Trigésimo Segundo - Acontecimento

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Antes de fechar a porta, encarei o relógio sobre o balcão ao meu lado. Mais uma vez eu havia ficado até mais tarde do que o esperado, e com toda certeza Steven ficará bravo novamente.

- Boa noite. – Falei a Johan, o recepcionista do prédio, que ergueu as espessas sobrancelhas grisalhas para mim antes que eu saísse do saguão. Pelo jeito, eu era a única pessoa deste conjunto de escritórios e salas de consulta que tinha coragem de sair a este horário, ou melhor, vontade.

- Trabalhando até tarde? – Questionou ele em meio a um gole de café antes que eu chegasse à porta giratória.

- Alguns pacientes requerem mais atenção do que outros. – Ele sorriu por de baixo do espesso bigode não tão grisalho quanto as suas sobrancelhas, quase confirmando o que eu havia dito como outro colega de trabalho na mesma área.

- Vou trazer a minha filha e o marido dela aqui, talvez você mostre a ela o quanto ele é um completo imbecil. - Sorri achando graça. Dificilmente encontro pais que de cara gostam de seus genros.

- Johan, as pessoas só acreditam quando elas mesmas veem isso. – Ele deu de ombros.

- Eu ainda o acho um idiota.

- Viu? E você enxerga isso. – Brinquei em meio a uma risada – Tenha um bom final de turno. – Me despedi, mas imediatamente ele me interrompeu com um acenar de mãos.

- Antes que vá, eu quase me esqueci de avisar a você. Hoje um homem veio aqui procurando por você, mas como você estava em atendimento com outro paciente, eu pedi para que ele aguardasse aqui no saguão. – Olhei ao redor, já não havia mais ninguém aqui.

- Ele deixou um nome ou telefone?

- Infelizmente ele saiu sem que eu soubesse de qualquer um dos dois. Pelo jeito, não estava querendo esperar, mesmo que eu tenha dito que você costuma fazer um intervalo entre as sessões.

- Bem, isso é um tanto quanto estranho, mas talvez ele apareça novamente alguma outra hora, ou dia.

- Aposto que sim. Parecia aflito, eu acho. – Como a maioria das pessoas que me procuram.

- Até amanhã, Johan. – Ele assentiu acenando com a cabeça enquanto eu já empurrava a porta, e como eu já esperava, a rua estava deserta, mas o que acabou de fato me surpreendendo ao invés disso foi a chuva. Uma chuva pesada e de pingos grossos que de repente havia surgido nesta noite sem aviso.

Belo dia para decidir não vir de carro...

Desci pela escada principal do prédio até me abrigar de baixo do toldo de uma das cafeterias ao lado do prédio. A essa hora, todos que trabalhavam ali eles já deveriam estar em suas casas com as suas famílias. Algo que eu deveria estar fazendo.

Tateei a minha bolsa, e quando eu peguei o meu celular, já havia cinco ligações perdidas. Todas de Steven, logo me vi segurando o aparelho com força contra o peito.

Espero que ele entenda, ou melhor, que eles entendam...

Quando disquei o número do seu telefone, quase desmaiei de alívio ao ouvi-lo atender no segundo toque.

- Onde você está?! – A sua voz rouca seguida por uma tosse não camuflara a sua indignação.

- Desculpa, eu tive que preencher muitos laudos hoje, e perdi a noção do tempo... – Senti o meu corpo pesar.

- Amabell... Meu Deus, pelo menos me avise, ou atenda o celular...!

- Eu sei, foi descuido meu. – Esperei por mais palavras, mas elas não vieram. É claro. – Querido, tem como você vir me buscar...?

VERDADE ROUBADAOnde histórias criam vida. Descubra agora