Vigésima Sexta Anotação

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Acompanhada por um constante e incansável marasmo, eu novamente pude ouvi-la perguntar:

"E como você se sente depois de tudo o que me disse hoje?"

Deixando de roer mais uma de minhas unhas, forcei um pequeno sorriso quando eu finalmente a encarei. Ela imediatamente ajeitou-se sobre a acolchoada poltrona a minha frente, lançando mais uma vez ao ar o seu perfume suave e levemente cítrico pelo pequeno cômodo em tons pastéis enjoativos. O som do relógio sobre a mesa de centro que nos separava me deixava estranhamente nervosa nos momentos em que nos mantínhamos em silêncio, como naquele instante após a sua pergunta. Ele parecia fazer questão de mostrar para mim por quanto tempo mais eu teria que continuar naquela sala, e talvez essa fosse a sua tática maligna de fazer com que eu falasse em nossas sessões.

Bem? Respondi encolhendo os ombros, logo a assisti erguer uma das sobrancelhas por de trás dos óculos, sorrindo.

Não sabe me dizer? Indagou.

Sorri sem jeito entrelaçando as minhas mãos uma na outra.

As coisas estão melhores.

E quais acontecimentos você acredita que estão contribuindo para isso?

Mordi o meu lábio inferior, desmanchando o sorriso em meu rosto antes de continuar. Ela sabia bem que eu não gostava de falar, o desconforto sempre me atacava neste tipo de situação, como um censurador interno, sempre discreto. C uma vez me disse que o silêncio nem sempre é por causa de uma falta de palavras, mas sim o excesso delas, e talvez esse seja o motivo pelo qual o meu inconsciente sempre tenta me calar.

C... Anda me levando a uma cafeteria todos os dias. Ela ajeitou o tecido de sua camisa sobre o colo e me encarou com curiosidade. Na verdade, eu poderia até mesmo dizer que foi felicidade o que testemunhei.

Jura? A encarei bem conforme ela esfregava as mãos diante de mim. Animada. As suas linhas de expressão já eram bem-marcadas por conta da idade, assim como fios brancos começavam a aparecer sutilmente dentre as mechas castanhas presas em um rabo de cavalo frouxo, mas ainda assim ela se parecia com uma mulher cheia de vida, diferente de mim. Uau, e foi você quem deu a ideia?

Não, foi ele, mas eu havia mencionado sobre o lugar uma vez.

Ela assentiu suavemente.

Foi ele quem me lembrou. Acabamos indo lá e adorei. Completei.

Ela me pareceu pensar por um instante, encarando algo atrás de mim, por cima dos meus ombros, mas voltou a ancorar-se sobre o apoio da poltrona parecendo ignorar o que quer que fosse. Eu já havia visto ela fazer isso por pelo menos umas três vezes, ou mais, especificamente hoje. O que eu imediatamente pensei ser uma nova forma de organizar os próprios pensamentos.

E o que você gosta de comer lá? Perguntou de uma maneira afetuosa, afinal, nunca tive o hábito de sair muito.

Nada. Geralmente só tomo um cappuccino ou uma bebida gelada. C diz para eu não comer muito, se não perco o apetite no jantar. Levando em conta que eu nunca o tive em excesso.

Então você não deve ficar muito?

Sorri, mas desta vez, de verdade.

Pelo contrário, fico sim. Eu gosto do ambiente, as pessoas são gentis e... Ela se manteve em silêncio, como uma verdadeira ouvinte. Com um brilho no olhar, parecia até estar tentando me incentivar a falar, mas acabei apenas me calando, logo ela aceitou com um relaxar de ombros continuando a falar:

VERDADE ROUBADAOnde histórias criam vida. Descubra agora