Sexta Anotação

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Ainda que as coisas estivessem indo bem, não demorou muito tempo para que este fatídico dia viesse, e como eu já esperava, ele anunciou a sua chegada como uma visita indesejada, causando desconforto com sinais desconhecidos enquanto desencadeava mudanças no ambiente que tanto me confortava, no entanto, ao encostar a minha mão sobre a porta ao final desta tarde, eu sabia exatamente o que estava acontecendo, e percebi que apontar como culpado uma data tão ocasional como outra qualquer, não seria algo sensato a se fazer, mas não custava nada confirmar, não é? Ainda mais quando já se sabe toda a verdade...


Eu posso entrar? Perguntei enquanto passava somente a minha cabeça pela fresta da porta já entreaberta, o encontrando de pé ao outro lado de sua mesa.

C rapidamente retirou a atenção do livro apoiado em uma de suas mãos e me encarou demonstrando um semblante preocupado, afinal, eu não entrava muito em seu escritório.

Está ocupado?

Intrigado, ele fechou o livro e o colocou com cuidado sobre a mesa. Ele já estava naquele cômodo há horas.

Não, entre. O que foi desta vez, achou outra mariposa na cozinha?

Revirei os olhos e entrei deixando a porta aberta.

Pare de me encher por causa daquilo, ela tinha voado direto na minha cara. Se permitindo relaxar, finalmente um sorriso ameaçou tomar os seus lábios.

Eu sempre adorei vê-lo sorrir, é como um tipo de droga viciante para mim, ainda mais quando eu sou o motivo por trás da emoção que faz com que isso ocorra, independentemente de sua causa.

Certo. O que foi então?

É que eu quero perguntar algo.

Basta perguntar. Respondeu de forma tranquila, como já era de se esperar, até porque, eu o observei a semana toda para julgar se estaria de bom humor para o diálogo que eu daria sequência em alguma ocasião, preferivelmente flexível, e este era o tão aguardado momento.

Organizei as palavras em minha cabeça enquanto ele me observava.

Apesar de eu ter ensaiado essa situação algumas vezes antes de decidir entrar em seu escritório, C sempre teve a incrível – e terrível – capacidade de deixar a minha mente em branco quando estou à sua frente. Sob o seu olhar avaliador, eu sempre me sinto como uma adolescente deslocada, mas eu me esforcei, eu garanto...

Por que você anda meio... e-emburrado? Naquele instante, uma expressão confusa tomou conta de suas feições, contudo, ela não permaneceu por muito tempo. O real problema nesta breve situação, foi que eu não pude identificar de imediato se ocorreu devido a minha gagueira ou pelo assunto tocado.

"Emburrado"? Repetiu devagar e me vi mordiscar a língua.

Claro, esse não era o adjetivo que eu gostaria de usar, mas foi o máximo que eu consegui formular para descrever como vinha sendo o seu comportamento no decorrer dessas últimas semanas, mas recapitulando tudo agora enquanto escrevo, a palavra correta talvez seria "duro", "austero", "intransigível" etc., mas infelizmente ainda não conseguimos voltar no tempo para fazer as correções que desejamos em nossas vidas.

Não quero dizer a todo momento, mas algumas vezes, sempre de repente... Por quê? Há algo que gostaria de me dizer?

VERDADE ROUBADAOnde histórias criam vida. Descubra agora