejo escrevendo.

Patético...

O meu olhar seguiu até a velha cafeteria. Eu havia chegado mais cedo do que o horário habitual, e o motor do carro já havia sido desligado há alguns minutos, mas nada de a sua silhueta aparecer em frente a estreita porta de vidro.

Ela havia pedido a mim para deixá-la pensar um pouco sobre a viagem, para que eu desse a ela espaço, mas quanto tempo eu deveria esperar...?

Você me parece de mau humor. Observou de repente o dono de uma voz áspera, trazendo o forte odor enjoativo de sua loção pôs barba a cada vez que se mexia ao meu lado no banco do passageiro, e ele riu quando eu fiz questão de ignorá-lo. Quer um cigarro?

Não, e vou pedir para que fume fora do carro. Ele resmungou algo quase inaudível aos meus ouvidos, mas talvez eu tenha incondicionalmente preferido não escutar.

Ótimo, sobrarão mais para mim. Ele abriu a porta e se pôs ao lado, acendendo o isqueiro já queimando a ponta do papel com os primeiros condimentos e dando uma longa tragada. A sua jaqueta desgastada deixava marcas no vidro do carro conforme puxava a fumaça para dentro dos pulmões. Do que você precisa mesmo? Perguntou em seguida. Algo parecia arranhar a sua garganta. Porque eu já conheço você há alguns anos e esta é a primeira vez em que você me oferece uma carona. Pelos menos uma que foi por vontade própria. Senti o meu corpo se inclinar brevemente sobre o volante assim que consegui enxergar.

Ah, ali estava ela... Pela primeira vez, sentada em um local diferente.

Ei, eu estou falando com você.

Agora eu somente precisava agilizar isto daqui, pensei ao me endireitar.

Eu preciso das chaves. Falei sem ao menos encará-lo. Por sorte, ele não conseguia ver o mesmo que eu.

VERDADE ROUBADAOnde histórias criam vida. Descubra agora