Com um intervalo cada vez maior entre elas, sutilmente o som das gotas d'água se chocando contra o porcelanato do lavabo me resgataram de um tipo de transe, me trazendo de volta a realidade. Quando eu me reencontrei em frente ao espelho do banheiro, lá um reflexo apático me recebeu sem qualquer ternura, e se me lembro bem, duas coisas conseguiram me surpreender ao ponto de fazer com que eu mergulhasse o rosto de baixo d'água fria logo em seguida:
1. O tempo que eu havia passado ali;
2. A pessoa que me encarava de volta do espelho.
De novo, quase sem que eu mesma notasse, estava acontecendo, como ela disse que aconteceria com maior frequência com o decorrer do tempo.
Isso é bom, não é?
Até porque, chegou o tão esperado momento em que o meu quebra-cabeça infinito finalmente começou a juntar as peças soltas e estranhamente emaranhadas ao redor de meus pés, no entanto, havia algo que ainda incomoda...
Por que eu me sinto cada vez mais apavorada?
Por um grande período eu acreditei que essa sensação se dissiparia, mas isso ainda não chegou a demonstrar qualquer sinal de ocorrer, portanto, tentarei ao máximo continuar da mesma forma que me permitiu viver todos esses anos, aguardando.
Viver ou sobreviver, qual deles eu realmente quero no final?
Em qual deles eu devo estar encaixada hoje enquanto escrevo isso?
Assim que fechei a torneira sem mais uma rotineira conclusão para outro de meus devaneios, foi quando finalmente a minha atenção voltou-se para outro lugar, como se eu estivesse em uma busca incessante por distrações. Ao lado de fora do banheiro, um som mais adiante surgiu como um alarme. Alguém havia aberto a porta de entrada, mas por algum motivo não havia passado por ela. Algo dentro de mim, me alertava que esse próprio alguém observava desse mesmo lugar, imóvel, mas de repente, como se tivesse se certificado de algo, a porta foi fechada, e mesmo distante, o som áspero da chave girando dentre a fechadura apenas me alertava uma coisa: "ele voltou", e foi quando eu pude escutar:
A? Chamou sem obter resposta. Onde você está?
Eu passei a ouvir os seus passos pela casa.
Corredor. Sala. Cozinha. Escadas. O corredor novamente.
Eles seguiam com perseverança em um ritmo pesado e inquieto, se aproximando cada vez mais de mim conforme passava com rapidez por cada cômodo e, por impulso, eu acabei trancando a porta do banheiro.
Eu me tranquei mesmo dizendo a ele que eu não faria isso novamente, e foi quando eu percebi que os seus passos já haviam cessado.
A... Insistiu mais uma vez, visivelmente impassível, mudando o seu tom de voz assim que notou onde eu estava, ao outro lado da porta, tanto física quanto mental.
Ele sempre teve esse tipo de "poder" comigo, e de uma forma quase imperceptível, a sua mão passou a girar a maçaneta devagar, para que eu não prestasse a minha total atenção nela enquanto tentava abri-la, mas quando finalmente entendeu que eu à havia trancado, parou. A, que tal abrir a porta para mim?
Nada.
Você sabe muito bem que eu não vou sair até que você abra.
Sim, eu sei bem.
Apoiando as costas contra a porta, eu deslizei por ela até chegar por completo ao chão. As minhas pálpebras estavam pesadas demais há muito tempo, fazendo com que eu sentisse certa dificuldade para mantê-las abertas, algo que me causava uma sensação terrivelmente inebriante.
A maçaneta me pareceu se mexer novamente acima da minha cabeça, desta vez, com mais perseverança.
Você não quer me ver? Perguntou suavemente, próximo à porta, mas como não obteve resposta, eu pude ouvi-lo bufar.
Apesar da minha inexplicável dificuldade para respondê-lo, C nunca precisou que eu dissesse tudo para saber exatamente o que estava acontecendo. Eu sempre amei e repudiei esse "talento" seu, e por isso...
Você estava chorando, não é?
Senti um aperto em meu peito, me fazendo curvar parte de meu corpo, mas não havia sido eu a sua causadora, e o nada continuou, persistente com o seu silêncio imensurável, mas ainda assim, C prosseguiu, objetivo como sempre foi:
Eu disse a você que isso não iria funcionar...
E suas palavras me acertaram em cheio novamente...
Como se um alarme tivesse soado, o meu corpo voltou-se novamente em sua direção antes mesmo que terminasse de falar, e se eu não o conhecesse, poderia jurar que ele até mesmo sentiu isso, ainda que ao outro lado da porta.
Mesmo hoje, entendendo que era uma atitude quase que infantil de minha parte, a única coisa que eu acreditava era que o que estava acontecendo, não era culpa de algo que mal começamos a fazer...
Mas nós ainda nem...
Abra a porta. Murmurou e, imediatamente, eu pude sentir o sutil toque de seriedade em sua voz. Uma advertência. A primeira de uma única sequência e me vi engolir seco.
Eu sabia que ele odiava me ver assim, mas isso estava fora de controle... Fora do meu controle.
Basta, apenas desista. Adverti a mim mesma, ainda tentando juntar os resquícios restantes de coragem que me faltavam, contudo, mesmo totalmente incerta enquanto me erguia com dificuldade, destranquei a porta me apoiando sobre ela e, ainda hesitante, tentei abri-la devagar, mas ele a empurrou com rapidez assim que pôde encaixar a mão em sua abertura, me encontrando com aqueles incisivos olhos acinzentados que passaram a me encarar tão fixamente. Eles que sempre me impediam de respirar corretamente...
Uau... Falou, repentinamente passando a sorrir apenas com os lábios quando se inclinou para se aproximar de mim, mudando completamente. O seu rosto está uma droga. Acrescentou gentilmente, e ainda assim, mesmo com essas palavras, senti algo dentro de mim sorrir, e ele notou.
Você é uma droga...
Sim, eu sei.
Ele estendeu os braços levemente abertos e erguidos em minha direção.
Venha, me desculpe por não ter chegado antes...
Srta. A
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VERDADE ROUBADA
RomanceAssinando os seus textos apenas com os pseudônimos "Srta. A" e "Sr. C", eles compartilham uma história... Após suportar uma repentina sequência de eventos assombrosos em sua vida, "A" se encontra em um desequilíbrio emocional quase irreparável, e qu...