Vigésimo Quarto - Acontecimento

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Assim que eu me aproximei, não demorou muito para que ele novamente erguesse o copo vazio em minha direção. Felizmente para mim, já havíamos passado da ocasião em que eu deveria perguntar o que ele gostaria.

Me abaixando devagar por detrás do balcão, um pude dar uma breve olhada ao redor. O salão estava calmo, como de costume nos dias de semana. Já passava das três horas da manhã e sussurros abafados juntos a risadas preenchiam o ambiente acompanhando o som da baixa música ao fundo do salão e das bolas de sinuca sendo encaçapadas por dois jovens universitários a procura de mulheres. Eles encaravam quase que de forma automática cada mulher que passava pela porta do bar na tentativa de chamar a atenção de alguma.

Novamente encarei o homem encurvado sobre o balcão a minha frente.

Vieram no dia errado.

Assim que me ergui, puxando novamente a garrafa de uísque que já estava em suas últimas doses, ele sorriu demostrando para mim através de suas feições o que realmente estava querendo aqui.

Nós iriamos fechar em breve, e faltava quase menos de uma hora para que o primeiro raio de sol tocasse a velha caixa de som ao fundo do bar, mas ainda assim, como algumas poucas pessoas, ele continuava aqui. Como mais um dos "desajustados".

Despejei o líquido com precisão enchendo parcialmente o seu copo com agilidade, logo ele brindou a mim no ar e engoliu tudo de uma vez só. Eu ainda tentava imaginar como ele conseguia engolir aquilo, e apesar de parte do meu trabalho envolver este tipo de coisa e muito mais, eu nunca fui fã de uísque. É forte demais para o meu paladar e nunca apreciei o meu pai o tomando quando eu era mais novo, além de me deixar como um saco de merda pelos cantos por conta do seu teor alcoólico. Na verdade, acho que deixa qualquer um como um saco de merda pelos cantos, mas eu havia perdido a conta de quantas vezes aquele copo já havia sido preenchido por mim hoje.

Deixando involuntariamente um suspiro exasperado escapar, ele logo focou sua atenção em mim.

- Algum problema? – Perguntou.

Me vi engolir seco, e logo peguei um pano úmido a fim de ocupar a minha mente com outra coisa.

- Anda vindo muito aqui, não acha? – Indaguei limpando o balcão a sua frente. Ele deu de ombros, despreocupado. Não sabia como ele ainda conseguia manter a sua postura sobre o alto e fino banco que estava sentado, girando o copo vazio a sua frente, entediado. Se fosse qualquer um, a essa hora, deveria estar largado em algum lugar do bar me dando trabalho, e eu realmente gostaria que ele fosse mais um desses, mas ainda assim, até mesmo as palavras saiam de sua boca com uma maldita dicção perfeita.

- Como tem andado, Bill? – Perguntou repentinamente sem me encarar, logo ri sem achar engraçado.

- O conheço há tempo suficiente para saber que não se importa. – Ele sorriu de forma breve, debochada. Sabemos a verdade. Ele está enrolando. O que me deixa apreensivo a sua frente é não saber o porquê...

De repente, gargalhadas em sintonia chamaram a minha atenção para um grupo de cinco mulheres sentadas próximas à porta. Todas eram jovens, mas de acordo com a carteira identidade, eram maiores de idade. Se a minha memória não me falha, não era a primeira vez que este grupo visitava o meu estabelecimento, e já estavam aqui há algumas boas horas, no entanto, especificamente hoje e por algum motivo, elas estavam exageradamente barulhentas.

- Aqui me parece estar bem animado para elas. – Murmurou ele subitamente com seu semblante impermeável, e antes que eu continuasse tentando entender o porquê de seu comentário repentino, foi quando eu notei algo que era estupidamente óbvio.

O motivo da comoção entre elas, estava bem na minha frente.

Olhando para a nossa direção de forma sutil, ou melhor, para ele desde o momento em que ele entrou por aquela porta, uma parecia incentivar a outra querendo chamar a sua atenção em direção a mesa que ocupavam. Em meio a sussurros, elas brincavam com os cabelos, ressaltavam os decotes de suas roupas, e – duas delas – subiam sutilmente a saia que usavam. Se alguém já velho como eu havia notado, ele provavelmente já tinha recebido o recado que queriam dar.

VERDADE ROUBADAOnde histórias criam vida. Descubra agora