Vigésima Oitava Anotação

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Ainda que repentinamente, é um tanto incomum o que eu irei escrever a seguir...

Quase sempre evito pensar com seriedade sobre determinados assuntos, eles que também não são evitados somente por mim, mas por C também.

Manter um aglomerado de emoções e sensações sempre me levou a algo destrutível, sabemos disso. Sempre há um desencaixe que atrapalha todas as outras peças que ainda buscam o seu devido lugar. No entanto, eu apenas as empurro para de baixo do tapete, com medo de que alguém note a minha bagunça, mas ele sempre a notou.

Hoje, começaremos com algo que é quase indiscutível para mim, e me refiro ao quanto a sensação inquietante que percorre o meu corpo quando C está em seus "dias ruins" é incômoda... Ainda que sendo uma percepção complicada de descrever, ela percorre o meu corpo como um tipo de veneno, sempre me alertando os seus efeitos colaterais com agressividade e rapidez, demonstrando de uma forma amedrontadora que algo está errado, é angustiante. Eu nunca sei ao certo o motivo por detrás do semblante gélido e vazio que toma o seu rosto de mim em alguns momentos de nosso convívio, e dificilmente procuro saber...

Quase que constantemente refletindo sobre algo que eu jamais decifrarei, beber com frequência parece ser a sua única solução para acalmar os nervos e a sua mente. Eu quase sempre vejo a forma como a que o seu maxilar endurece em alguns momentos, enquanto franze o cenho e pressiona os lábios um contra o outro, ele aparenta que vai explodir a qualquer momento, ainda que eu mantenha distância.

Algumas vezes, ele nota o receio em minhas feições ou corpo, e me chama de forma afetuosa como se outra pessoa tomasse conta de seu corpo, e mesmo temendo por não saber quem é realmente o seu verdadeiro "eu", me deixo ir. Cegamente acreditando que eu sou uma das razões que lhe trazem de volta...

Me lançar no labirinto dos seus braços é a minha melhor opção, já que na pior das hipóteses, eu me perderei em você.

Não é engraçado como nos forçamos a fazer certas coisas por medo de sermos punidos? O mais engraçado ainda, é quando não fazemos algo por temermos da mesma forma. Se pareceu redundante, não é? Porque para mim sim. É um ciclo vicioso. Eu nunca sei "onde pisar", e dificilmente sei como agir com medo de ser engolida.

Mesmo dizendo a mim que ainda escreve depois da consulta há duas semanas, eu não o vi formular um verso sequer. Não há resquícios de anotações perdidas, ou até mesmo o som do teclar de seus dedos sobre o notebook para escrever sobre algo além de assuntos relacionados ao seu trabalho. Surpreendentemente, tomei coragem e vasculhei até por seu escritório, mas assim como não encontrei coisa alguma, eu não pretendo contar isso a ele.

Somos mentirosos...

Deitada de costas ao chão, me levantei quando percebi que nada de diferente apareceria no teto branco, o qual encarei por muito tempo e com tanta perseverança. Ele foi pintado minunciosamente de branco até acabar no papel de parede escuro com acabamentos de madeira. Um toque moderno e, ao mesmo tempo rústico, que agradava ambos.

Bufei preguiçosamente ajeitando o leve pijama de cetim em meu corpo enquanto vagueava de um lado para o outro. Constantemente as minhas roupas saiam do lugar, estranhamente mais folgadas em algumas partes, sejam braços, ombros ou cintura. Eu nunca tive talento para escolhê-las, e por isso a maioria das minhas roupas foram escolhidas e dadas por C.

Encarando o relógio sobre a mesa de centro, senti o meu cenho pesar.

Pela primeira vez em muito tempo, eu estava entediada, completamente repleta dessa monotonia incessante e desse marasmo constante, eu me pego vagando dispersa pela casa, como uma criança que está em uma procura incessante por distrações, um rumo a seguir, um objetivo, e eu estou chegando ao meu limite.

VERDADE ROUBADAOnde histórias criam vida. Descubra agora