Quadragésima Anotação

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De uma das minhas diversas anotações: "Há dias em que a minha própria mente adquire a capacidade de me matar..."

...

E então o estridente som agudo se repetiu, e quando eu pensei que finalmente havia cessado, posteriormente foi-se emitido mais uma vez, e a minha cabeça doía a cada longa rodada, e dentre uma delas, foi quando pude escutar:

Já está na hora de acordar...

Ao mesmo tempo em que senti que o meu peito iria explodir, senti uma dor quase que absurda em meu couro cabeludo. O meu cabelo foi puxado para trás com tamanha violência, que fez com que eu gritasse levando as minhas mãos à cabeça enquanto eu me via sendo erguida.

Assim que os meus olhos se abriram, eu me levantei de imediato. O meu coração parecia querer explodir a qualquer momento e me apoiei sobre as mãos que tremiam. As minhas costas enxarcadas por suor faziam com que o tecido de minha blusa grudasse em minha pele, e quando olhei para baixo, em direção a cama, uma mancha úmida seguia o contorno de meu corpo como uma nova sombra.

Olhei tudo ao redor. Não havia ninguém. Como sempre, nunca há ninguém.

Meu Deus...

Fechando os meus olhos, me permiti concentrar-me em minha própria respiração. Aos poucos, tudo foi ficando cada vez mais silencioso. Ali, eu era a fonte de todo o barulho, mas foi neste curto momento, onde tudo cessou, que eu pude ouvir novamente. Eu podia jurar que o som era como um tilintar metálico, como sinos. Os mesmos usados apenas no Natal. Eu me lembro bem de ouvi-los enquanto mamãe os pendurava sobre a nossa pequena árvore. Mesmo sendo do tamanho de um gato, ela os aguentava com perseverança e ficava linda enfeitada junto aos outros acessórios baratos.

Eu tinha apenas seis anos quando a vi sendo empurrada contra a mesa de uma forma tão brusca a ponto de derrubá-la no meio da sala. Os seus suportes pequenos se quebram com o choque do impacto contra o chão em segundos, e por sorte naquele dia, o meu choro ficou emperrado em minha garganta.

Boba, olhe só o que você está se lembrando.

Tirando as mãos dos ouvidos sem ao menos saber como chegaram ali, eu encarei tudo novamente ao meu redor.

Quase que involuntariamente, eu me levantei e segui a fonte do som, cambaleando, ou talvez mancando, não sei dizer, mas era desgastante me mover. Eu me jogava de uma parede a outra como uma embriagada sem saber ao certo o porquê de minhas pernas e braço estarem tão pesados. Tudo parecia estar andando. Os móveis, o piso, as paredes, o teto.

Em um intervalo de poucos segundos em silêncio, ele voltava a se repetir, e logo ouvi outro tipo de som, algo diferente do que eu ouvia até agora, mas eu o conhecia. Era o som que a porta do escritório emitia ao ser aberta, posteriormente batendo contra a parede, mas o que me assustou não foi ela em si, mas sim não conseguir saber quem a havia aberto, mas da mesma forma repentina como tudo começou, eu me vi em frente à mesa de C, dentro do escritório. O som vinha de lá e era quase que incansável agora, machucava os meus tímpanos.

Tateando tudo, puxei as gavetas e os documentos presentes dentro delas contando os minutos. O barulho estava chegando ao ponto de me enlouquecer, mas quando olhei para a porta, lá estava ele. Parcialmente a vista sorrindo para mim de forma lasciva, como se estivesse vendo um animal. Como se dissesse a mim que o que eu estava fazendo, não batesse de acordo com o meu raciocínio em declínio absoluto.

Vá embora... Falei, ou ao menos pensei.

"Ele" – passei a chamá-lo desta forma, pois assim não há a probabilidade de eu sequer criar uma ligação com o que quer que ele seja.

Você não irá me afetar mais...

Um som estrondoso foi emitido quando fechei a gaveta bruscamente, assustando a mim mesma, mas em meio a essa troca de sons, foi quando notei: os sinos haviam parado.

Olhei novamente para a porta. Ele já não estava mais lá. Por que ele não estava mais lá?

Puxei a gaveta novamente, eu já a havia deixado vazia. Todos os documentos, canetas e pastas estavam ao chão, no entanto, o que eu não havia notado era uma pequena caixa de madeira no mesmo tom de cor das gavetas. Tentei tirá-la de lá, mas era como se estivesse parafusada, então eu simplesmente a abri e foi quando minhas mãos seguraram um celular.

O meu celular...

Eu mal me lembrava de ter tido um celular, se é que ele possa ser chamado assim, já que era um celular pré-pago antigo, como aqueles descartáveis que conseguimos em aeroportos ou postos de gasolina.

Não, eu me lembrava sim, mas não me lembrava onde ele havia parado há mais de um ano, ou dois, eu não sabia e ainda não sei dizer.

Tentei ligá-lo, mas estava descarregado, claro. Se eu me lembrava de tê-lo perdido há mais de um ano, provavelmente ele não tenha sido ligado neste intervalo de tempo, mas sendo alimentado pelo cabo de energia de um dos carregadores de C, ele emitiu um sinal de vida.

Mensagens brotaram em sua tela de bloqueio. Mensagens de C, antigas. Mensagens que por algum motivo não foram lidas.

"Onde você está?"

"Aconteceu alguma coisa?"

"Estou começando a ficar preocupado. Fui até a casa da sua mãe."

"Por favor, me atenda, ou pelo menos me dê algum sinal que está bem!"

Desbloqueei a tela, e para a minha sorte, não havia a necessidade de uma senha. Passei pelo histórico de mensagens. Pelas poucas conversas, tudo o que pude, mas o que me pegou de surpresa, foi uma única mensagem antes de todas as outras. Antes das diversas mensagens e ligações aflitas de C. Mensagens de alguém que eu desconhecia.

"Eu posso ir até aí?"

"Eu preciso ver você, hoje."

"Há algo que eu gostaria de dizer."

Não houve uma resposta de minha parte. Eu nunca havia mandado uma mensagem sequer para essa pessoa, sem contar que não havia um nome a identificando, mas por algum motivo, após eu soltar o celular ao chão, corri para o banheiro e comecei a vomitar, e sinceramente, não consigo me lembrar do momento exato quando consegui parar, mas acredito que em algumas horas mais tarde, eu pude ouvir a porta de entrada sedo aberta.


C havia chegado em casa.


Srta. A

VERDADE ROUBADAOnde histórias criam vida. Descubra agora