Décima Quinta Anotação

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Vamos seguir a diante, o momento de lembrar-se sobre passado já se foi.

...

Por que você está escrevendo sobre aquela época...? Perguntei institivamente a ela, que sabia exatamente que eu estava me referindo aos acontecimentos citados em sua "Décima Segunda Anotação". Aparentemente o capítulo foi a público há alguns dias e ela sabia que cedo ou tarde eu a questionaria sobre isso, mas pelo modo como travou a caneta sobre o papel, ela não esperava uma abordagem tão direta vindo de minha parte, ainda mais depois de eu já ter lido ao seu lado. Felizmente para A, eu não o havia processado com clareza no dia. Eu não me lembro de ela ter dito a você para escrever sobre coisas que já aconteceram...

Sempre que A tem esses momentâneos relapsos de memória, algo em seu temperamento é alterado. É como se a pessoa serena com que eu convivo fosse coberta por um borrão confuso no qual eu dificilmente consigo apagar.

Descansei a minha taça com vinho ao lado de meus documentos esparramados sobre a mesa e a encarei de minha cadeira. Ela estava deitada sobre a poltrona do meu escritório, com as pernas jogadas sobre o braço de couro, fielmente vidrada em suas anotações como se elas fossem de alguma forma salvá-la de mim.

Ah, o que eu não daria para jogá-las longe...

Me peguei encarando a taça novamente. Eu deveria ter bebido algo mais forte...

Se erguendo devagar, e fazendo com que seu cabelo castanho escuro ainda úmido pelo banho, caísse como uma cortina marrom e levemente ondulada sobre o seu ombro nu, ela deixou as anotações de lado e se encolheu abraçando os joelhos.

Aquela era uma cena nostálgica...

Eu acredito que eles queiram saber sobre nós e quem nós somos, então isso deveria envolver o que aconteceu, não acha? Respondeu, tentando a todo custo esconder de mim a sua própria incerteza.

Não estou me referindo a quem está lendo, mas sim a você.

Ela mordiscou o lábio inferior, o seu olhar era distante. Eu havia sido rápido e certeiro.

Acontecimentos do meu dia a dia... Essas lembranças são o meu dia a dia. E como eu já desconfiava, ela mesma parecia duvidar do que estava dizendo.

Você pensa em si mesma, A?

O que você realmente está querendo me dizer, C?

Senti meu maxilar enrijecer, e ela o notou.

Estou querendo dizer que aquilo, que tanto parece lhe assombrar, foi há quase mais de dois anos... Não deixe isso moldar a forma como vive hoje. Enfatizei, e quando repeti essas palavras em minha mente, só então notei que devido ao tamanho peso do ocorrido, o período entre o passado e o presente era muito curto.

Muito curto para ela...

A pareceu me encarar por um instante, mas rapidamente desviou o seu olhar que, de uma forma sutil, havia começado a marejar. Novamente eu havia esbarrado em algo sem pensar. Sempre ignorando os principais sinais.

"Lábios contam mentiras, mas os olhos contam verdades.".

Devemos ter resiliência, não é C....?

Escute... Comecei tentando chamar a sua atenção. Tudo o que eu escrevo, de uma forma ou de outra é para você, principalmente se eu estou fazendo isso agora. Ela pareceu me encarar por um longo tempo, entretanto, tenho certeza de que foram apenas poucos segundos, e de repente, a assisti se levantar, vindo até a minha direção e sentando-se sobre ao meu colo, mas só quando ela apoiou a cabeça contra o meu peito, notei o quão surpreso eu estava. Na verdade, intrigado.... Ela se encolheu em mim, logo apoiei o meu queixo sobre o topo de sua cabeça. Um movimento totalmente espontâneo que por um momento até mesmo me assustou.

Ela sempre foi tão pequena? Questionei a mim mesmo.

Escute... Você sabe que eu trabalho com palavras claras, então se me disser claramente que quer continuar com isso, eu irei continuar, mas preciso saber se você está mesmo bem...

Os seus olhos se fecharam e um suspirar cansado se esvaiu de seu corpo. Por um instante, eu pensei que ela tivesse adormecido em meus braços. Isso não era algo incomum, mas logo ouvi o som da sua voz:

Obrigada, C.

Sr. C

VERDADE ROUBADAOnde histórias criam vida. Descubra agora