Vigésima Nona Anotação

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Ainda penso que não há a necessidade continuarmos com isto, afinal, mesmo com a tão repetitiva sensação de "conforto" que A sempre expressa para mim - semelhante a algum tipo de "mantra" religioso - quando escreve, há sempre um gosto amargo quando releio determinadas partes...

Ainda que eu não deseje essa mesma sensação amarga a ela, me assusta imaginar que isso somente ocorra comigo...


Você é feliz? Após ouvir a minha pergunta, ela apoiou a cabeça sobre uma das mãos, parecendo um tanto quanto pensativa ao meu lado na cama.

O caimento do fino lençol sobre a sua cintura ainda nua após a repentina movimentação chamou a minha atenção, logo recebi um sorriso debochado ao ser pego.

Que pergunta complicada a sua.

Você acha? Ela ajeitou-se mais uma vez. Eu não conseguia tirar os meus olhos dela. O seu corpo era um prato cheio para a minha luxúria soberba. E por quê?

Não podemos responder apenas com um "sim" ou "não".

Oh, eu não sabia disso. Enfatizei, sabendo o tipo de sorriso que lancei a ela naquele instante. Eu consigo responder tão facilmente...

Deixe de ser engraçadinho, eu sei bem as coisas que te fazem feliz, seu depravado. Declarou rindo junto a mim, no entanto, obviamente ela não pararia, mesmo em uma simples brincadeira. Elas são momentâneas, C. Além disso, é bem diferente de se perguntar um "Está tudo bem?" a mim, ou a qualquer estranho. Advertiu apontando em minha direção, logo tomei a sua mão com rapidez, a beijando e, rapidamente, a sua pele voltou a corar fazendo com que ela parasse de falar.

O que você estava dizendo mesmo...? Murmurei, aproximando-me do seu rosto.

Você não deveria interromper a pessoas. Indagou.

E você não deveria dizer que o que me faz feliz é "momentâneo"...

Não é você quem sempre diz que todos nós sabemos sorrir?


Antigamente tínhamos bastante essa conversa, mas assim como todos os assuntos desagradáveis para A, ela mudava d'água para o vinho, mas será que ainda não temos mais o porquê de perguntarmos isso um ao outro?

A olhando agora, virando-se de um lado para o outro na cama com feições desesperadoras estampadas ao rosto, eu sinto que é certo repensarmos certas coisas, ainda mais quando os seus gritos enquanto ainda dormia me fizeram vir correndo do escritório, apavorado com a ideia de quem alguém pudesse estar fazendo mal a ela.

Eu não a acordei, assim como continuei ali. Por algum motivo eu não quis fazer isso, no entanto, apesar de eu acreditar que ele fosse desconhecido, eu sabia exatamente o porquê. Eu estava apavorado.

Pesadelos nem sempre são algo desesperador... Claro, os odiamos porque dificilmente temos controle sobre eles. São coisas que vivemos, ou que tememos viver, que ficam presas em nosso subconsciente e que voltam para nos atormentar quando estamos vulneráveis. Querendo ou não, é nossa mente manifestando nossos maiores medos, angústias, receios, ansiedades, traumas etc. De qualquer forma, pesadelos podem se tornar uma forma terrível de tortura a nós mesmo.

Pesadelos nem sempre são algo desesperador, mas os tememos por acreditarmos viver a realidade que ele nos mostra...

Quando ela acordou, em meio a um pavor sem igual e ofegante ao ponto de parecer ter sido sufocada por alguém, ela cravou as unhas em meus ombros, se agarrando ao meu pescoço, mas eu não sentia dor alguma, era como se eu tivesse caído em algum tipo de feitiço, onde ela só conseguia repetir para mim uma única frase:

"Você não está morto..."

"Você não está morto..."

"Você não está morto..."


Sim, eu não estou.

Sr. C

VERDADE ROUBADAOnde histórias criam vida. Descubra agora