Décima Quarta Anotação

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Você já teve a constante sensação de que alguém o(a) observa enquanto dorme? É mais estranho do que aparenta ser e poucas pessoas levam os nossos "delírios" em consideração quando buscamos por ajuda. Ninguém sabe o quão amedrontador é até passar por essa inquietante vivência... "Há mais alguém aqui?", quantas vezes você já se pegou nesta mesma pergunta? No entanto, passei a entender que nem sempre o pior é descobrir se há alguém o(a) assistindo em seu descanso, mas sim a terrível sensação de sentir-se vulnerável... Com receio das estranhas sombras encurvadas que se formam ao nosso redor, sempre à espreita com os seus olhos brilhantes e olhares negros. Você nunca sabe qual será a hora de ser pego(a), e não sabe quantas vezes mais isso acontecerá naquela noite, ou nos dias seguintes, mas eu já estava acostumada com esse tipo de situação...


Esta é a recepção que eu mereço? Satirizou repentinamente uma voz tão próxima a mim, que fez com que o meu coração se travasse junto ao sobressalto de meu corpo com o espanto repentino.

Quando abri os meus olhos, encontrei o rosto impetuoso de C diante de mim. Ele havia se agachado a minha frente, em uma posição que parecia desconfortável demais para alguém da sua altura.

Hora de acordar. Anunciou mostrando a mim o seu sorriso lascivo.

Mesmo a minha frente, era assustador perceber que eu não havia escutado um barulho sequer quando entrou em casa.

Quando chegou? Perguntei ainda espantada, inconscientemente tentando manter o coração inquieto no lugar já erguendo parte do meu corpo. Era estranho ainda senti-lo pesar após um cochilo.

Eu acabei de entrar. Respondeu, breve como sempre, já encarando outro lugar.

Mesmo desnorteada por acordar sem aviso da forma precipitada como foi, não deixei de notar como o seu olhar se voltou até mim, percorrendo o meu corpo sobre o sofá até parar em meus braços, onde eu aparentemente adormeci segurando o pequeno bloco de notas que tanto carrego de um lado para o outro.

Ele sempre encarou aquele conjunto de folhas já surradas como um verdadeiro inimigo.

Me parece que teve mais trabalho do que eu hoje...

Ah, bem, acho que sim... Respondi sem jeito. Já era noite e ele não havia acendido grande parte das luzes de casa, mas ainda assim, em uma meia lua, eu enxergava nele um semblante diferente do que eu costumava ver e eu não pude perceber de imediato, mas tudo ao nosso redor naquele instante me alertava incessantemente: fique em alerta.

C logo passou a se erguer, e só então percebi que ele ainda estava de terno e gravata, ela que já levemente frouxa, descansava em seu pescoço.

Eu adorava vê-lo com vestes sociais/formais e os tons escuros pareciam fazer parte de sua cartela de cores. Sempre passando um ar de seriedade e beleza sem igual. Era como ver uma paisagem gélida de alguma região remota, e apesar dos perigos expostos no início da jornada, você se arriscaria para ver a tão falada vista de tirar o fôlego.

O que foi? Perguntou, de repente, e só então notei que me encarava, o admirando.

Nada. Me peguei abaixando o olhar até as minhas mãos, que agora seguravam novamente o pequeno bloco de anotações, e subitamente eu tive um estalo.

Meu Deus, as anotações! Como eu quase pude me esquecer?

C já estava de costas para mim, seguindo em direção a porta de entrada quando me vi pular do sofá a fim de alcançar as suas costas, e quando esbarrei nele, C se voltou novamente para mim assustado com a minha atitude repentina.

VERDADE ROUBADAOnde histórias criam vida. Descubra agora