Quadragésima Terceira Anotação

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Descendo as escadas, A caminhava silenciosamente sobre a ponta dos pés, atravessando cuidadosamente o corredor não muito distante de onde eu estava.

Mais uma vez naquela noite, ela seguia em direção a cozinha, onde enchia um copo d'água – o sexto daquela noite – e voltava para o quarto.

Me peguei observando a sua frágil silhueta de soslaio, por de baixo do tecido fino de sua camisola em uma de suas curtas viagens. Mesmo sendo difícil para ela manter-se em linha reta tentando não me encarar através dos cantos dos olhos, ao fundo da sala, ela prosseguia o seu percurso com perseverança, e isso já estava se repetindo a quase mais de uma hora.

Inspirei fundo me ancorando ao sofá, me perguntando o que aconteceria se eu de repente, aparecesse de pé a sua frente, interrompendo a sua próxima viagem. O que faria? Qual seria a sua reação? Ela fugiria de mim novamente...?

Estranhamente, nem mesmo eu entendia o motivo de eu estar sentado ali, ansiando sozinho. Divagando como um velho em seus últimos dias de vida, mas por incrível que pareça, eu tinha a compreensão de que isso a assustava de alguma forma. Me ver inquieto, ou pensativo, sempre a assustava..., mas como eu deveria parar algo que foge do meu controle?

Talvez finalmente fosse o momento em que eu desistiria de tentar decifrar algo que não deveria. A é apenas A, no entanto, isso não mudava a realidade do que havia eu encontrado quando eu entrei no meu escritório hoje à noite, após voltar para casa.

Pelo pouco que vi da destruição repentina que havia se formado, tudo ainda continuava por lá, contudo, a única coisa que não pude encontrar, foi o real motivo por detrás do caos que havia sido feito lá dentro.

Se o restante da casa não estivesse em perfeito estado, eu poderia até mesmo jurar que alguém havia invadido na nossa residência na tentativa de roubar algo...

Novamente houve uma movimentação às minhas costas e me peguei tentando controlar o meu corpo e sua respiração pesada.

O silêncio sempre foi o seu grito mais alto, não é A?

Se é isso o que você chama de "espiar" ou "vigiar", eu sugiro que assista novamente todos os filmes de espiões que já viu até hoje. Eu não conseguia vê-la, mas sabia que ela estava atrás de mim, observando cada comportamento meu na tentativa de adivinhar o que eu faria em seguida.

"Ótimo" ...

Vá dormir, A. Pedi por fim.

Eu acreditava que estivesse zangada pelo que eu fiz mais cedo, mas será que ela já havia se esquecido?

V-você não vai para a cama comigo...? Perguntou em meio a um gaguejar ansioso e me vi fraquejar por um instante, mas ela não notou.

É um convite?

Eu pude escutar um ruído, mas não consegui identificar o que significava. Talvez a minha resposta tivesse sido inesperada demais para ela.

C... Houve um silêncio. Por favor, olhe para mim... Hesitante, eu a encarei, e a vi inspirar fundo enquanto segurava um dos braços com firmeza. Pressionando um lábio contra o outro.

As suas feições estavam mais vivas do que antes, na verdade, era a primeira vez nesta semana que ela parecia ter voltado a si, e elas me aceitaram bem antes de continuar a dizer:

Me desculpa...

Senti o meu cenho se franzir imediatamente, e isso a fez se calar. Nós dois sabíamos que ela nem ao menos entendia o motivo de estar se desculpando para mim, no entanto, o principal debate em minha cabeça era: havia realmente um motivo?

Por favor... Pediu, logo as suas mãos chegaram até o encosto do sofá, apertando o couro com dificuldade repetidas vezes na tentativa de se acalmar, e meu olhar caiu até elas.

Mesmo com o seu trabalho para encobrir as coisas de mim constantemente, não passou despercebido em momento algum que ela tem me esperando até tarde da noite para dormir, quase como uma criança com medo do escuro. Eu nunca perguntei o real motivo para tal comportamento novo, até porque, ultimamente temo em saber a justificativa para ele...

A encarei novamente. Eu não queria prolongar, mas...

Sab... Sabe, eu também andei pensando sobre irmos para Vermont... Declarou, na esperança de que isso melhorasse o clima, mas as minhas feições mudaram completamente.

Não, A... Não é assim. Decisões baseadas em emoções não são decisões, são instintos.

Escute... Falei a interrompendo de imediato, logo ela me encarou atentamente, e quase pude notar um pico de felicidade em seu corpo, mas eu a extingui de imediato. Eu não vou dormir agora, então não há a necessidade de me esperar.

O que fará agora? Imediatamente pensei, ansioso por sua reação.

Ah, tudo bem... Murmurou quase que atordoada, se afastando do sofá, e foi neste curto momento em que a sua expressão abatida acabou comigo.

A necessidade de contrariar o que eu mesmo havia dito há segundos me pareceu tão forte quanto os sintomas de um vício, mas ainda assim eu pude continuar:

A não ser que queira me explicar algo...

Houve uma pausa, um tipo diferente de espera, mas após esse instante inquieto, a única coisa que pude ouvir em seguida, ao invés do som de sua voz, foram os seus passos, com rapidez se distanciando cada vez mais de mim, e a minha cabeça deixou-se pender para trás até ir de encontro à cabeceira do sofá.

Se a minha teoria fosse real, talvez eu apenas estivesse pensando demais, talvez todos sejamos paranoicos em certos pontos, mas isso não significava que algo como isso seria irreversível, não é?

O que eu deveria fazer? O que eu deveria ter feito?

Pense, as coisas sempre mudam algum dia, seja de uma maneira ou de outra, mas a sua experiência lhe ensinou bem que isso não significa que sempre melhoram...

Pare de pensar... Chega de pensar.

Inspirei fundo. Eu me via inquieto novamente. Por isso eu não queria me deitar ao seu lado.

Impaciente. Confuso. Disperso. Aflito.

Até a minha respiração pareceu se alterar em algum momento.

Eu estava...

Tudo por causa dela.


Cinco,

Quatro,

Três,

Dois,

Um,

Inspire fundo...


Ergui um de meus braços a fim de encontrar o relógio em meu pulso. Eram 00h28. Havia começado a garoar, e o som aos poucos foi tomando conta do ambiente, me envolvendo da mesma maneira, e finalmente me vi de pé, olhando em direção ao corredor, para as escadas, e foi quando eu decidi o que eu realmente queria fazer.

Sr. C

VERDADE ROUBADAOnde histórias criam vida. Descubra agora