- Ei, olhe! – Esperneou Izabel ao meu lado, quase derrubando a bandeja onde equilibrava duas xícaras de café acima da cabeça de um dos nossos rotineiros clientes ao final da tarde. Tanto eu, quanto ele, tivemos um sobressalto em sintonia, mas ela continuou sem dar a mínima. – O carro voltou, Clarie!
Quando eu finalmente consegui me recompor do alarde feito por ela, acompanhei o seu olhar através da longa janela de dentro da nossa monótona cafeteria até um Sedan preto que havia acabado de estacionar ao outro lado da rua. Felizmente, o trânsito havia diminuído desde a última vez que eu havia olhado para o lado de fora.
- Bizarro. – Sussurrou próxima ao meu ouvido em tom temeroso. – Será que é mesmo algum tipo de segurança? – Houve uma pausa antes de continuar. – Ou talvez seja um stalker...? – Revirei os olhos rindo.
- Você anda assistindo muitas séries ultimamente. – Pigarreei voltando a varrer o tapete embolorado em frente à porta de entrada enquanto ela bufava de um lado para o outro, como uma criança mimada clamando por atenção.
- Para com essa história, você não acha isso bizarro?
Claro que sim, mas eu não diria isso em voz alta como ela.
Novamente voltamos nossa atenção ao veículo. Por algum motivo que nós desconhecíamos, já avistávamos aquele mesmo carro estacionado em frente a nossa cafeteria todos os dias há duas semanas sem falta. Com exceção dos finais de semana. Nós – na maior parte das vezes Izabel – sempre criávamos teorias sobre o que poderia ser, ou o que ele estaria fazendo ali, como hoje, mas por mais que inventássemos diversas teorias bobas, ou até mesmo absurdas para descrevermos o que aquele carro estaria fazendo parando aqui todos os dias, uma característica sempre estava presente em nossa história...
Do fundo do salão, aquela mesma mulher, de baixa estatura e cabelos longos em tons de castanho escuro, que passamos a reconhecer e a dar as boas-vindas todos os dias, ergueu-se devagar da cadeira e acenou timidamente em direção ao carro.
- Oh, isso é novo. – Observou Izabel, igualmente surpresa a mim.
Sim, novo. Incomum até, já que quando ela normalmente avista o carro aproximando-se do semáforo, nós mal a vemos sair, porque que ela se levanta com rapidez deixando uma quantia sobre a mesa com uma generosa gorjeta, e sai timidamente pela única porta de entrada e saída da cafeteria. Ela sempre nos pareceu querer incomodar o mínimo possível, como se não quisesse ser notada por ninguém, aquela era a sua única necessidade ali, portanto, o único sinal que havia para nos indicar a sua saída, era o tilintar metálico do sino acima de sua cabeça assim que a porta era movida. Algumas vezes nos pegávamos rindo quando ela saía, pois parecia odiar o som que aquele antigo e extravagante sino de bronze fazia sobre a sua cabeça, e infelizmente para ela – ou até mesmo todos nós – ele ainda é a grande paixão do idoso proprietário desse estabelecimento.
Com o passar de poucos segundos, estranhamente ficamos ali, juntamente a ela, mas claro que indiretamente, encarando, esperando alguma resposta de quem quer que estivesse por detrás dos vidros fumês ao volante, mas nada aconteceu.
- Estou começando a achar que o carro tem vida própria e que nenhum ser humano está ali dentro.
- Certo, isso é ridículo. – Indaguei rindo e encarando novamente a mulher. Ela ainda continuava imóvel, estranhamente rígida como uma estátua, mas como se sua persistência tivesse vencido, o carro foi desligado pela primeira vez, logo ela voltou a sentar como se tivesse acabado de ter uma disputa árdua, mas ainda assim, ela olhava fixamente através da janela, esperando. Havia uma determinação absurda ali e o principal problema para mim, era que eu não entendia o porquê de tudo aquilo.
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VERDADE ROUBADA
RomanceAssinando os seus textos apenas com os pseudônimos "Srta. A" e "Sr. C", eles compartilham uma história... Após suportar uma repentina sequência de eventos assombrosos em sua vida, "A" se encontra em um desequilíbrio emocional quase irreparável, e qu...